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Fábrica de precisão

Nas instalações no Inmetro em Xerém, RJ, medir bilionésimos de grama ou de segundo faz parte de uma rotina que visa capacitar melhor a indústria nacional e dar mais segurança ao consumidor.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 jul 1992, 22h00
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  • Flávio Dieguez e Wanda Nestlehner

    Quem vai ao supermercado e compra 1 quilo de açúcar nunca pode ter certeza de que está recebendo aquilo que deseja — e não é apenas por causa das fraudes, com certeza mais comuns do que se pensa. Antes de mais nada, no entanto, e até para saber se há fraude ou não, é preciso saber exatamente o que é 1 quilo, como essa medida deve ser calculada. Afinal, que significa dizer que um pacote de açúcar tem 1 quilograma de massa, ou que uma lâmpada produz 60 watts de energia luminosa? Se não puder responder a essas perguntas — entre outras, ainda mais delicadas —, nenhum país moderno funciona a contento.

    Sem exagero, pode-se dizer que não haveria civilização se não se destinassem recursos para produzir modelos confiáveis e precisos das unidades básicas — seja quilograma, metro, watt, grau Celsius ou segundo. No Brasil, essa indústria singular ocupa urna área de 2,5 milhões de metros quadrados ao pé da Serra de Petrópolis, no município de Xerém, RJ, e é tocada pelos cientistas e técnicos do Inmetro — Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Sua função, é claro, não se restringe a dizer se um pacote de açúcar tem realmente 1 quilo — na verdade, as balanças ultra-sensíveis do Inmetro podem apontar a diferença entre uma folha de papel em branco e a mesma folha de papel assinada. Isso mesmo: elas estão preparadas para registrar o peso da tinta que ficou no papel, assim como também denunciam a falta de um único parafuso numa turbina de avião.

    Esse dado permite avaliar a precisão da balança em centésimos milésimos de tonelada, já que o peso da turbina é de aproximadamente 3 toneladas e o do parafuso de mais ou menos 10 gramas — ou seja, 1 centésimo milésimo de tonelada. Mas a menina dos olhos do engenheiro Uilson Cruz é um aparelho capaz de avaliar um peso um milhão de vezes mais leve que um fio de cabelo, ou seja, com sensibilidade de 1 bilionésimo de grama. Em outro instrumento, um dos mais valiosos do Inmetro, o físico Jorge Dutra mede comprimentos que a maior parte das pessoas nem considera parte da realidade. “Alcançamos precisão de 10-8 metros, algo como o diâmetro de um fio de cabelo dividido em 1 500 pedaços. “Para isso, ele utiliza um aparelho avaliado em nada menos que 500 000 dólares, denominado interferômetro.Até parece um brinquedo sofisticado, já que sua função é combinar feixes de luz e produzir microscópicas franjas claras e escuras em um anteparo — algo parecido a um código de barras. Aparência à parte, bastam minúsculas variações no comprimento do feixe de luz para que as franjas se alterem totalmente. Trata-se, portanto, de uma régua de alta eficiência, capaz de denunciar desvios nas barras-padrões introduzidas na caixa do interferômetro — cuja forma lhe valeu a carinhosa alcunha de sarcófago. A luz é usada também para medir o tempo, desta vez nos relógios atômicos. Os brasileiros não são os melhores do mundo; mesmo assim, distinguem intervalos espantosos, 1 milhão de vezes menores que 1 segundo. O sonho do chefe de departamento Paulo Mourilhe é conseguir os chamados relógios de tempo maser, com precisão mil vezes maior, de 1 bilionésimo de segundo. “É o nada”, resume Mourilhe.

