O sonho de Einstein
Você vive, sim, num mundo mágico. Só não temos esse problema com jogos de futebol e vizinhos que moram no futuro porque as distorções do tempo na realidade que a gente enxerga são infinitesimais. Mas todas as propriedades do mundo mágico lá estão aqui mesmo: no fundo, nenhum relógio marca a mesma hora, ninguém vive o mesmo presente.
Ou, como disse Einstein numa carta de 1955: “A distinção entre passado, presente e futuro é só uma ilusão, ainda que persistente”. Mas por que ilusão? Poucas coisas são mais concretas que a passagem do tempo. A gente nasce sabendo que as horas passam no mesmo ritmo pra mim e pra você, que corremos para o futuro juntos.
Mas Einstein descobriu que não: no mundo de verdade a gente viaja pelo tempo toda hora. Seu próprio corpo é uma máquina do tempo. Bem menos potente que o De Lorean de De Volta para o Futuro, mas é. Einstein explicou que o tempo não é uma coisa etérea, mas um lugar. Uma dimensão por onde a gente caminha sem parar. Tipo: enquanto você está sentado, lendo este texto, os segundos continuam passando, certo? Então é como se você cruzasse o tempo num trem invisível agora mesmo.
Einstein descobriu que a velocidade com que você se move pelo tempo pode ser medida em quilômetros por hora – 1,08 bilhão de km/h
Até aí, nada demais. Agora é que vem a sacada: o alemão estipulou que esse trem anda a uma velocidade que pode ser medida em quilômetros por hora: exatamente 1,08 bilhão de km/h, a velocidade da luz.
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E viu algo mais perturbador ainda: tempo e espaço são basicamente a mesma coisa. O casamento dos dois forma uma paisagem invisível: a do espaço-tempo. Então agora mesmo você pode dizer que está correndo à velocidade da luz através desse espaço-tempo. Claro que todo o 1,08 bilhão de km/h está sendo usado para mover só o tempo mesmo. Mas que você está a essa velocidade agora, está.
Mas tem um problema: para Einstein, nada pode atravessar o espaço-tempo mais rápido que a luz. Então se você já corre a 1,08 bilhão de km/h na “metade tempo” dessa paisagem, não tem de onde tirar velocidade para a “metade espaço”.
Mas espera aí. E se você levanta pra pegar um copo d`água? Vai precisar de uns 5 km/h na “metade espaço” para andar até a cozinha, pelo menos. Essa velocidade tem de sair de algum lugar. Mas de onde? Da única fonte disponível: os motores que empurram o tempo.
Então você tira 5 km/h de lá pra andar até a cozinha. E a velocidade com que você atravessa o espaço-tempo fica redistribuída: 10 km/h vão para o espaço e 1,07999… bilhão de km/h para a do tempo. A velocidade do tempo funciona que nem um banco. Ela empresta quilômetros por hora para tudo o que se move. Mas essa agiotagem tem preço: faz seu relógio perder velocidade. O tempo começa a passar mais devagar para você. E é aí que o mundo mágico de Einstein começa a dar as caras.
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Olha um exemplo de verdade: sentado na poltrona, você atravessa o tempo a 1,08 bilhão de km/h, já que seu trem está correndo a todo vapor, ok? Isso significa que 30 segundos vão passar em 30 segundos mesmo, sem mistério. Mas aí você arruma um Porsche e resolve sentar o pé na estrada. Chega a 180 km/h, por exemplo. Para Einstein, isso quer dizer que você pegou 180 km/h emprestados lá do banco do tempo.
Então seu relógio fica andando mais lento: um período que durava 30 segundos cravados quando você estava imóvel vai ter passado em exatamente 29,99999999999952 segundos. Enquanto a Porsche acelera você, ela freia o seu relógio. Mas só o seu. Do lado de fora do carro a velocidade do tempo continua igual. E o resultado é insólito: depois de uma hora com o pé embaixo no carro você vai ter envelhecido 0,0000000576 milésimo de segundo a menos do que tudo o que está lá fora. Isso mesmo. Seu relógio “biológico” também andou mais devagar. Tudo envelheceu um pouco mais rápido que você. As pessoas, as pedras, o Sol, a galáxia de Andrômeda… Tudo. E em que “lugar” tudo é mais velho do que hoje? No futuro. Depois de uma hora a 180 km/h, você viaja 0,0000000576 milésimo de segundo para o futuro.
Depois de uma hora a 180 km/h, você viaja 0,0000000576 milésimo de segundo para o futuro.
Mas caramba. Tanta falação pra chegar nessa miséria? Pois é. O problema é que as velocidades que a gente vive no dia-a-dia são pequenas demais. Não dá para perceber esse efeito minúsculo delas sobre a passagem do tempo. Nem astronautas que já experimentaram velocidades de 40 000 km/h conseguiram fazer um rombo marcante no relógio deles. O crédito de 1,08 bilhão de km/h é generoso.
