O que é a “síndrome do Nobel”?
Linus Pauling, James Watson, William Shockley... alguns cientistas passaram a defender ideias pseudocientíficas depois de laureados. Entenda o fenômeno.

O americano Linus Pauling venceu o Nobel de Química em 1954 por desvendar como as ligações químicas ocorrem entre átomos; em 1962, ele também ganhou o Nobel da Paz por seu ativismo contra testes nucleares. Ele faz parte do seleto grupo de pessoas que recebeu duas medalhas em áreas diferentes.
Pouco depois das premiações, porém, Pauling mudou o rumo da sua carreira. O cientista fundou a chamada “medicina ortomolecular”, uma área pseudocientífica que hoje sabemos que tem inúmeros furos.
Em linhas gerais, essa teoria defende que altas doses de vitaminas (muito maiores do que as doses diárias recomendadas) podem tratar gripes, esquizofrenia e até câncer. Nenhuma dessas alegações é comprovada: diversos estudos controlados já mostraram que superdoses não fazem diferença para o corpo. O excesso de vitaminas é liberado no xixi – e, em alguns casos, pode ser tóxico.
Mesmo sem evidências, Pauling defendia essa ideia fervorosamente. Como um químico tão respeitado passou a advogar por uma causa equivocada?
Por incrível que pareça, Pauling não é o único: é tão comum que vencedores do prêmio se tornem divulgadores de teorias pseudocientíficas que esse fenômeno ganhou até um apelido, a “síndrome do Nobel”.
Kary Mullis, por exemplo, levou a categoria de Química em 1993 por desenvolver o PCR, uma técnica de replicação de DNA. Depois disso, o cientista tornou-se um dos maiores negacionistas do HIV, pregando que o vírus não era o real responsável pela Aids – uma ideia absurda. (Em sua autobiografia, o cientista também relata ter se encontrado com um guaxinim brilhante falante que ele sugere que poderia ter sido um extraterrestre.)
Quem descobriu o HIV foi o virologista francês Luc Montagnier, que levou o Nobel de Medicina de 2008, juntamente com a cientista Françoise Barré-Sinoussi, também responsável pela descoberta. Ironicamente, Montagnier também foi acometido pela síndrome: em artigos publicados num periódico que ele mesmo fundou e ele mesmo editava, o pesquisador pregava que vírus e bactérias emitem ondas eletromagnéticas, e que seriam essas ondas as responsáveis por causar doenças, uma ideia nunca comprovada. Ele também era simpático à homeopatia (uma prática pseudocientífica) e acreditava que o autismo podia ser curado com antibióticos. Pura balela.
Não para por aí. William Shockley, Nobel de Física em 1956 por sua pesquisa com transistores, era racista e eugenista, bem como James Watson, Nobel de Medicina de 1962 pela descoberta da estrutura de dupla-hélice do DNA (Watson chegou a vender sua medalha após várias instituições negarem a trabalhar com ele por causa das suas visões racistas). Brian Josephson, vencedor da categoria Física em 1973, acredita em telepatia. A lista continua.
A “síndrome do Nobel”, claro, é um termo informal para descrever esse fenômeno curioso. Não é uma doença de verdade nem representa a maior parte dos vencedores. Além disso, não há dados que mostram que a propensão a acreditar em pseudociências seja mais comum entre vencedores do prêmio do que entre cientistas em geral.
Uma possível explicação é a suposta autoridade que o prêmio confere. É como se a medalha proporcionasse uma chancela para que os vencedores se sintam especialistas em tudo (e não só na área que dominam). Em 2001, o geneticista Paul Nurse, ganhador do prêmio de Medicina, alertou futuros ganhadores sobre o perigo de “expressar opiniões sobre a maioria dos assuntos com grande confiança”.