A criatividade dos cientistas para cunhar o nome científico de uma espécie recém-descoberta costuma não ter limites. Às vezes, a homenagem segue um caminho mais solene, como uma referência a um nome famoso da ciência, que revolucionou seu campo de pesquisa – caso da botânica Graziela Maciel Barroso, por exemplo, que tem uma lista de 2 gêneros e 30 espécies de plantas batizadas com seu nome. Outros pesquisadores, porém, optam por uma via, digamos, mais egocêntrica, e acabam colocando seu nome próprio no achado.
O mais legal, no entanto, é quando cientistas resolvem investir em referências à cultura contemporânea, incluindo nomes que todo mundo (ou pelo menos muita gente) gosta. Você, leitor, talvez consiga se lembrar de episódios como o surgimento do camarão Pink Floyd, do peixe Obama, da mosca Beyoncé ou do besouro Schwarzenegger, quem sabe. A lista vai longe, como a SUPER provou neste post e neste outro, e qualquer tentativa de reeditá-la acabaria se esquecendo de algum nome importante.
A melhor parte é que, para além dos nomes de celebridades internacionais, vira e mexe pinta algum homenageado brasileiro. O que falar da abelha Ronaldinho Gaúcho ou do peixe do rio Negro que faz menção ao ambientalista Chico Mendes, por exemplo? A referência pode chegar, até mesmo, ao campo dos magistrados. Foi o caso da espécie de planta descoberta no Ceará batizada Phyllanthus carmenluciae, singela homenagem à ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.
A mais nova homenagem a um juiz também vem diretamente de terras cearenses. É o molusco Lavajatus moroi, batizado – é claro – por causa de Sergio Moro e da Operação Lava-jato. Encontrada na caverna de Santa Quitéria, a 229 km de Fortaleza, a espécie só foi ser identificada e caracterizada bem longe dali.
Coube ao biólogo Luiz Ricardo Simone, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), batizar o achado. Malacologista, nome dado ao profissional que estuda os moluscos, ele é responsável por selecionar o material que será incoporado à coleção oficial de espécies do museu. Enquanto analisava um exemplar de um molusco capturado em 2013 e conservado em álcool, ele se surpreendeu com características que não deveriam estar ali.
“Assim que olhei, percebi que era coisa nova. Aí passei a estudar”, disse, à SUPER. Segundo o biólogo, moluscos encontrados em cavernas, como era o caso, costumam ser da ordem de milímetros. Este, no entanto, era bem maior: tinha entre 3 e 4 centímetros de tamanho. Outro aspecto que chamava a atenção era a concha: estranhamente alongada, ela era transparente, o que permitia ver o interior do bicho. A partir dessas observações, Luiz pode desenvolver estudos que concluíram que se tratava de uma espécie inédita. Mais que isso: o gênero também era totalmente novo, o que quer dizer que você pode não ver nenhum outro primo de Lavajatus dando sopa por aí.
Foi a característica da transparência da concha que, segundo Luiz, motivou a menção ao trabalho de Sergio Moro. “A época em que eu estava pesquisando coincidiu com o auge da Lava-jato [2016]”. E, assim como a casca transparente mostrava o molusco por completo, a operação também deixava claro esquemas de corrupção da política nacional.
Luiz destaca que, apesar da homenagem, não gosta da ideia de “misturar ciência com política”. A referência, segundo o biólogo, só foi feita porque a Lava-jato era algo “do judiciário” e Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro era, à época, um juiz – e portanto, apolítico.
Até hoje, o pesquisador coleciona a descoberta de 250 novas espécies de moluscos. Existem, na lista, outros nomes curiosos. Do campo jurídico pode-se citar Habeas corpus e Habeas data. Há ainda Kora corallina (em homenagem a poetisa e contista brasileira Cora Coralina) e Ovini petalius (devido à semelhança do animal com uma nave alienígena), por exemplo.
Como não poderia deixar de ser, a descoberta do L. moroi rendeu um artigo científico, publicado na revista científica alemã Spixiana em dezembro de 2018. Você pode lê-lo na íntegra clicando neste link.