Há uma espécie de verme (Diploscapter pachys) que abandonou a reprodução sexuada – ou seja, não bagunça mais o lençol – há 18 milhões de anos. O que parece uma péssima ideia, mas não pelos motivos que você imagina.
Sexo é um negócio bom por duas razões frias, calculistas e biológicas. A primeira é que, lá na pré-história, indivíduos que sentiam mais prazer do que incômodo na hora da cópula tinham um ótimo motivo para transar de novo. E de novo. E de novo, garantindo a perpetuação da espécie humana por aí. Seleção natural, simples assim.
A segunda é que, quando ‘fazemos bebê’ em dupla, nós misturamos nosso DNA ao do parceiro. Nasce uma coisa única, que não é nem um nem o outro, mas uma mistura inédita, com nariz, olhos e sistema imunológico únicos.
Se o pai for suscetível a uma doença e a mãe não, a mãe aumenta as chances de que a criança nasça imune. O oposto também é verdade. Já se nós nos reproduzíssemos como as bactérias – criando clones de nós mesmos –, os bebês nasceriam idênticos aos pais. E um vírus qualquer que já tivesse aprendido a deixar o pai doente saberia exatamente como infectar o filho.
Colocando de outra forma: em longo prazo, a natureza, acostumada com nosso DNA previsível, nos venceria. A variedade genética criada pela reprodução sexuada é tão vantajosa que, além de nós, quase todos os animais – de minhocas a vacas – a adotaram e não voltaram atrás.
Esse é um ponto de vista, claro. Outro, não tão óbvio, é que arranjar sexo (e, porque não, um mozão permanente) é um negócio difícil demais, que monopoliza nossa atenção e nos impede de gastar energia com outras coisas. É só pensar em quanto tempo da sua adolescência você passou com a cabeça nas nuvens porque beijou alguém na noite anterior. Não dá para evitar, é instinto.
Conclusão: o Diploscapter pachys é um caso raro de animal que mantém uma dose saudável de variedade genética sem torrar energia à toa, procurando parceiros por aí. E deu tão certo que ele existe há 18 milhões de anos – um feito raro, já que espécies assexuadas são mais propensas à extinção. Para entender como e por quê isso aconteceu, a equipe de Hélène Fradin, da Universidade de Nova York, resolveu analisar o genoma do bichinho. Os resultados foram publicados neste artigo científico.
“O fenômeno é significativo para entender a genética evolucionária porque ele vai contra a visão amplamente aceita de que a reprodução sexuada é necessária para eliminar mutações ruins e se adaptar a um ambiente em constante mudança”, explicou em comunicado David Fitch, coautor da pesquisa.
Calhou que a análise do DNA do D. pachys já começou meio estranha: ele só tem um par de cromossomos. Ter vários pares (como os nossos 23) permite que a gente dê uma boa misturada neles na hora de fabricar nossos óvulos e espermatozóides – o que aumenta, por tabela, a variabilidade genética da prole. Se uma espécie só tem um cromossomo, por outro lado, não há o que misturar.
Acontece que o par de cromossomos único do verme celibatário já é muito heterozigótico de fábrica (flashback para a aula de biologia: suponha que o gene ‘A’ te protege de uma doença, e o gene ‘a’, não. Cada cromossomo do par terá uma cópia desse gene, que pode ser ‘A’ ou ‘a’. De acordo com o DNA que você herdou de seus pais, você pode ser ‘AA’, ‘Aa’, ‘aa’ etc. Quem vier ‘Aa’, com um de cada, é chamado heterozigótico).
Resumo da ópera: o D. pachys chegou a uma mistura de genes super variada e ideal para ele – e resolveu parar de transar para mantê-la assim, eficiente como é. Afinal, não se mexe em time que está ganhando. Mesmo que isso signifique 18 milhões de anos de abstinência, produzindo clones de si próprio.