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Borboletas d·água: Belos e mortíferos nudibrânquios

O esplendor destes seres hipnotiza. Mas, para os inimigos, estes predadores vorazes dispõem de um fabuloso arsenal de ácidos e venenos, retirados dos próprios adversários.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 31 jan 1990, 22h00

Parecem invenções de crianças talentosas ou exercícios de imaginação. Com suas cores quase brilhantes, apresentam tal profusão de saliências onduladas, órgãos sensitivos e florestas de “dedos” sinuosos que é difícil distinguir qual lado é qual. Lindos, delicados, de aspecto inofensivo, são os equivalentes subaquáticos das borboletas. Mas também são animais, sobrevivendo no mundo do coma-ou-seja comido, às vezes presas, às vezes predadores. Mais ainda, fizeram uma aposta no jogo da evolução, abrindo mão do abrigo que sempre protegeu os animais de seu tipo, e parecem ter vencido com folga. Os nudibrânquios filigranados são lesmas-do-mar, fotografados sob a água não como modelos bonitos, mas como seres vivos empenhados na luta pela sobrevivência. Foram observados defendendo-se, atacando, comendo, escondendo-se, batendo em retirada, picando, nadando. Todos são carnívoros, pelo menos até onde se sabe, predadores vorazes e de movimentos lentos que se alimentam de presas ainda mais vagarosas ou imóveis. Pertencendo à subclasse dos moluscos conhecidos como opistobrânquios, seus integrantes mais numerosos e conhecidos são os nudibrânquios (literalmente, guelras ou brânquias nuas; na maioria das espécies, as plumas das guelras ficam na parte externa do corpo).

Todas as lesmas-do-mar têm uma língua áspera chamada rádula; possuem também um “pé” carnudo que as propele para a frente, seja através de contrações musculares, seja pelo movimento concatenado dos pêlos localizados na parte inferior do pé. A subespécie dos nudibrânquios que compõe a grande maioria da subclasse, exibe na cabeça um par de órgãos sensores. Em linhas gerais, os nudibrânquios são caramujos, com uma diferença: eles abriram mão da proteção da concha no seu estágio adulto. No lugar dela, recorrem a um vasto arsenal de defesa para proteger seus corpos macios num oceano cheio de predadores esfomeados. A ausência da concha torna-os mais ágeis. Por isso, embora a maioria dos nudibrânquios ainda rasteje no fundo do mar, muitos são capazes de nadar, ao menos o suficiente para procurar um parceiro ou fugir de algum predador. Mesmo sem a concha para dificultar seus movimentos, a maior parte dos nudibrânquios não usa a fuga como principal meio de defesa. Ao contrário, permanecem no chão, apostando suas vidas no êxito da camuflagem ou da guerra química.Cores vivas podem ser úteis para advertir predadores de que as pretendidas presas são nocivas ou mesmo tóxicas; as cores são úteis também para o animal se esconder: um nudibrânquio vermelho-vivo “desaparece” quando estacionado sobre uma esponja do mar da mesma cor. O nudibrânquio freqüentemente adquire a cor do alimento que costuma consumir. A dieta da espécie vermelha, por exemplo, é a esponja do mar vermelha. O rosa-brilhante do Hopkinsia rosacea um nudibrânquio da costa do Pacífico, resulta de um pigmento carotenóide específico, a hopkinsiaxantina; esse pigmento só é encontrado no biozoário Eurystomella bilabiata, que, por coincidência, é o alimento daquele nudibrânquio. A guerra química é a arma escolhida por muitos nudibrânquios para se defenderem. Alguns segregam ácidos, e estes causam sensações que muitos peixes, mas nem todos, acham extremamente desagradáveis. Outros produzem toxinas, algumas delas tão poderosas que um único nudibrânquio colocado num balde com peixes ou caranguejos pode matá-los em cerca de uma hora (em circunstâncias normais, o inimigo recebe uma dose pequena, suficiente para repeli-lo mas não para matá-lo).

Um grupo de nudibrânquios conhecidos como eolídeos utiliza as armas de suas próprias vitimas. Eles se alimentam de outra categoria de invertebrados marinhos, os celenterados, especialmente hidróides e anêmonas-do-mar. Estas últimas, por sua vez, têm uma característica comum aos celenterados: a produção de nematocistos, pequenas cápsulas que podem disparar um filamento enrolado e oco, semelhante ao arpão de uma baleeira. O nematocisto fura a pele da vítima e injeta uma toxina (é assim que as águas-vivas, outro grupo de celenterados, queima banhistas). Quando um eolídio come um hidróide ou uma anêmona-do-mar, ingere os nematocistos sem maiores problemas. O sistema digestivo do nudibrânquio neutraliza os nematocistos maduros, mas envia os imaturos para as bolsas especiais que possui na ponta dos “dedos”, ou ceratos, onde vão se transformar em verdadeiras armas. Os ceratos são freqüentemente a parte mais colorida do nudibrânquio podem atrair a atenção do predador, desviando-a da cabeça ou das regiões vitais do animal.

