Um ser humano é um robô de carne, cuja operação é essencialmente elétrica. Nossos músculos se contraem em resposta a pulsos recebidos cérebro por meio de uma complexa rede de cabos, formada por neurônios e suas “perninhas”, os axônios. E assim, de choque em choque, movemos nossos braços, pernas e pescoços.
Alguns movimentos, porém, são involuntários. E ainda bem que são. É o caso do coração. Seu cérebro manda pulsos elétricos periódicos para o órgão, sem te consultar antes. É óbvio: se você esquecesse de bater seu próprio coração, você morreria. É bem mais seguro delegar a função ao piloto automático.
O eletrocardiograma – aquele exame clássico dos desenhos animados, em que os batimentos cardíacos são traduzidos em um gráfico com uma linha que sobe e desce – funciona justamente porque ele lê esses pulsos elétricos. Quando eles param, é porque o coração parou também.
Seria muito conveniente se pudéssemos analisar os batimentos cardíacos de fetos desta forma, quando eles ainda estão dentro do útero da mãe. Assim, seria possível detectar problemas como a arritmia (que afeta algo entre 1% e 2% dos bebês) antes do parto. O problema é que o eletrocardiograma só funciona quando os eletrodos da máquina que faz o exame estão conectados diretamente ao corpo do paciente – o que é impossível quando o paciente em questão está na barriga da mãe, inacessível.
Com uma mãozinha da física quântica, pesquisadores da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, deram um jeito no problema: criaram uma engenhoca chamada magnetocardiograma, que detecta os batimentos de longe, sem encostar na barriga da gestante.
Como o próprio nome diz, a tal engenhoca funciona graças à outra face da moeda da eletricidade – o magnetismo. Refrescando a memória do Ensino Médio: toda corrente elétrica gera um campo magnético. Isso é lei. O que significa que as discretas correntes elétricas que atravessam seu corpo constantemente também geram campos magnéticos discretos.
A intensidade dos campos gerados por um coração não é suficiente para mover o ponteiro de uma bússola, que fique claro. Mas há algumas coisas que são bem mais sensíveis. Como vapor de césio, o elemento 55 da tabela periódica. Átomos de césio, quando estão sob influência de um campo magnético – por mais sutil que seja –, absorvem e emitem luz de maneira diferente. Isso significa que eles respondem à atividade elétrica no corpo do feto à distância.
Na prática, funciona assim: o vapor de césio fica confinado em um tubo de vidro de alguns milímetros, selado a vácuo. Aí ele é exposto a lasers, em um processo chamado pump and probe.”Primeiro, eles usam lasers com polarização circular para excitar os átomos de césio. Esse é o pump, e serve para causar uma perturbação no sistema”, explicou à SUPER o físico teórico Gabriel Landi, do Instituto de Física da USP – que não participou do estudo. “Logo em seguida eles mandam um outro pulso de laser (o probe), agora linearmente polarizado. O probe mede a resposta do sistema ao pump.”
Você não precisa entender, é claro, o que exatamente significam termos como polarização circular ou linearmente polarizado. O ponto é: o primeiro laser dá uma cutucada nos átomos de césio. O segundo “vê” como eles reagiram à cutucada. Quando o césio como um todo está sob efeito de um campo magnético, ele reage à cutucada de maneira diferente. E assim é possível detectar se há um coraçãozinho batendo ou não (e avaliar se ele está fazendo isso direito).
Este não é o primeiro magnetocardiograma da história, que fique claro. Eles já existiam há algum tempo, mas como sempre foram mais caros e menos práticos que os eletrocardiogramas, nunca eram usados em hospitais de verdade. O jogo, porém, pode virar: “O legal é que o tipo de sensor magnético usado nesse experimento vêm se tornando muito eficiente – e pode eventualmente ultrapassar a resolução do eletrocardiograma”, explicou Landi à SUPER.