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Mas quando a velocidade aumenta muito, o empréstimo começa a fazer diferença no caixa. Se esse Porsche andasse a mais ou menos 1 bilhão de km/h, por exemplo, o seu “banco do tempo” entra à beira da falência. Agora o mundo mágico aparece de vez.
Assim: imagine que alguém esteja num bar de beira de estrada. Chega um ladrão. São 12h15 e o bandido está nervoso, com um revólver apontado para o rosto do cara, pronto pra atirar. Então você passa com o Super Porsche pela rodovia, a 1 bilhão de km/h. Nesse momento, seu relógio também marca 12h15. Então o que você enxerga pela janela quando passa em frente ao bar? O homem sendo ameaçado? Não.
Os 1 bilhão de km/h fizeram o tempo passar mais devagar para você, lembra? Quando o seu relógio marcar 12h15 já vão ser 12h30 lá fora! A velocidade maior fez o seu tempo dar uma bela freada. Só o seu, note bem. O do resto do mundo continuou correndo no ritmo de sempre. Você foi ultrapassado pelo tempo. Em outras palavras: viajou para o futuro.
Então o que você enxerga quando passa em frente ao bar? Um cadáver. Ou o bandido preso… Seja o que for vai ver uma coisa que, para o homem que está com um revólver na fuça, ainda não foi decidida.
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Esse é o paradoxo: você e o rapaz ameaçado estão vivendo o mesmo instante. Um momento que os dois chamam de “agora”. Mesmo assim, o que para ele é futuro é uma coisa que já está gravada na sua memória. Faz parte do seu passado.
E dá para ir mais longe. Einstein mostrou que distâncias muito grandes também acabam com a idéia de que exista um “agora” igual para todo mundo.
Para alguém em outra galáxia, por exemplo, o momento em que você lê essas palavras pode ser entendido agora mesmo como um passado distante. “A concepção dele sobre o que existe neste momento no Universo pode incluir coisas que parecem completamente abertas para nós, como o vencedor das eleições presidenciais dos EUA de 2100. Os candidatos ainda nem nasceram, mas na idéia dele sobre o que acontece exatamente agora já vai estar o primeiro presidente americano do século 22”, escreveu o físico Brian Greene, da Universidade Columbia, nos EUA, em seu livro O Tecido do Cosmos. Parece estranho, mas para a ciência o ponto de vista de alguém num carro a 1 bilhão de km/h ou em outra galáxia é tão válido quanto o seu. Se ele é teoricamente possível, não pode ser desprezado.
“A concepção de alguém em outra galáxia sobre o que existe neste momento no resto do Universo pode incluir o vencedor das eleições presidenciais dos EUA de 2100.”
Brian Greene, da Universidade Columbia
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E aí vem o ponto crucial. Se dá para dizer que o nosso futuro já aconteceu. Que poder a gente tem para escolher como vai ser o dia de amanhã? Onde vai parar nosso livre-arbítrio?
“Desaparece. O universo de Einstein, o da Teoria da Relatividade, não aceita a liberdade de escolha. O jeito como as nossas vidas se desdobram, do nascimento até a morte, está mesmo escrito. As escolhas que ainda vamos fazer já estão impressas no tecido da realidade. Tão impressas quanto as escolhas que a gente fez no passado” diz o filósofo especializado em física Oliver Pooley, do Centro de Filosofia da Ciência da Universidade Oxford, na Inglaterra.
Não podemos fazer nada pra mudar o destino. Ok. Mas se coisas como o rosto dos seus netos e o dia da sua morte estão “impressas” na natureza desde sempre, seria exagero pensar que, algum dia, a ciência poderia usar a matemática e a física para prever isso e tudo o mais?
“Não teria como. Mesmo que cada evento do futuro seja baseado numa fórmula matemática já determinada, e é o que eu acredito, não daria para a gente saber quais fórmulas são essas antes que os próprios eventos acontecessem”, disse à SUPER o físico Gerardus t’ Hooft, da Universidade de Utrecht e vencedor do Nobel de física de 1999. “Nenhum computador teria como decifrar a natureza, já que nada pode computar mais rápido que o Universo”, completa o holandês.
“Mesmo que cada evento do futuro seja baseado numa fórmula matemática já determinada, e é o que eu acredito, não daria para a gente saber quais fórmulas são essas antes que os próprios eventos acontecessem”
Gerardus t' Hooft, Nobel de física
Roger Penrose, da Universidade de Oxford e considerado o maior especialista em Relatividade do planeta, concorda: “Caso a realidade seja completamente determinada, como diz a teoria, ela certamente não é computável”.
É isso aí: os horoscopistas podem tirar seus cavalos da chuva. Pelo jeito, o futuro vai continuar no breu, por mais que já esteja escrito em algum lugar.