Não há dúvidas de que gatos, cachorros e coelhos são diferentes espécies de mamíferos. Eles são classificados dessa forma porque, ao cruzarem com seus semelhantes, originam descendentes férteis. Foi isso que o biólogo alemão Ernst Mayr propôs em 1942 – e continuamos estudando esse conceito nas aulas de biologia até hoje.
Mas nada é tão fácil na ciência. Provavelmente você também já escutou falar sobre os híbridos em suas aulas do ensino médio. Um animal ou vegetal híbrido é o resultado do cruzamento entre duas espécies distintas. Devido aos genes incompatíveis, o ser gerado no cruzamento não é capaz de reproduzir. Um exemplo clássico é aquela velha história de amor entre uma égua e um jumento, que do cruzamento do casal nasce um burrinho estéril.
Mas então os burros não constituem uma espécie? Não nas classificações oficiais. Eles são, na verdade, subespécies. Os seres assexuados, ou seja, que se reproduzem sozinhos, como algumas plantas, também entram nesse questionamento. Realmente, não é fácil definir uma espécie.
Começamos o texto explicando a proposta de Mayr, pois essa é a mais aceita, mas na literatura moderna existem outros 26 conceitos que podem ser aplicados na biologia. Caso tenha interesse, confira quais são eles no site do Centro Nacional de Educação Científica.
Devido a essa dificuldade em definir o que é e o que não é espécie, não temos ainda uma lista que englobe todas as espécies existentes no planeta Terra. E por que isso é ruim? Bom, o que temos são, na verdade, várias listas que acabam competindo entre si, e não se completando.
Um bom exemplo são os elefantes africanos. Análises genéticas mostram que os elefantes que vivem na floresta constituem uma espécie diferente dos elefantes da savana, mas organizações relevantes de conservação classificam esses animais como se fossem um só – tudo por causa das diferenças nos sistemas de taxonomia.
Apenas sobre pássaros, existem quatro grandes listas. Em entrevista ao The Guardian, Frank Zachos, chefe da coleção de mamíferos do Museu de História Natural de Viena, exemplifica que uma dessas listas pode ser usada pelo Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção), enquanto outra é aplicada pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza). A lista da IUCN indica o risco de extinção das espécies, mas talvez você não encontre algum animal que constava na lista da Cites no alerta da IUCN, já que são classificações distintas.
Por conta disso, Zachos e seus colegas propuseram a criação de uma lista universal de espécies. O plano, com dez princípios básicos para sua introdução, foi divulgado na revista científica Plos Biology.
A ideia é criar uma biblioteca universal, rompendo, inclusive, as diferenças entre as classificações de países. Essa lista, que seria de fácil acesso e rastreável, ajudaria a controlar os ataques contra a biodiversidade. Provavelmente você já ouviu falar que o rinoceronte branco está em extinção, mas talvez não saiba sobre os riscos que corre o pássaro Calau-Rinoceronte.
Existe hoje uma plataforma denominada Catálogo da Vida, que lista 1,8 milhões de espécies com base em 172 bancos de dados taxonômicos revisados por pares. Mas esse projeto não foi universalmente adotado por taxonomistas, governos ou organizações de conservação.
Uma lista dessas não é criada de uma hora para outra. O conceito de espécie é complexo e nem mesmo os cientistas sabem como aplicá-lo de forma ideal. A proposta passa por uma série de conflitos, mas pode trazer soluções. Os autores explicaram ao The Guardian que o artigo é apenas o primeiro de uma série de publicações que deverá explicar como uma única e autorizada lista de espécies global seria governada e gerenciada.