O físico quântico Gabriel Guerrer quer entender se é possível alterar a matéria com a força da mente. Trata-se de uma área de pesquisa tão incomum e polêmica que não há nenhum grupo de pesquisa em nenhuma universidade do país investigando o tema pela perspectiva da Física. “Também não há nenhuma fonte de financiamento”, diz ele.
Gabriel submeteu sua pesquisa aos órgãos de fomento à pesquisa, mas a resposta foi um “não”, com a justificativa de que “o tema não se enquadra na nossa lista de prioridades”. Por isso, ele está buscando um caminho menos convencional: o crowdfunding. “Há um preconceito dos físicos contra estudos sobre consciência, porque não há nada nela objetivo, que possa ser medido”, diz. “Mas é possível que ela seja um ingrediente fundamental da realidade. E é um tema do interesse do público. Por isso pensei em bancar as pesquisas com ajuda do público.”
O plano de Gabriel é levantar 48 mil reais para reproduzir uma série de experimentos realizados recentemente pelo cientista americano Dean Radin, do Instituto de Pesquisas Noéticas (sobre consciência), na Califórnia. Radin bolou um teste engenhoso: num ambiente totalmente fechado, ele disparou um feixe de laser contra uma parede que tinha dois pequenos buracos, de maneira que ele conseguia captar precisamente as ondas de luz que chegavam ao outro lado. Aí ele pediu para voluntários que se concentrassem naquela luz, com a intenção de forçá-la a passar por apenas um dos buraco. E mediu com precisão para verificar se houve algum efeito.
Os resultados foram muito sutis, mas ainda assim impressionantes. Em três artigos, ele mostrou que a maioria das pessoas não consegue mudar em nada o comportamento da luz. Mas alguns indivíduos – geralmente meditadores experientes, mas também alguns músicos e praticantes de artes marciais – geravam um efeito muito discreto, porém indiscutível. A conclusão é que pessoas com alta capacidade de concentração conseguem desviar as partículas de luz, que são feitas de matéria, usando apenas a mente.
O problema é que Dean Radin é pesquisador de uma instituição independente, sem vinculação com nenhuma universidade, nem muita reputação no establishment científico tradicional. “Se replicarmos o resultado na USP, seria a primeira vez que algo assim seria verificado numa grande universidade. Seria muito importante.”
Dono de uma carreira precoce (entrou na faculdade aos 16, terminou o doutorado aos 25), Gabriel, hoje com 31 anos, é um cético bem treinado. Ele já conduziu experimentos nos grandes centros internacionais da física, incluindo o Cern, na Suíça, lar do principal acelerador de partículas do mundo. “Estou propondo algumas melhorias no experimento original do Radin, para termos certeza de que é a mente mesma a responsável pelo efeito, e não alguma fonte de interferência”, diz. Na USP, ele pretende monitorar todos os fatores que podem interferir no resultado, inclusive variações de temperatura, luz, calor e campos magnéticos, algo que Radin não fez. A pesquisa será uma colaboração entre os institutos de física e psicologia.
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Revolução científico-cultural
Mas por que estudar esse tema? Por que se dedicar a algo que gera tanta resistência entre os colegas? “Quando eu estava na escola, eu era fascinado pelos cientistas pioneiros” – gente como Newton e Einstein, que formularam hipóteses que contrariavam a visão de mundo de sua época e acabaram mudando radicalmente a história do conhecimento humano. “Mas aí o que encontrei quando me tornei cientista foi um ambiente conservador, que rejeita o que não se encaixa nos modelos. Os cientistas de nome são aqueles que menos querem arriscar”, diz ele.
Gabriel quer arriscar. “Escolhi o tema que tinha o maior potencial de inovação”, explica. Segundo ele, se realmente se comprovar que a consciência tem a capacidade de alterar o comportamento da matéria, isso mudaria profundamente nossa concepção sobre o mundo. Hoje, o consenso científico é materialista: para interagir com a matéria é preciso outra matéria, ou a ação de uma das forças conhecidas, como a gravidade e o eletromagnetismo, que dependem da distância para agir (e só agem de perto). “A consciência poderia ser uma espécie de força também, mas, ao contrário das outras, ela agiria independentemente da distância, o que em si já seria uma enorme quebra de paradigma”, teoriza. “Talvez seja algo que não tem dimensão, que age por trás do espaço-tempo.”
Mas isso são especulações e Gabriel prefere não especular. “O que eu sei é que sinto claramente que está faltando alguma coisa na nossa visão de mundo. Nosso modelo de compreensão está incompleto.” Segundo ele, há anomalias sendo detectadas no mundo inteiro, mas o preconceito evita que elas sejam investigadas. “Vamos supor que eu consiga confirmar as conclusões de Radin. Nesse caso, precisaremos de um paradigma teórico completamente novo para dar conta da realidade. Ou não. Talvez o resultado seja negativo.” Aí Guerrer vai procurar novos experimentos para tentar encontrar o que está faltando na nossa compreensão do Universo.
Veja o vídeo do crowdfunding: