Em 2010, pesquisadores começaram a documentar as cenas tristes que encontravam no litoral do nordeste brasileiro: tartarugas destroçadas e ensanguentadas. As pegadas e marcas de dentes denunciavam os responsáveis: cachorros. E o cenário se repete nas praias da Grécia, da Indonésia, de Cabo Verde, de Bangladesh e em todo lugar.
Não era exatamente novidade que os cães se alimentam nos ninhos cheios de filhotes de tartarugas marinhas, ou de vez em quando até com as fêmeas que vêm para a costa para botar ovos. Mas só agora os cientistas começam a compreender o tamanho da ameaça que eles representam para a conservação das espécies.
Os estudos anteriores sobre o tema não são muito claros. “As pessoas adoram cães. Elas não querem falar sobre o que os cães estão fazendo”, diz Christine Figgener, bióloga marinha da Costa Rican Alliance for Sea Turtle Conservation & Science em entrevista ao site Science.org, que reuniu dados e depoimentos sobre esse problema.
“Esse é um dos motivos pelos quais talvez não haja tanta literatura publicada sobre o assunto”, continua Figgener. Segundo a Science, a maioria das pesquisas publicadas se concentrou apenas em curtos períodos de tempo e às vezes misturou os dados sobre cães com os impactos de outros animais.
Em algumas partes do mundo, como o Brasil, os cães de rua são uma realidade. Eles nem sempre dependem de humanos para se alimentarem, e também são caçadores. “Normalmente, há cães semi-selvagens ou selvagens onde há um vilarejo próximo, ou onde costumava haver um vilarejo”, diz Figgener.
Em alguns casos, os cães pegam os ovos diretamente da tartaruga, conforme ela bota. A Ilha de Nias, na Indonésia, é um local importante de reprodução desses répteis. Lá, durante a temporada de 2023-24, quase todos os ninhos documentados foram caçados por humanos ou comidos por cães, segundo Hiltrud Cordes, CEO da Turtle Foundation, uma organização de conservação que trabalha na região.
Como se tratam de espécies ameaçadas de extinção, a morte de um único espécime adulto pode ter um grande impacto no ecossistema. Aquele único adulto poderia gerar dezenas, até centenas de filhotes em vida.
A predação de ninhos de tartarugas-de-pente, criticamente ameaçadas de extinção, na praia de Chiriqui, Panamá, permaneceu relativamente constante entre 2013 a 2023, apesar das repetidas intervenções de ONGs. As taxas de predação atingiram o pico em 2014, com 49%, mas continuam altas até hoje: em 2023, quase 30% dos ninhos foram levados por cães. Os dados são da ONG Sea Turtle Conservancy.
“30% de uma espécie criticamente ameaçada de extinção em uma das praias mais importantes de qualquer lugar é muito”, diz David Godfrey, diretor executivo da Sea Turtle Conservancy em entrevista a Science.org. “Isso prejudicará a recuperação da espécie.”