É como se os oceanos da Terra fossem formados por muitos rios gigantescos de água salgada, correndo em diferentes profundidades e carregando sedimentos e substâncias químicas dos trópicos para os polos e dos polos para os trópicos, sem cessar. Essa, em essência, é a chamada circulação termoalina, cuja existência tem efeitos importantes sobre o clima do planeta.
Como de costume, o nome dado a esse processo, derivado do grego, ajuda a entender direitinho do que se trata. “Termo”, como talvez você saiba, significa “calor, temperatura”, enquanto “alina” vem de hals, ou “sal” em grego. Ou seja, o que determina o funcionamento da circulação termoalina são diferenças de temperatura e salinidade – a proporção de sal – das águas que estão nas várias regiões dos oceanos.
O princípio geral é simples: massas de água que estão mais quentes e carregam relativamente menos sal dissolvido nelas são mais “leves” – menos densas – e por isso tendem a subir. Já a água mais salgada e mais fria fica com densidade maior e por isso afunda.
Falta ainda levar em conta os movimentos das correntes marinhas que são impulsionados pelos ventos – nesse caso, é só imaginar as ondas que aparecem em lagos quando uma brisa passa pela superfície deles – e também os que são causados pelas marés (um fenômeno que depende, em última instância, da influência gravitacional da Lua). São esses processos combinados que desencadeiam a grande maioria dos movimentos dos “rios” submarinos, mas a densidade e a salinidade são mais relevantes no caso do oceano profundo. Na superfície, com a ajuda dos ventos, a velocidade é relativamente alta – a água das correntes flui a cerca de 1 metro por segundo ou até mais –, enquanto lá no fundão a coisa é bem mais lerda, na escala de menos de 1 cm por segundo.
Por que tudo isso é importante? Dá para citar dois motivos principais. O primeiro é o transporte de calor ao longo dos mares, o que ajuda o clima da Terra como um todo a ter menos extremos (embora eles não desapareçam, óbvio). O exemplo mais famoso envolve a chamada Corrente do Golfo, que se origina no Golfo do México e tem, em média, uns 100 km de largura e 800 metros de profundidade. Quente e rápida, ela sai das regiões subtropicais da América do Norte, passa pela Costa Leste dos EUA, a começar pela Flórida, e então vira para o Leste, costeando a Europa Ocidental, em especial o Reino Unido, a Irlanda e a Escandinávia, para depois voltar à Costa Leste americana.
O que essa volta gigantesca faz é, em suma, aquecer significativamente – talvez um bom par de graus Celsius ou mais – regiões que seriam frias e inóspitas sem a ajuda do rio submarino. Mas não é só isso.
Como você pode imaginar, conforme as águas vão deixando para trás as regiões mais quentes, elas vão ficando mais densas e afundando, encontrando no caminho águas ainda mais frias. As várias correntezas submarinas vão se misturando lentamente nas profundezas, e o processo também faz com que massas de água que estavam lá nos abismos sejam desalojadas pela água que está chegando. Lentamente, elas vão subindo, carregando consigo, na jornada para cima, nutrientes que tinham se depositado no leito marinho (resultado, entre outras coisas, da morte e do afundamento constante de organismos oceânicos – a matéria orgânica que formava o corpo deles sempre vai acabar descendo, se não for comida). Com isso, recursos importantes para a sobrevivência das criaturas do mar acabam se espalhando por áreas mais rasas.
Por sorte, nada do que a humanidade faça seria capaz de bagunçar um “encanamento” global tão grandioso, certo? Bem, mais ou menos. O aumento da temperatura da Terra causado pelos gases-estufa que geramos ao queimar combustíveis fósseis está derretendo vários grandes reservatórios de água doce, como as geleiras das montanhas, da Antártida e da Groenlândia.
O que acontece quando a água doce se mistura com a água salgada? Pois é: a salinidade de partes do oceano diminui – e, com isso, a densidade daquele trecho da água do mar se reduz, mudando seu padrão de movimento em relação às demais massas de água. Eis aí mais um motivo para ficar atento às mudanças climáticas.