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Entrevista: Ufologia e a pseudociência

Após décadas olhando para o passado, ufólogos tentam se aproveitar de descobertas científicas atuais para justificar suas ideias – quando convém, é claro

Por Guilherme Eler
Atualizado em 24 jan 2019, 20h10 - Publicado em 16 jan 2019, 19h46
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  • Um artigo científico assinado por pesquisadores de Harvard fez barulho em outubro de 2018. O tema era o supracitado Oumuamua, asteroide em formato de charuto flagrado em 2017 que é tido como único objeto de fora do sistema solar a dar as caras por aqui. Entre argumentos que justificavam a órbita pouco comum e a aceleração altíssima da rocha espacial, a dupla gasta duas linhas descrevendo o que chamam de “cenário mais exótico”: o tal charuto poderia ser nada menos que uma sonda alienígena, controlada com a ajuda de radiação solar como se fosse uma pipa.

    A suposição, explicada pela SUPER neste texto e descartada pela grande maioria dos astrônomos, soou como música aos ouvidos de ufólogos por todo o mundo.

    Marcos importantes da história da ufologia, como o livro “Eram os deuses astronautas?”, de 1968, ou mesmo a série de TV “Alienígenas do passado”, popular a partir da década de 2010, sempre tentaram colocar mistérios da humanidade na conta de aliens, é verdade. O problema é que a tarefa de examinar o passado na busca por ETs sempre pareceu essencialmente conspiratória. “Não sabemos como explicar em detalhes essa construção? Então só pode ser obra de alien”, concluem 100% dos argumentos do tipo. Uma das maneiras de se desvencilhar desse estigma, porém, é tentar se aproximar de descobertas mais atuais. E isso parece ganhar cada vez mais força.

    Olhar para fatos inéditos, que ainda não foram suficientemente estudados, e, como pede a ciência, confrontados por diferentes argumentos, se mostrou a rota perfeita para atualizar a discussão de OVNIs e aliens. Esse esforço, por exemplo, foi capaz de elevar “Ata”, feto humano encontrado no Chile em 2003 e, agora, o Oumuamua, ao status de provas da existência alienígena – ainda que a ciência já tenha provado o contrário.

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    Para tentar entender o atual momento da ufologia e a forma como ela encara suas próprias questões, a SUPER entrevistou Rafael Antunes Almeida. Ele é pesquisador na área de antropologia da ciência, professor do Instituto de Humanidades da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) e autor da tese: “Objetos intangíveis: ufologia, ciência e segredo”, pela UnB (Universidade de Brasília).

    A ufologia trabalha com fenômenos que não podem ser replicados – é como se, para que as evidências se revelem, fosse preciso primeiro acreditar nelas. Em que nível pode-se dizer que ela permite uma abordagem científica?

    Os ufólogos não concebem a ufologia como uma emulação/cópia da ciência. Admitem que a sua área tem os seus próprios métodos, ainda que se utilize de elementos tomados emprestados das diversas disciplinas científicas.

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    Eles [ufólogos] frequentemente observam que os cientistas têm uma postura dogmática em relação à ciência, na medida em que não incorporam o tema dos OVNIs em suas agendas de pesquisa do mesmo modo como fariam com outros temas. A este propósito, a socióloga americana Anne Cross nota um aspecto ambivalente da relação entre a ufologia e a ciência: por um lado a primeira consome dados, métodos e elementos da segunda. Por outro, segundo Cross, a ufologia questiona a ciência. Tal questionamento normalmente está ligado à acusação de desatenção ao tema dos extraterrestres e ao fato de ignorarem relatos sobre os avistamentos que teriam certo potencial para fazer a ciência “progredir”.

    Os ufólogos que entrevistei dificilmente concebem a sua atividade nos termos de uma “crença”. Certa vez, ao dialogar com o ufólogo Alberto Francisco do Carmo sobre essa qualificação, recebi a seguinte resposta: “Radares não têm crença”. Por outro lado, para os ufólogos especialistas, a questão de saber se o extraterrestres existem ou não, não parece ser um questionamento importante. Uma vez que eles estão certos disso, o que lhes interessa como comunidade é descrever as suas formas, os seus modos de atuação e, no caso de alguns indivíduos, de apresentar as suas teses sobre as relações desses seres com forças políticas ocultas terrestres.

    O que a ufologia tem feito para se diferenciar e se rearticular, negando esse estigma de conspiração que carrega há décadas? Há, de fato, um esforço coletivo para que “evidências” de UFOs e OVNIs sejam levadas mais à sério e, por isso, o apelo para testemunhos e experiências pessoais têm tido menor destaque?

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    A ufologia é um campo de relações muito diverso e em seu interior há muitas correntes e muitas áreas de interesse. Mas, de modo geral, do ponto de vista do que se admite por “evidência”, ainda percebo a centralidade dos testemunhos pessoais (mais ou menos valorados, conforme a biografia da testemunha no meio ufológico) e passíveis de serem submetidos a testes de confiabilidade desenhados pelos próprios ufólogos. Além das testemunhas, os documentos oficiais das forças armadas têm, frequentemente, a atenção desses pesquisadores. Some-se a essa lista, as fotografias de objetos voadores não identificados, que são alvo de escrutínio constante por meio de ferramentas de análise de imagens. Nos vários congressos ufológicos que frequentei durante a pesquisa, assisti mais de uma vez a esclarecimentos sobre como identificar problemas na lente, pareidolias, etc… A imagem dos ufólogos como uma massa que adere a um corpus dogmático e opera irrefletidamente segundo as suas diretrizes é inadequada. Há controvérsias no interior desse campo, como ocorre no bojo de outros domínios da vida. Há questionamentos sobre a qualidade do que entendem por evidência e indivíduos que alegam ter contato com extraterrestres gozam de graus de prestígios diferentes dentro da comunidade.

    Uma vez que a ciência é uma construção, novas evidências científicas vivem surgindo. Elas costumam ser incorporadas quando convém e questionadas quando não corroboraram com a narrativa ufológica. O que essa seletividade diz sobre o movimento?

    Na minha tese de doutorado eu descrevo a configuração sociológica presente na ufologia como uma espécie de “máquina de produzir segredos”. Digo isso porque, dada a natureza da prática dos ufólogos, cada uma de suas respostas, muito frequentemente, longe de encerrarem os seus casos, os conduz a novos segredos. Um exemplo muito claro disso é aquele envolvendo a Operação Prato, operação militar na Amazônia, sobre a qual os ufólogos possuem um grande conjunto de documentos nos quais se descreve a relação dos militares com luzes e objetos não identificados. Uma vez que esses documentos passaram a estar à disposição desses pesquisadores, outras questões aparecem: “Como a operação terminou?” , “Qual é a natureza das luzes?”, “Havia envolvimento militar de outras nações?”.

    A ideia de que o segredo é uma força constitutiva da ufologia, certa vez foi resumida por um interlocutor durante a pesquisa de campo. Ele me disse algo como: “Se o contato aberto acontecer, a ufologia acaba”.

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