Você pode ser como Harry Potter, que é cara do pai, mas com os olhos da mãe. Ou o contrário. O que importa é que haja pelo menos alguma coisa da aparência física de seus pais em você – afinal, cada um deles forneceu metade de seu material genético.
Ou será que forneceu?
Uma fêmea de peixe do gênero Squalius levou um susto e tanto quando sua última leva de filhotes saiu dos ovos em um tanque de testes usado por biólogos da Universidade de Lisboa, em Portugal. Um deles era mais do que a “cara do pai”. Era um clone do pai – com DNA idêntico.
Esse é o primeiro caso registrado de androgênese em vertebrados – em outras palavras, é a primeira vez na história da ciência em que um animal de organismo complexo gera um clone de forma espontânea, debaixo dos olhos de cientistas. Os resultados do estudo estão disponíveis aqui. No começo, Miguel Morgado-Santos e sua equipe pensaram que o resultado, tão raro, estivesse simplesmente errado. Não estava – esse era só um começo digno de filme para uma história ainda mais curiosa.
O Squalius alburnoides, espécie a que pertencia o pai, não é bem uma espécie. É um híbrido de fêmeas da espécie Squalius pyrenaicus e machos de um tipo de peixe já extinto chamado Anaecypris. Pela lógica, ele deveria ser estéril, como a maior parte dos híbridos – mas tudo indica que ele não é.
Esse pai não só é capaz de se reproduzir como, nesse caso, gerou uma célula reprodutora com duas cópias de seu material genético (em vez de uma só). Isso faz com que ele seja capaz de fornecer por conta própria todo o DNA necessário para gerar um filhote. No caso, um filhote-clone.
Para ocupar um óvulo alheio, que pode ser de uma fêmea de qualquer espécie do gênero Squalius, ele provavelmente destrói o material genético que está lá dentro e o substitui por uma dose dupla de seu próprio DNA no ato da fecundação. Outra possibilidade é que isso só aconteça quando ele encontra, por coincidência, justamente um óvulo que está vazio, veio com “defeito de fabricação”.
Seja como for, esse é um artifício de reprodução inédito, que pode representar tanto um mero acidente quanto os primeiros passos do surgimento de uma nova espécie. Agora, os portugueses mais sortudos da ciência só precisam ficar de olho no tanque – e ver se isso ocorre de novo. E de novo. E mais uma vez.