Os répteis, como aprendemos na escola, são animais de sangue frio. Além deles, anfíbios e peixes também são ectotérmicos: dependem do calor do ambiente para se aquecer. Há uma exceção que prova a regra, e ela é do Brasil: o teiú consegue se aquecer com o calor do próprio corpo, sem depender do ambiente externo, durante seu período reprodutivo.
O Salvator merianae habita grande parte do Brasil, o norte da Argentina e do Uruguai. Um grupo de cientistas apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) descobriu que o teiú regula sua temperatura corporal sem depender de condições externas, mas só durante o período reprodutivo. Os resultados dessa pesquisa foram publicados na revista científica Acta Physiologica.
Só as aves e os mamíferos são conhecidos por serem endotérmicos, ou terem “sangue quente”. Esse estudo é a primeira vez que esse comportamento é observado dessa maneira num réptil. A autora principal do estudo, Livia Saccani Hervas, começou a pesquisar os teiús antes mesmo de terminar a faculdade, em sua iniciação científica. Agora, ela é doutoranda na Unesp.
Já em 2016, pesquisadores brasileiros descobriram que os teiús deixavam seus corpos mais quentes do que as tocas onde passavam a noite durante o período reprodutivo. Mas ainda não se sabia como eles, animais de sangue frio, conseguiam fazer isso sem a luz do Sol para se aquecer. Até agora.
Fábrica de calor
Os cientistas passaram três anos colhendo biópsias do músculo esquelético de dez espécimes de teiú. Eles fizeram isso durante o verão, em fevereiro, e na primavera, em setembro e outubro. Esses pequenos pedaços de tecido, tirados de uma das patas dianteiras e uma das traseiras, foram submetidos a análises bioquímicas e a um calorímetro, medindo o calor emitido.
Durante o período reprodutivo, tanto o músculo dos machos quanto das fêmeas produzia muito mais mitocôndrias do que o normal. Essa organela é a responsável por produzir energia nas células, queimando o carboidrato comido com o oxigênio respirado e gerando gás carbônico. O calor, muitas vezes, é um subproduto do processo de geração de energia da célula.
A proteína ANT, ligada a um processo bioquímico que gera calor nas aves, era mais presente e mais ativa nas mitocôndrias durante o período reprodutivo. O calor extra é usado pelas fêmeas para gerar os ovos e construir os ninhos, e pelos machos para buscar territórios e aumentar suas gônadas, as glândulas onde estão localizadas as células reprodutivas e onde são produzidos os hormônios sexuais.
Antes da descoberta sobre os teiús, os únicos répteis conhecidos que conseguiam aumentar sua temperatura eram pítons. As serpentes asiáticas, que podem chegar a cinco metros de comprimento, tremiam, agitando os músculos para gerar calor e ajudar a chocar os ovos. O teiú não precisa tremer para ficar mais quente.
Talvez a endotermia seja mais frequente entre os répteis do que se imaginava, com os exemplos dos teiús e das pítons. A estratégia celular dos lagartos, muito parecida com a das aves e dos mamíferos, pode ser um indício de que o sangue quente tem raízes evolutivas mais antigas do que se imaginava.