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O experimento carcerário de Stanford

Era um presídio de mentira. Mas a selvageria e a crueldade eram reais.

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 12 jun 2020, 11h26 - Publicado em 1 jun 2020, 11h25
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    Um estudo especialmente assustador foi conduzido em 1971 sob o comando do psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade Stanford, na Califórnia. O objetivo era investigar os efeitos psicológicos de se tornar um prisioneiro ou um carcereiro. Mas os resultados foram tão devastadores que o experimento teve de ser interrompido em apenas seis dias, embora o planejamento inicial previsse duas semanas. O arranjo era o mais simples possível. De uma lista de 75 candidatos, foram escolhidos 24 voluntários homens, nenhum dos quais com ficha criminal, problemas psicológicos ou médicos. Todos sabiam que o experimento envolvia uma simulação de prisão e receberiam US$ 15 por dia.

    A prisão em si seria o porão do prédio do departamento de psicologia de Stanford, e metade dos voluntários formaria a população carcerária, enquanto a outra metade representaria os carcereiros. Equipados com bastões de madeira, eles foram instruídos por Zimbardo – que assumiria o papel de supervisor dos carcereiros, enquanto um assistente faria o papel do diretor da prisão – a não agredir fisicamente os presos. Mas era permitido intimidá-los, “criar a noção de arbitrariedade de que a vida deles é totalmente controlada por nós, pelo sistema, eu, você, e que eles não têm privacidade”.

    A brincadeira começou bem realista. Zimbardo obteve a colaboração da polícia local, que foi até a casa dos participantes e, de fato, os prendeu, conduzindo-os à delegacia para fichamento antes de encaminhá-los à prisão. As pequenas celas foram formatadas para abrigar três prisioneiros cada, e havia um espaço para solitária e uma sala grande para os guardas e o diretor. Os cativos tinham de ficar em suas celas dia e noite até o fim do estudo. Já os guardas trabalhavam em grupos de três por turnos de oito horas. Depois que seu turno terminasse, eles podiam deixar o porão e viver suas vidas lá fora. Era como se fosse um emprego para eles.

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    O primeiro dia foi tranquilo, mas no segundo os problemas começaram. Os prisioneiros da cela 1 resolveram bloquear a passagem com suas camas e se recusavam a sair ou a seguir as instruções dos guardas. Para debelar a rebelião, os carcereiros usaram extintores de incêndio, sem a supervisão dos pesquisadores. Um dos guardas então sugeriu a criação de uma “cela de privilégios”, destinada aos que tivessem bom comportamento. Mas não adiantou, pois os privilegiados decidiram permanecer fiéis a seus colegas de prisão.

    Em 36 horas, um dos prisioneiros começou a ficar literalmente maluco. “Levou um tempo até que ficássemos convencidos de que ele realmente estava sofrendo e aí tivemos de libertá-lo”, disse Zimbardo. Um rumor começou a circular de que o primeiro a debandar do estudo iria voltar com amigos e promover uma fuga em massa da prisão. Enquanto isso, tentando manter o controle, os guardas abusavam cada vez mais dos cativos, forçando-os a repetir seus números e aplicando punições físicas, como exercícios forçados. As condições sanitárias declinaram rapidamente, e os guardas obrigavam todos a urinar e defecar em baldes dentro de suas celas. Colchões eram retirados como forma de punição, e alguns prisioneiros foram forçados a ficar nus, como humilhação.

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    Voluntários no papel de prisioneiro e de carcereiro no experimento de Stanford. (Courtesy of the Stanford Historical Photograph Collection/Montagem sobre reprodução)

    A cada dia que passava, os guardas ficavam mais cruéis – 4 dos 12 passaram a mostrar tendências sádicas genuínas, segundo os pesquisadores. E a maioria deles não gostou do fim abrupto do experimento, após apenas seis dias. Os prisioneiros, por sua vez, internalizaram completamente seu papel. Passaram a buscar liberdade condicional em vez de simplesmente desistir de participar do experimento. Quem levou ao fim abrupto foi a namorada de Zimbardo, Christina Maslach.

    Então estudante de pós-graduação em psicologia, ela percebeu o absurdo da situação, degringolando a cada dia, e convenceu seu futuro marido – que também já se via absorto no papel de supervisor da prisão – de que aquilo precisava parar. Àquela altura, cinco dos prisioneiros já haviam desistido do experimento. No fim das contas, os resultados são consistentes com os que apareceram no experimento de Milgram: o poder da autoridade rapidamente transforma seres humanos dóceis em criaturas violentas e desprezíveis, ainda mais se houver apoio institucional e social às ações que eles praticam.

    Alguns críticos argumentaram que, como o anúncio do experimento já falava em simulação de prisão, ele naturalmente atraiu voluntários que tinham maior predisposição a dominância social, autoritarismo e agressão. É verdade que isso pode mesmo criar um viés de seleção capaz de fazer degringolar ainda mais depressa – e com mais força – um experimento desse tipo. Não existe, porém, um mecanismo similar agindo na sociedade? Ocupações como a de policial, ou de carcereiro, podem atrair pessoas com inclinações autoritárias.

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    Mas tem outra. Há alguns anos, o jornalista americano Ben Blum vasculhou os arquivos de Stanford e encontrou gravações até então desconhecidas. Numa delas, um assistente de Zimbardo diz a um dos guardas que ele não estava sendo “duro o bastante” com os detentos. Isso complica os resultados: não foi só o poder de autoridade que fez os guardas exagerarem. Os cientistas ajudaram – uma amostra de que o experimento foi ainda mais cruel com seus voluntários.

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