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Radiotelescópio Bingo, no interior da Paraíba, investigará energia escura

O equipamento planejado para 2022 põe o Brasil no mapa das pesquisas sobre expansão do Universo, pulsares, rajadas de rádio e outros temas centrais da astronomia contemporânea. 

Por Luisa Costa
Atualizado em 8 jul 2021, 21h44 - Publicado em 6 jul 2021, 19h38
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  • Eu, você, seu cachorro, Júpiter, Andrômeda e todas as outras galáxias são feitos de átomos. Átomos de hidrogênio, principalmente – o elemento mais comum –, mas também de hélio, de carbono, de oxigênio etc. Parece uma constatação boba, mas não é: a matéria como a conhecemos, chamada pelos astrônomos de bariônica, corresponde a apenas 5% de tudo que existe no cosmos. 

    Ser uma coisa, em suma, é algo raro no Universo. A maior parte do conteúdo de massa-energia na escuridão em torno de nós consiste em duas entidades misteriosas: 27% de matéria escura (que sabemos existir por sua influência gravitacional, mas é indetectável) e 68% de energia escura – uma força que expande o cosmos, arrastando galáxias para longe umas das outras. 

    O Brasil está prestes a se tornar um polo importante de pesquisas sobre a matéria escura e muitos outros temas chave para a astronomia contemporânea, como pulsares e rajadas rápidas de rádio (fique tranquilo, leitor, você já vai entender o que são essas coisas). Está programado para o segundo semestre de 2022 o início das operações do radiotelescópio Bingo no município de Aguiar, de 5,5 mil habitantes, no interior da Paraíba. O portal, inclusive, foi para o ar hoje (6) e você já pode espiar. 

    Essa engenhoca, cuja infraestrutura ocupa uma área equivalente à do Maracanã, é fruto de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e instituições da China, do Reino Unido e de sete outros países.

    A pandemia atrapalhou o andamento do projeto e impossibilitou uma série de atividades presenciais. Por exemplo: peças chamadas “cornetas” (e que de fato parecem sorvetes Cornetto) ainda estão em construção, e telescópios auxiliares menores chamados outriggers estão sendo testados pelos pesquisadores neste exato momento. 

    Antes de entrarmos em detalhes, comecemos pelo básico: qual é a diferença de um radiotelescópio para um telescópio comum? O que a sigla Bingo significa? Por que ele foi instalado em um lugar tão isolado?

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    Representação artística do radiotelescópio Bingo
    (Projeto Bingo/Divulgação)

    Bingo para iniciantes

    Ondas eletromagnéticas – o que chamamos genericamente de “luz” – vêm em vários comprimentos. As mais curtinhas são mais energéticas; as mais longas são mais preguiçosas. A visão humana só dá conta de ondas localizadas dentro de uma faixa de comprimentos muito específica. Essas são as cores que conhecemos; as cores do arco-íris. A caixa de lápis da natureza é muito maior: existem ondas de rádio, microondas, radiação infravermelha, ultravioleta, raios X, raios gama…

    Embora essas cores sejam invisíveis para nossa biologia, elas fazem parte do nosso dia a dia: esquentam nossa comida, queimam nossa pele na praia, enxergam o interior dos nossos corpos e, é claro, são o segredo por trás das telecomunicações: rádio, TV, telefonia móvel, wi-fi etc.

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    O Universo não liga para qual uso os humanos dão para cada tipo de onda. Lá fora, luz é luz. Fenômenos astronômicos liberam radiação em todas as cores, as que vemos e as que não vemos também. Por isso, existem telescópios feitos para enxergar cores invisíveis para nós – e detectam coisas que não conseguiríamos apenas com lentes e olhos. É o caso do Bingo, um telescópio projetado para captar ondas de rádio. Portanto, um radiotelescópio. 

    Quando você liga uma TV analógica, vê uma interferência cinza, granulada. Uma parcela dessa interferência é gerada por radiação residual do Big Bang que alcança as antenas terráqueas. Essa luz, que data da origem do cosmos, está bastante tênue após viajar por 13,8 bilhões de anos. Ela permeia todo Universo e é chamada de radiação cósmica de fundo

    Lembra que falamos, lá no começo, que o hidrogênio é o elemento mais comum do Universo? Pois é, ele é tão pretinho básico que é chamado pelos astrônomos apenas de “gás neutro”. Quando a radiação cósmica de fundo interage com o hidrogênio, os átomos desse gás neutro dão uma oscilada e liberam um pouquinho de radiação no comprimento equivalente ao rádio. É essa radiação que o telescópio Bingo vai captar aqui da Paraíba.

