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Há muito comportamento homossexual entre primatas. Nós só não ficamos sabendo.

Estudo com 65 biólogos mostra que, em geral, esses pesquisadores observam oba-oba entre animais do mesmo sexo – mas não publicam essas observações pois as consideram casos isolados.

Por Isabela Lobato
Atualizado em 21 jun 2024, 18h51 - Publicado em 21 jun 2024, 18h00

A maior parte dos cientistas que estudam o comportamento de primatas já observou rala e rola entre indivíduos do mesmo sexo. Entretanto, apenas uma minoria registrou essas observações em seus estudos. É o que aponta uma pesquisa publicada nesta quinta (21) na revista PLOS, que entrevistou 65 especialistas em 52 espécies de mamíferos a maioria deles, primatas. 

76,7% deles já havia observado interações homossexuais nas espécies que estudam, mas apenas 48,2% coletaram dados sobre essas interações, e só 18% chegaram a publicar artigos sobre elas.

A principal razão para a subnotificação desses comportamentos é que os pesquisadores tendem a achar que estão observando um episódio isolado, que não tem relevância. 

Irene Delval, pós-doutoranda em psicologia experimental na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da sexualidade dos primatas, explica que há uma razão estatística para isso: as atividades sexuais são apenas uma pequena parte de tudo que os animais fazem ao longo do dia. E, dentro do escopo das atividades sexuais, existe ainda a diferenciação entre as reprodutivas e as não-reprodutivas, grupo em que as interações homossexuais se enquadram. 

Na prática, isso significa que é muito mais fácil e provável observar um comportamento relacionado à alimentação, por exemplo, do que um bagunçadinha nos lençóis. Assim, quando os cientistas em campo dão de cara com uma atividade homossexual, tendem a minimizar a importância daquele registro enquanto algo relevante para entender a espécie.

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O problema é que a maior parte das informações sobre comportamentos homossexuais entre animais vem justamente de registros oportunos, não sistematizados e que não faziam parte da intenção principal do estudo. Não é raro que, após estudos sistemáticos, descubra-se que um comportamento animal que era considerado raro é, na verdade, frequente. 

Outro desafio comum para sistematizar esses dados pode ser de categorização: é comum que, quando reportados, esses comportamentos não sejam considerados sexuais. Nesse caso, montas, toques nos genitais, contato oral-genital e genital-genital entre indivíduos do mesmo sexo podem acabar reportados como atividades de dominância e construção de vínculos sociais.

Outra questão relatada por grande parte dos entrevistados é que o estudo desse tipo de comportamento não estava entre os objetivos ou prioridades de sua pesquisa ou do laboratório de que fazem parte. 

No passado, o tabu em relação às relações homossexuais, consideradas aberrações tanto na natureza como entre humanos, foi muito relevante para definir o que os autores publicavam ou não.

Por exemplo: somente em 2012 tornaram-se públicas anotações que o explorador da Antártica George Murray Levick fez em 1913, relatando comportamentos que ele considerava bizarros entre os pinguins-de-adélia.

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Na época, Levick escreveu nos seus cadernos em grego, para que sua leitura fosse mais restrita. Ele chegou a escrever um capítulo sobre homossexualidade, violência e até necrofilia entre os pinguins para o seu livro Natural History of the Adélie Penguin (“História natural do pinguim-de-adélia”, em tradução literal).

O capítulo foi censurado por ser considerado muito escandaloso, e ficou esquecido por cem anos. 

Dentre os pesquisadores entrevistados nesta pesquisa, o tabu com o tema não foi um fator importante para a subnotificação dos casos. Mas Delval e sua equipe apontam que seria interessante aumentar o número de entrevistados, bem como a diversidade de backgrounds deles. 

Os resultados dessa pesquisa provavelmente se aplicam também à comunidade científica brasileira. Há uma boa chance de que nossos pesquisadores também não notifiquem muitos casos, mas eles não teriam preconceito em notificá-los. Embora haja uma parcela expressiva da população que é conservadora, Delval diz que “na ciência, ou na USP, pelo menos, não temos esse tabu.”

Pelo contrário, “com o reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQIA+, isso é uma coisa que está na lista das preocupações científicas. Como por muito tempo foi ignorado, marginalizado, escondido, agora é legal falarmos sobre isso.”

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