A sonda Voyager 2, lançada em agosto de 1977, se tornou em 5 de novembro de 2018 o segundo objeto construído por seres humanos a alcançar o espaço interestelar.
O anúncio foi feito pela Nasa. Esse é só um item da gorda lista de feitos heróicos da sonda: na década de 1980, ela visitou Saturno, Júpiter, Urano e Netuno – um combo de planetas gigantes inédito para uma nave só –, coletando um montanha de dados científicos.
Embora sua fonte de energia – um gerador que extrai eletricidade do decaimento de elementos radioativos – já esteja fraca, ela ainda tem diversos instrumentos que seguem funcionando. Já são 41 anos sozinha no vácuo do espaço e 17,9 bilhões de quilômetros percorridos.
De carro, a 120 quilômetros por hora, você levaria 17 mil anos para fazer a mesma coisa. Teria que ter começado a viagem na pré-história.
Ainda bem que a Voyager 2 está ligeiramente mais rápido: são 15 quilômetros por segundo. Dá para ir de São Paulo a Lisboa em 8 minutos, ora pois. É bom lembrar que esse pique todo é pura inércia: a Voyager não tem motores que a mantenham acelerada. Toda sua velocidade provém da maneira como ela interagiu com a gravidade dos planetas que visitou ao longo do trajeto.
Seria bem mais fácil escrever o título desta nota se pudéssemos dizer que a Voyager 2 saiu do Sistema Solar. Mas como tudo na astronomia, não é tão simples assim.
Acontece que o Sol é algo massivo. Realmente massivo. 99,8% da massa do Sistema Solar corresponde a ele. Todo o resto, inclusive o gordinho Júpiter, está nos 0,2% restantes. A gravidade do Sol é tão intensa que há objetos 63 mil vezes mais distantes do que a Terra e o Sol que continuam sendo atraídos por ele. Ou seja: desse ponto de vista, a sonda não saiu completamente da zona de influência gravitacional do Sol – e não vai sair tão cedo.
Mas há outra maneira de determinar o que é ou não domínio do Sol: algo chamado heliosfera. O Sol tem um campo magnético muito intenso, e emite partículas com carga elétrica que seguem o traçado deste campo – da mesma maneira que a limalha de ferro se organiza de forma característica em torno de um ímã. Veja uma boa ilustração dessa ducha de partículas no GIF abaixo.
Conforme um objeto como a Voyager se afasta do Sol, a chuva de partículas fica cada vez mais suave. No lugar delas, a sonda passa a ser atingida majoritariamente por raios cósmicos, provenientes de outros lugares da Via Láctea. O momento em que essa transição acontece marca a saída da heliosfera e a entrada no espaço interestelar. O gráfico abaixo, fornecido pela Nasa, mostra o momento exato. A linha de cima representa os raios cósmicos, a de baixo, os ventos solares.
Para um cientista, o fato mais relevante do gráfico acima é que ele existe: quando a Voyager 1 – a primeira sonda a alcançar o espaço interestelar, em 2016 – cruzou a fronteira da heliosfera, o instrumento que deveria analisar esse chuveiro de partículas estava quebrado. Ela nunca pôde coletar dados assim. O PSE (Plasma Science Experiment) da Voyager 2, por outro lado, está funcionando direitinho, o que fornecerá aos cientistas informações inéditas sobre como são os limites da nossa vizinhança cósmica.
As Voyagers 1 e 2 foram lançadas em 1977 com um intervalo de alguns dias. Ambas carregam discos folheados a ouro com sons, imagens e informações sobre a Terra e os terráqueos – só no caso de algum alienígena tropeçar em uma das duas daqui uns 40 mil anos. Para uma civilização extraterrestre, descobrir que houve vida inteligente no Sistema Solar seria, sem dúvida, uma revolução cultural e científica.