    Tá, e vai captar por quê? 

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    Agora estamos paramentados para entender a sigla Bingo: Baryon Acoustic Oscillations In Neutral Gas Observations (em tradução livre, “oscilações acústicas de bárions em observações integradas de gás neutro”). “Bárions” são só um nome chique para partículas como prótons e nêutrons, que compõem os átomos. É daí que vem o nome “matéria bariônica” – que usamos lá no comecinho do texto para se referir a nós e às demais coisas palpáveis e detectáveis do Universo.

    O objetivo de captar essa radiação é mapear a distribuição do hidrogênio pelo Universo. Sabendo onde há quantidades maiores ou menores de gás neutro, os cientistas são capazes de inferir dados importantes sobre a expansão do Universo. E assim dar um passo importante na investigação da energia escura, responsável pela expansão. 

    O problema de captar rádio vindo do espaço é que rádio já é um troço comum aqui na Terra. De acordo com Elcio Abdalla, professor do Instituto de Física (IF) da USP e coordenador do projeto, “o principal problema para instalação do radiotelescópio é você não ter interferência de ondas na faixa em que estamos observando, entre 960 a 1260 MHz.” 

    “Essa é uma faixa bastante utilizada e que pode sofrer interferência de emissões humanas – celulares, transmissões de rádio e TV… Rotas de aviões e geração de energia eólica também atrapalham.” Elcio explica que Aguiar foi o lugar mais limpo [do ponto de vista eletromagnético] encontrado em pesquisas no Brasil e no Uruguai – com a vantagem de ficar perto da UFCG, que é parte da parceria. 

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    O Bingo contará com duas antenas parabólicas redondas, uma com 40 m de diâmetro e a outra com 34 m de diâmetro. Elas são complementadas por 50 cornetas (lembra delas?) de 1,9 metros de diâmetro e 4,3 metros de comprimento. Por ser um telescópio planejado para receber ondas de rádio, ele está bem longe da aparência clichê um tubo com lentes – a ideia de telescópio no imaginário popular.

    Representação artística do radiotelescópio Bingo
    (Projeto Bingo/Divulgação)

    As rajadas rápidas de rádio

    Além de estudar a distribuição de hidrogênio no cosmos, o Bingo vai contribuir para a observação e estudo das Fast Radio Bursts (FRB) – em português, “rajadas rápidas de rádio”. São pulsos eletromagnéticos de alta energia, que duram milissegundos. A primeira detecção de uma FRB aconteceu em 2007, e até hoje a causa e origem dessas perturbações é desconhecida.

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    “Se a gente conseguir observar um pouco mais da estrutura desse fenômeno e o descrever do ponto de vista dinâmico, já seria fantasticamente importante”, diz Abdalla. “Observar já é muito importante. Dar uma explicação teórica – pelo menos uma indicação sobre sua origem – seria mais ainda.”

    O Bingo também vai possibilitar o estudo de um outro fenômeno: os pulsares. Um pulsar é uma estrela de nêutrons – entenda aqui o que é uma estrela de nêutrons – que gira bem depressa e emite feixes de ondas de rádio de seus pólos graças a um campo magnético extremamente forte. 

    Os pulsares submetem a matéria ao seu redor a condições pouco usuais, e seu estudo amplia nossa compreensão sobre a gravidade, a composição do universo e o comportamento de campos elétricos e magnéticos em situações extremas.

    O projeto também prevê a obtenção de informações sobre objetos mais próximos de nós. Os outriggers (telescópios auxiliares) espalhados por outras regiões do país vão possibilitar que se identifique a presença de satélites, por exemplo.

    Por fim, os cientistas envolvidos com o Bingo estão planejando palestras e apresentações em escolas e museus – dentre outros projetos para explicar ao público a ciência feita ali. Afinal, em tempos de terraplanismo, movimento antivacina e tantos outros obscurantismos, não basta lutar para fazer ciência no Brasil no presente. Também precisamos formar uma geração que cresça ciente do papel central da pesquisa para o país – e não precise brigar tanto para realizá-la no futuro.

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