No início da pandemia, a empresa de biotecnologia americana Moderna Therapeutics ganhou destaque após a sua vacina contra o Sars-CoV-2 se tornar a primeira dos EUA a entrar na terceira (e última) fase de testes.
Mas não foi só a velocidade que chamou a atenção. A tecnologia utilizada pela Moderna, que usa como base RNA mensageiro (mRNA), já era algo estudado desde os anos 1990, mas que ainda não havia sido colocada em prática – e a confirmação do seu sucesso pode representar um grande passo para a ciência.
Mas o que é uma vacina de mRNA, afinal?
A maioria das vacinas utiliza o vírus atenuado ou morto em sua composição. Nesse caso, ela se torna incapaz de causar a doença, mas forte o suficiente para gerar uma resposta imune do organismo.
Já a vacina da Moderna, feita de mRNA, funciona da seguinte forma: primeiro, é injetado no corpo um pedaço de código genético do vírus (uma fita de RNA). Ali estarão as instruções para que as próprias células do corpo humano passem a produzir uma proteína viral, que, por sua vez, será identificada pelo sistema imunológico e combatida. No futuro, se a pessoa vacinada tiver contato com o vírus, ela já terá anticorpos prontos para enfrentá-lo.
Basicamente,é como se o próprio corpo se tornasse uma pequena fábrica de vacina. Além disso, o desenvolvimento de vacinas de mRNA é mais rápido que o dos imunizantes convencionais (a da Moderna, por exemplo, levou apenas 63 dias).
A velocidade de fabricação também é um ponto positivo. Muitas vacinas contra a gripe, por exemplo, são feitas dentro de ovos de galinha, enquanto outras necessitam do cultivo de proteínas virais em laboratório. As vacinas de mRNA pulam estas etapas: um lote completo pode ser preparado em até dez dias.
Para além da Covid-19
Depois do sucesso com o Sars-CoV-2, a Moderna anunciou que está estudando o uso de mRNA contra outras doenças infecciosas.
Atualmente, a empresa possui vacinas para dez vírus em fase de testes (ou prestes a entrar). Três delas são doses de reforço contra a Covid-19 e que já estão em Fase 2 de testes. Uma delas é a vacina já existente (o que está sendo estudado é uma dose menor de aplicação, o que facilitaria campanhas de vacinação). A segunda foi editada para combater a variante Beta, detectada pela primeira vez na África do Sul. Por fim, têm-se a versão que combina os dois fatores (dose menor + proteção contra a variante).
A Moderna também está desenvolvendo uma vacina para o citomegalovírus, capaz de causar anomalias congênitas ao infectar bebês antes ou na hora do nascimento. Um ensaio clínico de Fase 3 envolvendo mulheres em idade reprodutiva deve começar ainda este ano. O vírus Epstein-Barr, causador da mononucleose, e o metapneumovírus, causador de infecções respiratórias graves em crianças, também estão na mira da farmacêutica.
Há projetos ainda mais ambiciosos, como o de uma vacina que combine 12 (ou até mais) cepas virais responsáveis por infecções respiratórias. Esse seria um imunizante sazonal, similar à vacina da gripe que temos hoje – e que deve ser tomada anualmente. A Covid-19 estaria incluída nesse combo.
A Moderna também planeja iniciar testes em humanos de sua vacina contra o vírus HIV, causador da Aids, ainda em 2021. E para além dos vírus, a empresa quer usar a tecnologia do RNA mensageiro para criar ferramentas capazes de tratar doenças crônicas – e até mesmo o câncer.
O caminho do mRNA dentro da Moderna
As vacinas de mRNA demoraram a aparecer por um motivo: quando a molécula é inserida de forma artificial no corpo humano, o sistema imunológico costuma reconhecê-la como ameaça e a ataca. Foi só em 2005 que dois pesquisadores, Katalin Karikó e Drew Weissman, da Universidade da Pensilvânia (EUA), conseguiram modificar o mRNA para que ele gerasse uma resposta menos agressiva e, assim, pudesse servir como potencial imunizante.
Em 2010, cientistas da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), com auxílio financeiro da empresa de capital de risco Flagship Pioneering, fundaram a Moderna, cujo objetivo, desde o início, foi estudar o mRNA para o desenvolvimento de soluções de saúde.
Só que ainda faltavam alguns detalhes nesse projeto. É que o mRNA artificial, ao ser colocado no corpo, acabava decomposto por enzimas antes mesmo que atingir as células. Os cientistas precisaram, então, envolver as moléculas em nanopartículas lipídicas protetoras – bolhas de gordura.
Com essa proteção, o código genético estava blindado. Mas aquilo ainda não parecia 100% seguro, já que parte da gordura sintética tendia a se acumular nas células, o que poderia causar danos ao fígado ou outros efeitos colaterais a longo prazo. Foi somente em 2015 que pesquisadores da Moderna encontraram moléculas de lipídios aptas à tarefa – e que não apresentavam riscos à saúde. A fórmula foi patenteada e a farmacêutica começou a trabalhar em vacinas. Até 2020, a Moderna não havia concluído nenhum ensaio clínico para medicamentos ou vacinas.