A síndrome de Angelman foi relatada pela primeira vez em 1965 pelo neurologista britânico Harry Angelman, e é um distúrbio neurológico raro que causa um crescimento insuficiente do cérebro. Problemas decorrentes da doença envolvem deficiência intelectual e efeitos colaterais como alterações de comportamento, convulsões, dificuldade em andar e dormir. Em casos mais graves, pessoas nessa condição podem passar a vida inteira sem falar uma única palavra.
Uma nova terapia genética criada por cientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, porém, pretende se tornar a cura para a doença. O tratamento, que ainda não foi testado em humanos, consite em usar a ferramenta de edição genética CRISP-Cas para injetar um vírus inofensivo que infecta propositalmente os neurônios de fetos. Sua ação libera um conjunto de moléculas que corrigem as falhas genéticas do bebê ainda no útero.
A síndrome de Angelman pode ser detectada 10 semanas após o início da gestação, com um teste de DNA fetal no sangue da mãe. Mas não há tratamentos disponíveis para mulheres que recebam o diagnóstico. A chance disso acontecer, aliás, é pequena: por ser uma doença rara, é pouco comum que profissionais da saúde infantil ou neuro-psiquiatria apontem o problema. Hoje, estima-se que a síndrome afete 1 em cada 15 mil nascidos em todo o mundo.
Agora, vamos para a parte genética da coisa. Pessoas saudáveis tendem a ter duas cópias de cada gene que existe em seu código genético, uma herdada da mãe e a outra do pai. Mas não é sempre que ambas as cópias ficam ativadas. Dependendo a função que vão exercer no corpo, uma delas pode estar silenciada. O que causa a síndrome de Angelman é um problema no cromossomo 15, recebido da mãe.
Para o desenvolvimento normal do cérebro, a cópia da mãe do cromossomo 15 – mais especificamente de um gene chamado UBE3A – é ativa, enquanto a cópia do pai fica no modo off. Um eventual problema na cópia materna do UBE3A, portanto, pode fazer com que não haja nenhum gene saudável ativo.
Usando o CRISP-Cas, pesquisadores foram capazes de ativar a cópia sobressalente, herdada do pai, antes mesmo da doença se manifestar. Dessa forma, o gene interpreta a informação corretamente, e a doença não se manifesta.
Os testes in vivo iniciais sugerem que a terapia será mais eficaz se for feita no segundo trimestre de gravidez, quando o cérebro do feto está nos estágios iniciais de desenvolvimento. Estudos em camundongos e em culturas de células humanas mostram que quando a terapia gênica é administrada ainda no útero, ela ativa o UBE3A paterno de forma ainda mais eficiente. “Isso realmente levanta a possibilidade de que esta terapia genética possa ser usada em humanos”, disse o neurologista Mark Zylka, que participou do estudo, em entrevista ao The Guardian.
Em comentário durante uma reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência em Washington, nos EUA, Zylka afirmou que a terapia pode ativar genes de partes diferentes do cérebro. Entre elas estão o córtex cerebral (que é importante para a cognição); o hipocampo (parte que participa no aprendizado e a memória) e o cerebelo, que controla movimento. “Acreditamos que isso poderia fornecer um tratamento eficaz, e até uma cura, dependendo do estágio em que a solução é injetada”, disse.
Como ninguém nunca desenvolveu uma terapia genética que prevê a injeção diretamente nos cérebros dos fetos, o neurologista acha que os benefícios podem ir além da síndrome de Angelman, podendo curar outros distúrbios mais comuns, como certas formas de autismo.