    Mas atenção: tais ordens de grandeza podem confundir, em vez de explicar, já que a precisão não tem valor por si só. O que realmente interessa é estar preparado para lidar com medidas rigorosamente iguais entre si, não importa onde sejam feitas. O motivo é evidente: parafusos e roscas precisam ter medidas compatíveis, caso contrário os primeiros simplesmente não se encaixarão nas segundas. “As pessoas têm dificuldade de entender que trabalhamos com uma ciência de suporte, que ajuda a tecnologia e as demais ciências a evoluir”, diz o engenheiro Alexandre Etchebehere, diretor científico do Inmetro. Ele explica que, para ter certeza de que seus produtos têm as medidas corretas, o fabricante precisa ensaiar os produtos em equipamentos confiáveis. Estes, por sua vez, têm de ser aferidos de tempos em tempos por instrumentos de alta precisão do Inmetro.Compreende-se, assim, que, aos 36 anos de idade, Etchebehere tenha sua vida marcada por duas excentricidades: o vôo livre, que ele exerce nos fins de semana saltando das montanhas cariocas numa asa delta, e a mania de precisão. A rotina do Inmetro inclui a necessidade de preservar os padrões nacionais de medida — como o bloco de massa igual a 1 quilograma, a barra de 1 metro ou a pilha de exatamente 1 volt. Naturalmente, qualquer acúmulo de poeira, ou mesmo de gordura dos dedos de um técnico, pode alterar aquela massa, mesmo que seja de 1 micrograma. Por isso, tanto os padrões como seus guardiões têm de passar os dias enclausurados em construções de concreto perfeitamente isoladas — que nem janelas têm.

    O isolamento começa nos alicerces, que não deixam passar perturbações externas para dentro do edifício, explica o engenheiro Humberto Beltramini, representante do Inmetro em São Paulo. “Nem uma tropa de cavalos passando ao lado dos prédios produziria oscilações do lado de dentro.” Em seguida, é preciso usar outros artifícios — como redomas de vidro, cofres acolchoados ou banhos de óleo mineral — para assegurar a imutabilidade dos mais rigorosos padrões. Balanças, por exemplo, são hermeticamente fechadas em condições bem controladas de umidade, temperatura e pressão: para isolar o calor do corpo humano, manipula-se uma delas a 2 metros de distância, com ajuda de braços mecânicos.

    Além disso, cada laboratório é uma construção independente, com fundações próprias e paredes que garantem perfeito isolamento térmico, construídas sobre um solo que recebeu repetidas camadas de compactação. Tamanho cuidado não custou barato. Apenas em edificações calcula-se que haja, em Xerém, cerca de 300 milhões de dólares. Os equipamentos estão avaliados em 60 milhões de dólares. Outro detalhe é que os padrões brasileiros, chamados secundários, foram construídos a partir de modelos primários, preservados na capital mundial da precisão: Sèvres, nos arredores de Paris. A cada dez anos, os padrões brasileiros seguem para Sèvres, onde são aferidos no Bureau International des Poids et Mesures (BIPM).Com tudo isso, o Inmetro, em 1991, bateu recordes, aferindo nada menos que 2,5 milhões de equipamentos em todo o pais, entre balanças, taxímetros, bombas de combustível e hidrômetros, para citar apenas alguns dos mais conhecidos.

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    Os laboratórios, nesse caso, desenvolvem um trabalho mais próximo do dia-a-dia das pessoas. Neles, por exemplo, calibram-se os wattímetros, usados para medir o consumo de energia de geladeiras, ou se aprovam novos modelos de medidores de consumo de energia elétrica. Mais indiretamente, se conservam padrões de resistências, cuja função é manter em boa forma instrumentos de teste — estes, por sua vez, serão empregados para medir resistências como as dos chuveiros.No setor de calor são calibrados termômetros num largo intervalo que vai de 80 graus Celsius abaixo de zero, até 1 000 graus acima de zero. Ainda em instalação, o laboratório de óptica terá condições, entre outras coisas, de aferir padrões de cor para indústrias como as de tinta, azulejos ou tecidos. E a cada dia surgem novas exigências, como se vê pelo Projeto Silêncio, a cargo do engenheiro Marco Nabuco, que visa controlar o crescente ruído da sociedade moderna. Desenvolvido em colaboração com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o projeto deve obrigar os fabricantes de máquinas, inclusive eletrodomésticos, a colocar em seus produtos selos indicadores da quantidade de ruído emitida.

    Os testes com fontes de ruído já começaram a ser feitos em dois tipos de câmaras especiais. A câmara anecóica, por exemplo, é à prova de eco: qualquer som no seu interior é absorvido pelas paredes, forradas com três camadas de cubos de lã de vidro. A outra câmara faz o oposto. Com paredes rígidas e irregulares, ela gera reverberações: dentro dela, as ondas sonoras batem nas paredes o maior número de vezes possível. Todo esse barulho é urna dura prova à qualidade dos materiais comumente utilizados para absorver sons. Ainda mais curioso é o trabalho do engenheiro Wellington Barros, que se dedica a medir, em milionésimos de metro, os picos e os vales de superfícies completamente lisas à primeira vista.