Um peixe que morder esses apêndices receberá um bocado de nematocistos, além de algumas secreções de gosto horrível, e rapidamente perderá o interesse pelo banquete. O nudibrânquio então rastejará para longe usando seu pé gastrópode e rapidamente conseguirá regenerar os ceratos perdidos. Alguns nudibrânquios têm a capacidade desconcertante de romper os ceratos que um predador houver abocanhado, do mesmo modo que alguns lagartos deixam a cauda com o predador enquanto escapam. Das cerca de 3 mil espécies de opistobrânquios conhecidos, aproximadamente 2500 são nudibrânquios. Destes, as lesmas-do-mar são encontradas em todos os oceanos, das regiões polares aos trópicos, e em virtualmente todo tipo de hábitat. Elas variam em tamanho, desde espécimes pequenos o suficiente para rastejar entre grãos de areia até a lebre-do-mar, um dos maiores gastrópodes do mundo, que pode chegar a 1 metro e pesar 66 quilos.

Apesar desse sucesso evolutivo e de seu arsenal de defesas, os nudibrânquios não levam uma vida despreocupada. Já foram vistos caranguejos arrancando os ceratos de eolídeos antes de devorá-los. E alguns opistobrânquios preferem consumir os seus iguais. De qualquer forma, um mecanismo de defesa pode ser considerado um sucesso mesmo quando o nudibrânquio que o utiliza é morto: se a refeição tiver um sabor amargo para o vencedor, ele evitará nudibrânquios no futuro. Então, a espécie inteira sai ganhando. Mas há mais coisas na vida, é claro, do que tentar saber quem está devorando quem, até mesmo para os gastrópodes subaquáticos sem concha. E não é surpreendente que essas criaturas fantasiadas de cores alegres tenham desenvolvido formas interessantes de lidar com esse desafio universal. Todos os opistobrânquios são hermafroditas; cada indivíduo possui órgãos reprodutores dos dois sexos. Qualquer membro de determinada espécie pode acasalar-se com outro.

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Na maior parte dos casos, dois nudibrânquios se colocam em direções opostas, de tal modo que o lado direito de um se une com o do outro, e trocam esperma; assim, ambos são fertilizados. Grupos de lebres-do-mar formam longas correntes de acasalamento, em que cada animal faz o papel de macho para o que está a frente e o de fêmea para o que está atrás. O Onchidoris bilamellata, o nudibrânquio que se alimenta de craca, já foi visto algumas vezes congregado aos milhares, em grandes grupos de acasalamento. Os ovos são postos em massas gelatinosas, que se grudam a alguma superfície dura. Os ovos da maioria dos nudibrânquios dão origem a larvas que já nascem nadando, movendo-se com outros plânctons e dispersando-se ao longo da costa. Nesse estágio, exibem a concha característica de sua classe. Mas depois de um período variável descem ao fundo do mar, pousando muitas vezes diretamente sobre um indivíduo de cuja espécie eles irão se alimentar quando adultos. Eles se transformam em adolescentes, já sem a concha, e finalmente em adultos. Existem muitas coisas não sabidas sobre os nudibrânquios incluindo o que alguns comem. Eles são difíceis de estudar porque tendem a ser transitórios; ao contrário da maioria dos invertebrados marinhos, não se pode contar com sua presença quando se precisa deles. Biólogos começaram recentemente a estudar o papel dos nudibrânquios em relação a outras espécies. Eles não são propriamente dominantes em determinada área, ao que parece, mas pelo menos em alguns casos influenciam que outros organismos dominem ou não. Um nudibrânquio encontrado ao longo das costas de todo o hemisfério norte, chamado em inglês shaggy rug (tapete peludo, desgrenhado), alimenta-se de anêmonas-do-mar, especialmente de uma de vida longa que pode dominar uma área considerável ao competir com sucesso com outros organismos sésseis (seres que, não tendo suporte próprio, se “enraízam” em outros organismos, como cracas e ostras).

Tanto estudos de laboratório como pesquisas de campo sugerem que a predação exercida pelo nudibrânquio impede o monopólio da anêmona-do-mar e deixa espaço para outras espécies se desenvolverem, aumentando assim a diferenciação da comunidade. O grande número de nudibrânquios que se alimentam de esponjas pode ter um impacto similar na costa do Pacífico, onde estes organismos são potencialmente dominantes. Os nudibrânquios são mais do que belas curiosidades biológicas. Os humanos, como sempre, já acharam utilidade para eles. Poucos são comestíveis; só um, o tochni tem servido de alimento regular para os índios aleútes e para os habitantes das Ilhas Kurilas, na União Soviética. Outros nudibrânquios especialmente as lebres-do-mar, são usados na medicina chinesa. Os opistobrânquios têm um valor maior nas pesquisas neurofisiológicas. Como a fabulosa lula, que revelou tantas coisas aos pesquisadores, alguns têm células nervosas imensas: quase 1 milímetro de diâmetro no caso da lebre-do-mar da Califórnia.

Os neurônios não são apenas grandes: são tão constantes em sua posição e coloração que células correspondentes podem ser facilmente localizadas em outros indivíduos. Os fisiologistas podem assim ter certeza do que estão descobrindo, especialmente à medida que fazem a conexão entre nervos específicos e ações complexas do corpo. Por esse motivo, uma das espécies foi coletada tão intensivamente que, em alguns lugares, poucos adultos podem ainda ser encontrados. Ao fim e ao cabo, no entanto, não são nem os avanços neurológicos nem a promessa de uma compreensão ecológica melhor que tornam esses pequenos moluscos facilmente reconhecidos por biólogos e mergulhadores. Eles são tão coloridos e suas formas tão maravilhosamente improváveis que nem é preciso perguntar para que servem.

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Para saber mais:


A bela é uma fera

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(SUPER número 10,ano 2)

 

 

 

 

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