Estima-se que 1% da população mundial sofra com epilepsia. Cerca de 70% das pessoas afetadas conseguem controlar o problema com auxílio de medicamentos, enquanto o resto não obtém sucesso nos tratamentos. Quando isso ocorre, a condição recebe o nome de epilepsia refratária.
Mas talvez exista uma intervenção não medicamentosa promissora para o tratamento desses pacientes: a Sonata para Dois Pianos em Ré Maior (K. 448) de Mozart. Em 1993, os pesquisadores americanos Gordon Shaw e Frances Rauscher demonstraram que essa música em particular melhorava o desempenho de crianças em tarefas envolvendo raciocínio espacial e temporal. Cinco anos depois, o neurologista John Hughes notou que pessoas com epilepsia, quando ouviam a sonata, apresentavam uma redução da atividade epileptiforme – impulsos elétricos que servem como biomarcadores epilépticos.
Mesmo com a informação sobre o potencial terapêutico de Mozart, ainda restavam questões: essa é a única música capaz de ajudar no tratamento de pessoas com epilepsia refratária? Por que? Pensando nisso, pesquisadores da Dartmouth College, nos EUA, resolveram investigar. Eles separaram 16 pessoas que viviam com o problema e as monitoraram com auxílio de implantes cerebrais. O objetivo era mapear as descargas epileptiformes interictais (DEI), que ocorrem entre crises. O estudo foi publicado na revista Scientific Reports.
Os voluntários foram divididos em dois grupos: o primeiro escutou a K. 448 por 15 segundos, enquanto o segundo ouviu a música por um minuto e meio. De acordo com o estudo, os resultados foram mais expressivos naqueles que ficaram expostos à sonata por mais tempo. Esses apresentaram diminuição significativa das descargas epileptiformes, além de mostrar efeitos expressivos em partes do cérebro associadas à emoção.
A explicação pode estar na estrutura da música. Os cientistas observaram que os efeitos aumentavam durante transições de segmentos musicais longos, que duravam 10 segundos ou mais. É como se você estivesse entretido naquele som e, de repente, ele mudasse. Essa surpresa causada pelos tons melódicos contrastantes seria a responsável pela resposta emocional positiva e consequente queda das DEIs.
Os pesquisadores também apresentaram aos participantes músicas das quais eles gostavam, buscando entender se a afeição pela melodia poderia ter alguma influência no comportamento cerebral, mas isso não gerou nenhum efeito. A partir de agora, os cientistas pretendem trabalhar na composição de músicas que espelham a estrutura da sonata de Mozart, criando composições “anti-epiléticas”, que poderiam ser utilizadas no tratamento daqueles que vivem com epilepsia refratária.