    O olho, entanto, está longe de ser um bom critério, em quase todos os casos relevantes: nas fitas cassete, por exemplo, as microscópicas montanhas detectadas por Barros podem causar agressões fatais. É verdade que tal esforço não impede a fraude, como se vê pelo controle dos produtos pré-medidos, isto é, que têm o peso impresso na embalagem. Além de a fiscalização ser ainda precária, a verdade é que as multas não chegam a assustar os infratores. Muitos empresários preferem pagá-las a deixar de explorar a fraude, conta o diretor de metrologia legal do Inmetro, Geraldo Baltar. Ele cita o mau exemplo de um embalador de camarões gaúcho que há um ano recebe multas semanais, mas continua entregando apenas 60% do peso estipulado. Esse tipo de problema exige uma solução mais prática, em termos de leis, e o Inmetro pretende enfrentá-lo criando penalidades mais expressivas. Mas o avanço técnico e científico do Inmetro deve ser considerado a melhor garantia de defesa do consumidor brasileiro.Sua face mais visível pode ser a divisão de metrologia legal, que afere equipamentos do comércio e controla produtos.

    O papel mais básico, porém, cabe à divisão de metrologia científica, capaz de calibrar instrumentos de outros laboratórios científicos e da indústria. É por isso que sua clientela atual são especialmente laboratórios das indústrias de exportação, que enfrentam novas exigências de qualidade no mercado internacional.”Muitas delas são verdadeiros truques comerciais”, diz o engenheiro José Reginaldo Werneck Cunha. A Volkswagen, por exemplo, teve de alterar 1 400 itens do Voyage montado no Brasil, até conseguir transformá-lo no Fox destinado ao mercado americano. Aos olhos do visitante, porém, tais problemas chegam a parecer vulgares, num mundo que ostenta o fascínio de tudo o que é surpreendente ou bizarro. Quem poderia esperar, por exemplo, que seu peso variasse a todo instante, fruto de mudanças na aceleração gravitacional da Terra? No entanto, perto de onde o engenheiro Barros analisa os vales e montanhas das fitas magnéticas, outro engenheiro, Jorge Cruz, afere dinamômetros com vigor bastante para agüentar até 5 meganewtons, algo como a força aplicada sobre o solo por uma pilha de 500 fuscas. Absorto, ele explica que não se pode descuidar da gravidade, pelo menos dentro de seu laboratório. “Hoje estamos com 9,7875 m/s2, um pouco abaixo do normal, 9,80665 m/s2”.

    Para saber mais:

    A lei já está aí. Agora só depende de você

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    (SUPER número 4, ano 5)

    As dimensões do metro

    (SUPER número 9, ano 3)

    Sete réguas fundamentais

    Tudo o que há no mundo pode ser medido a partir de apenas sete unidades básicas, o esqueleto do Sistema Internacional de Unidades. Combinando-se as sete peças primárias — comprimento, corrente elétrica, quantidade de matéria, tempo, intensidade de luz, massa e temperatura — chega-se à infinidade de medidas utilizadas no mundo moderno. Aqui vão suas definições oficiais e os fatos mais importantes a seu respeito.Comprimento

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    No Egito, por volta do ano 3000 a C., utilizava-se como unidade de distância o comprimento do braço, cujo tamanho foi fixado numa barra de granito que servia de modelo para as demais barras em uso no país. A barra tinha 524 milímetros, ou pouco mais de meio metro. Em 1791, a Academia de Ciências da França definiu o metro, a unidade de comprimento moderna de maneira mais confiável, com base no tamanho da própria Terra o metro deveria ser calculado pela extensão do meridiano de latitude igual a 45 graus dividido por 40 milhões. A partir dessa definição, construiu-se o protótipo internacional de platina (90%) e irídio (10%). Em 1960, a definição mudou. o metro passou a ser medido pela soma de 1 650 763,73 comprimentos de onda da radiação laranja emitida no vácuo pelo átomo de criptônio 86. Em 1983, enfim, o metro tornou-se o comprimento do trajeto percorrido pela luz no vácuo, durante um intervalo de tempo de 1 segundo dividido por 299 792 458.

