Como uma água-viva levou a uma revolução científica
Uma proteína fluorescente – encontrada naturalmente nessas águas-vivas – pode ser usada em outros seres vivos para iluminar processos biológicos
![Águas vivas da espécie Aequorea victoria.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Conheca-a-agua-viva-que-levou-a-uma-das-maiores-descobertas-da-biologia.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&h=682&crop=1)
Proteínas fluorescentes verdes flutuam no oceano há mais de 160 milhões de anos, mas só descobrimos que elas existem na década de 1960. A partir daí, veio uma revolução científica movida pelo trabalho de cientistas curiosos e inspirada por… uma água-viva.
O animal em questão é a Aequorea victoria, encontrada ao longo da costa oeste da América do Norte, no oceano Pacífico. Essa água-viva emite um brilho verde quando agitada, e para descobrir como ela fazia isso, o químico japonês Osamu Shimomura (1928-2018) coletou indivíduos da espécie em Friday Harbor (Estados Unidos).
Shimomura, sua família e seus colegas de pesquisa passaram quase 20 anos coletando centenas de milhares de águas-vivas. Ele descobriu que o fenômeno da luminescência acontecia principalmente por causa de uma proteína que ele chamou de Green Fluorescent Protein (GFP, ou proteína verde fluorescente, em português).
![Conheça a água viva que levou a uma das maiores descobertas da biologia 2 Foto superior de água viva normal e com brilho fluorescente.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Conheca-a-agua-viva-que-levou-a-uma-das-maiores-descobertas-da-biologia-2.jpg?quality=90&strip=info&w=1024)
Depois que o químico japonês isolou e descreveu o funcionamento da GFP, outros cientistas entraram em ação. Martin Chalfie (1947), um biólogo americano, estava estudando vermes (nematódeos) chamados C. elegans. Depois de ouvir uma palestra sobre a GFP, ele teve um momento “eureka”.
Chalfie percebeu que poderia usar a GFP para mapear atividades microscópicas (até então invisíveis) que acontecem no organismo dos vermes. Era só inserir a sequência de DNA que codifica a proteína no DNA dos animais, fazendo um Ctrl C + Ctrl V. Assim, a GFP podia iluminar aquilo que os cientistas estivessem estudando – basicamente, funcionar como um farol bioquímico marcando, por exemplo, o caminho de alguma molécula.
O método funcionou: os processos que eram invisíveis dentro das células se tornaram fluorescentes. Mas a GFP tinha limitações: desaparecia rápido demais e não era a cor ideal para algumas pesquisas.
Entra em cena outro cientista: Roger Tsien (1952-2016). O bioquímico estadunidense pegou a proteína e desenvolveu variações mais brilhantes e de cores diferentes. Elas receberam nomes como “banana”, “tomate”, “tangerina” ou “ameixa”.
A quantidade de cores ainda permitiu que os cientistas iluminassem e observassem várias coisas ao mesmo tempo. Um uso famoso desse recurso aconteceu no experimento Brainbow – palavra em inglês que mistura “brain” (“cérebro”) e “rainbow” (“arco-íris”). Nele, pesquisadores de Harvard (Estados Unidos) criaram imagens coloridas que mostram as ligações entre os neurônios do cérebro de camundongos (veja abaixo). Depois, essa tecnologia foi aplicada em peixes, moscas e vermes.
![Conheça a água viva que levou a uma das maiores descobertas da biologia 3 Proteínas bioluminescentes.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Conheca-a-agua-viva-que-levou-a-uma-das-maiores-descobertas-da-biologia-3.jpg?quality=90&strip=info&w=536)
Hoje, cientistas utilizam a proteína fluorescente para entender uma série de processos bioquímicos e microscópicos. Ela já apareceu em pesquisas que investigam o desenvolvimento do Alzheimer ou a proliferação de células cancerígenas, por exemplo.
A importância da GFP rendeu um prêmio Nobel de Química em 2008 para Shimomura, Chalfie e Tsien, pela descoberta e desenvolvimento da proteína.