No mais novo episódio da mais empolgante novela paleoantropológica de todos os tempos, “Quem (ou melhor, o quê) matou os Neandertais?”, acabamos de presenciar um plot twist daqueles. Ao que parece, não foi um grande cataclisma em suas terras natais da Eurásia nem mesmo alguma epidemia de uma terrível doença que teriam dizimado a espécie por completo. Mas sim algo muito mais banal — infecções no ouvido.
Banal para nós, é claro, Homo sapiens do século 21 com acesso à medicina moderna. Na era dos antibióticos, qualquer criança sobrevive a doenças assim. Para hominídeos que viviam dezenas de milhares de anos atrás, era bem mais complicado. Pesquisadores de Nova York, nos Estados Unidos, desenvolveram um estudo inédito que reconstruiu, pela primeira vez, uma certa estrutura do sistema auditivo dos Neandertais.
Chamada de tuba auditiva, ou ainda trompa de Eustáquio, ela liga a parte interna dos ouvidos à faringe, que fica na garganta. É um canal muito importante para regular a pressão do ar de dentro da orelha com a do ambiente ao redor. Sabe a sensação incômoda dos ouvidos tampados quando andamos de avião ou subimos uma serra? É culpa dessa tuba, que abre e fecha quando bocejamos ou mascamos chiclete.
E era justamente ela que deixava nossos primos pré-históricos na mão.
A equipe – que era composta de antropólogos físicos e anatomistas especialistas em cabeça e pescoço – descobriu que a trompa de Eustáquio dos Neandertais era eternamente igual a das crianças de hoje. Mas e daí? Bem, até os cinco anos, esse canal dos sapienzinhos é estreito e tem ângulos que favorecem o acúmulo das bactérias da otite e companhia. Por isso tais infecções são tão recorrentes na infância. Depois, a tuba se alarga e fica tudo bem.
A passagem fica desobstruída e menos propensa a virar lar de bichinhos maléficos. Só que essa mudança não acontecia com nossos parentes do passado. Eles passavam a vida toda suscetíveis a dores de ouvido insuportáveis e a perigosas complicações. Infecções respiratórias, pneumonias, perda de audição: tudo isso comprometia seriamente as chances de sobrevivência dos Neandertais. Estariam sempre meio capengas, com saúde debilitada.
E isso trouxe consequências profundas para a espécie. “Não é só a ameaça de morrer de uma infecção”, aponta em comunicado um dos autores do estudo, Samuel Márquez. “Se você está constantemente doente, não seria tão preparado e eficaz na competição com seus primos Homo sapiens por comida e outros recursos”, ele complementa. Em um mundo darwiniano, em que o mais apto sobrevive, é natural que tenhamos prevalecido.
Como toda boa novela, nossa saga para desvendar segredos sobre a existência perdida dos Neandertais não para de surpreender. Quem diria que a reconstrução de um cantinho até então negligenciado do corpo deles poderia proporcionar um insight tão poderoso. Aos poucos, vamos entendendo melhor quem foram esses homens, que eram ao mesmo tempo tão parecidos, mas tão diferentes de nós, seres humanos modernos.