    Corrente elétrica

    O ampère, unidade básica de eletricidade, é uma corrente elétrica medida de modo indireto, por meio da atração entre dois fios paralelos, compridos e bem finos, situados no vácuo. A corrente que passa em cada fio valerá 1 ampère, se os fios estiverem a 1 metro um do outro e a cada metro de fio existir uma força de 2×10-7 newton (compare com o peso de uma pessoa, 600 newtons). Dessa definição saem também as unidades elétricas de carga (coulomb), tensão (volt) e resistência (ohm). O volt, por exemplo, é a tensão de um fio que, ao ser percorrido pela corrente de 1 ampère, libera energia à taxa de 1 joule por segundo (ou, em outras palavras, dissipa a potência de um watt). O volt materializa-se no Inmetro na forma de uma pilha padrão: uma ampola de vidro em forma de H contendo uma solução saturada de amálgama de cádmio com capacidade para produzir uma força eletromotriz de 1,018 volt. Assim, é possível padronizar e aferir medidores e geradores de tensão, muito usados em laboratórios de controle de qualidade. Exemplo: indústria de eletrodomésticos.

    TemperaturaSua unidade, o kelvin, se mede numa escala que vai do zero absoluto quando em teoria não há mais movimento das moléculas — até uma temperatura experimental: aquela em que a água não tem um estado fixo. É o chamado ponto tríplice , em que a água se transforma constantemente em líquido, vapor e gelo. Por convenção, estabeleceu-se que existem 273,16 kelvin entre o zero absoluto e o ponto tríplice. Para aferir termômetros, o Inmetro mantém células que fixam as temperaturas de mudança de fase — como de gelo para liquido — para diversas substancial. São cilindros semelhantes a torpedos de vidro ou metal de cerca de 50 cm de comprimento, em média, que contêm, em seu interior, substancias com grau de pureza da ordem de 99,9999% Massa

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    O quilograma é igual à massa do protótipo internacional, um cilindro feito de 90% de platina e 10% de íridio, material muito estável, conservado na França. O padrão brasileiro é feito do mesmo material e segue cada dez anos para aferição no BIPM. No Inmetro, ele permanece trancafiado em um cofre, protegido por uma dupla redoma de vidro.

    Intensidade de Luz A intensidade luminosa é medida em candelas. Durante muito tempo uma vela de cera comum, com cerca de 25 milímetros de diâmetro, foi usada como padrão de luminosidade. Hoje, uma cadela corresponda à intensidade da luz emitida numa certa direção por uma fonte bem definida: sua radiação deve ser monocromática, isto é, de uma única freqüência, fixada em 540×1012 hertz (ou oscilações por segundo). Sua potência energética também deve ser bem determinada, igual a 683 avos de 1 watt, na direção escolhida. A partir dessa referência pode-se medir a luminosidade de outras fontes. O laboratório de óptica do Inmetro está em fase de implantação e ainda não conta com esse equipamento.

    Matéria

    Ao contrário do que muitas vezes se pensa, massa não é quantidade de matéria, mas sim a resistência maior ou menor que um corpo oferece à aceleração. Quantidade de matéria refere-se ao número de partículas comidas em um corpo, sejam átomos, moléculas ou quaisquer outras. Sua medida é o mol, um número fixado o pela quantidade de átomos contidos em 0,012 quilograma do elemento carbono 12. O Inmetro ainda não tem condições de medir essa unidade. Empresários brasileiros que precisam desse serviço, em geral na indústria química, ainda têm que recorrer a laboratórios do exterior.

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    TempoInicialmente, o segundo foi definido como 86 400 avos da duração do dia. Como a rotação da Terra é irregular, porém, a partir de 1956 o segundo passou a valer 31 556 925,9747 avos da duração do ano tropical de 1900. Em 1967, decidiu-se medir o tempo de acordo com as mudanças de órbita de um elétron pertencente ao átomo de césio 133. Quando o elétron muda de órbita emite radiação em forma de ondas que se sucedem num ritmo cronológico preciso, chamado período. O segundo vale 9 192 631 770 períodos da radiação de césio 133, emitida após um salto eletrônico bem definido — que ocorre, segundo o jargão técnico, entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo. O Brasil conta atualmente com 15 relógios de césio que são propriedade de empresas ou de instituições de pesquisa Todos eles são calibrados pelo Serviço da Hora do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, credenciado pelo Inmetro como laboratório primário de tempo e freqüência. lnternacionalmente, os padrões do Serviço da Hora são aferidos pelo Global Positioning System (GPS), um grupo de 18 satélites (mais seis devem ser lançados nos próximos anos) posicionados em órbitas a 20 000 quilômetros da Terra, e dotados de relógios de césio.

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