A longa indigestão de um buraco negro
Novos dados mostram como um buraco negro gigante afeta a realidade ao seu redor. E dão uma amostra do quão ínfima é a nossa existência
A imagem aqui em cima tem duas galaxias. A grande é a M51; a pequena, a NGC 5195 – que aparece basicamente como um ponto de luz à esquerda. As duas dançam uma em volta da outra, num baile que gravitacional que culminará, daqui a alguns bilhões de anos, com a fusão das duas galáxias.
Ao longo dessa ciranda, NGC 5195 acaba de tempos em tempos “penetrando” um dos braços da M51. As distâncias entre as estrelas dentro de uma galáxia é tão grande que, a princípio, tal choque não teria nada demais (um dia a Via Láctea e nossa vizinha Andrômeda irão se fundir e, o Sistema Solar tem tudo para sair dessa intacto). Mas ali a história é outra. A NGC 5195 é um demônio da Tasmânia cósmico: o que tem de pequena, tem de invocada. Cortesia do buraco negro supermassivo que ela tem no núcleo. A massa do bicho equivale a 19 bilhões de sóis. Trata-se de um dos maiores buracos negros conhecidos. Para dar uma ideia: a Via Lactea é três vezes maior que a M51, que dá quase 10 da NGC 5195. E o buraco negro da nossa gloriosa galáxia tem meros 4 bilhões de sóis de massa para chamar de sua.
É como se a NGC 5195 fosse um buraco negro gigante “solto” no espaço. Ele é grande provavelmente porque nunca lhe faltou comida. A cada passagem por um dos braços da M51 ela esse superburaco come estrelas, planetas, gás poeira. E quanto mais um buraco negro come, mais ele cresce. E mais voraz fica – a gravidade dele aumenta, o que eleva ainda mais seu apetite.
Só tem um detalhe: se a comida for muita, o buraco não consegue digerir tudo. Então o gás e a poeira em volta dele fica girando a velocidade próximas à da luz, sem cair para além do famoso horizonte de eventos (a parte de fato preta do buraco, onde tudo o que cai desparece para sempre do espaço e do tempo, para jamais retornar).
É exatamente o que acontece em volta do buracão da NGC 5195. O resultado dessa indigestão são jatos assustadores de ondas eletromagnéticas (de altíssima frequência, na forma de raios-X). Não há novidade aí. O efeito é tão conhecido que os astrônomos buscam emissões de raios-X com seus radiotelescópios para vasculhar o céu em busca de buracos negros.
A novidade aqui é a seguinte: a Nasa obteve novos dados de radiotelescópio da NGC 5195, e elas permitiram a astrônomos da Universidade de Manchester descobrir um pouco mais sobre como esse fenômeno acontece (perdão aos leitores mais vigilantes por não ter dado a novidade logo no começo, mas este não é um texto para astrofísicos, precisamos contextualizar as coisas).
Detectaram que as emissões de raio-x são tão violentas que arrancam elétrons de átomos de hidrogênio que flutuam pelo espaço na forma de gás. Isso ransforma gás neutro em gás ionizado. É basicamente o mesmo fenômeno que acontece dentro das lâmpadas fluorescente – um gás se transforma em íons (depois de atiçado por uma corrente elétrica), e isso produz ondas eletromagnéticas. Nos arredores da NGC 5195 e da M 51 uma das consequências detectáveis aqui da terra é o surgimento “arcos de energia” – regiões enormes do espaço interestelar com mais radiação eletromagnética do que outras. Os astrônomos já tinham detectado os arcos, tal como os jorros de raios-X. “Agora sabemos que os fenômenos não estão apenas conectados, mas que as emissões de raio-X precedem a formação dos arcos”, disse o astrônomo Hayden Rampadarath, da Universidade de Manchester.
Um detalhe: esse mergulho do buraco negro no braço espiral da M51 é algo momentâneo. Como dissemos aqui, é só parte do baile entre as duas galáxias. Mas “momentâneo”, em termos cósmicos, não é o que você está pensando. As imagens mostram que os arcos de energia têm entre 1 milhão e 2 milhões de anos. Ou seja: quando este mergulho começou, ainda éramos hominídeos. Uma bela amostra do quanto somos minúsculos.