A semana começou quente em Porto Alegre, onde a mostra “Queermuseu” foi cancelada pelo museu Santander Cultural após reclamações nas redes sociais de que algumas (três de 264) obras faziam “apologia à pedofilia”. As críticas se estenderam também ao conteúdo religioso da exposição, considerado ofensivo por alguns. Aí, depois disso, as redes sociais viraram palco de calorosos debates de textões sobre os limites e as funções da arte e do patrocínio à arte.
Assunto velho, tão velho quanto a arte. A voluptuosa Vênus de Willemdorf, esculpida em calcário entre 28 mil e 25 mil anos atrás, é uma das primeiras obras artísticas que se tem notícia. A pré-história, aliás, foi prolífica em imagens assim, que acabaram apelidadas de “deusas da fertilidade”.
Não se sabe se eram mesmo imagens de deusas, ou qual era o propósito dessas estátuas. Mas o tom erótico está ali, sem dúvida. O fato é que todas as formas de arte trataram todo tipo de expressão sexual possível. E de violência, guerra, atrocidades, doenças, maldade, torpor, sangue.
Natural. Mas a arte só é arte quando pode falar do que quiser?
Pensando nisso, separei alguns exemplos espalhados no tempo e no espaço de manifestações culturais que até podem ser chocantes para alguns, vivos em 2017 ou em 17 a.C., e que estão em alguns dos maiores e melhores museus do mundo.
1 – Pompeia
O Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, na Itália, tem uma ala inteira dedicada à arte erótica de Pompeia e Herculano, como se fossem aquelas alas proibidonas das antigas locadoras de vídeo. Uma das esculturas mais famosas é Pã Copulando com Bode, que mostra o deus grego dos bosques Pã fazendo sexo com o bicho com o qual compartilha chifres, orelhas e pernas.
2 – Pênis gigantes do Peru
Considerado um dos melhores museus da América Latina, o Larco Herrera, em Lima, se dedica a séculos de arte pré-colombiana do Peru. Um dos destaques é a coleção de cerâmicas de conteúdo sexual.
3 – Tentáculos
O Sonho da Esposa do Pescador, de Katsushika Hokusai, é um dos exemplos mais conhecidos de shunga, a arte erótica japonesa. A obra, de 1814, traz um eloquente polvo fazendo sexo oral em uma mulher, que ao mesmo tempo é beijada por um polvo menor.
4 – Pior (melhor?) que capa de disco de metal
“A carreta dos condenados à morte, cheia de caveiras (…) o cão macilento que mordisca o recém-nascido entre os braços da mãe morta. (…) Uma segunda mulher morta no meio da cena, cavalgada por um esqueleto (…) O morto vestido com um saio dedica-se a cortar a garganta de um peregrino. As cores da carne sanguinolenta e as pilhas de corpos, isto é um levantamento dos modos mais horríveis de morrer”, descreve o escritor Don DeLillo no romance Submundo (1997) sobre a obra-prima O Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel, o Velho. Para cada canto que se olhe da obra do holandês (sério, veja numa versão maior), o retrato é a morte da forma mais asquerosa e vil.
Um dos destaques do acervo do Museu do Prado, em Madri, ela foi pintada no distante 1562. Tão distante que naquele ano os franceses se matavam por religião (no caso, extremistas católicos massacraram huguenotes) e os ingleses começaram a fazer fortunas vendendo gente (no caso, o início do tráfico inglês transatlântico de escravos).
5 – Sanguinolência bíblica
Judite é uma personagem da Bíblia que seduz um general, Holofernes, para degolá-lo e livrar o povo de sua tirania. Enquanto admira o jorro de sangue, vale lembrar que o Antigo Testamento é uma fonte enorme de histórias de extrema violência. Mais de 1,1 milhão de pessoas são assassinadas nos textos sagrados. A relação entre violência e arte nos temas cristãos é tão natural que é raro achar alguém que se choque com a cabeça de São João Batista em uma bandeja ao entrar em uma igreja (até porque o símbolo máximo do cristianismo é um instrumento de tortura e extermínio inventado pelos persas e muito apreciado por romanos e outros povos da Antiguidade).
Caravaggio concluiu Judite e Holofernes, que está na Galeria Nacional de Arte Antiga, em Roma, em 1599. A mesma época em que Giordano Bruno ardeu na fogueira (1600) e que o Parlamento britânico aprovou uma lei que permitia o transporte forçado de condenados às colônias. Seu nome era o Ato dos Vagabundos.