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Questões infinitas: quantos grãos de areia cabem no Universo?

O grego Arquimedes tentou fazer a conta lá atrás, na Antiguidade clássica – e esse foi um passo essencial na compreensão do conceito de infinito

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 dez 2019, 12h07 - Publicado em 26 jun 2017, 17h47
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  • Pense em um número grande – o maior que você puder imaginar. E então dê a ele o nome que quiser. Pode ser Jairo. Ou Googol, mas alguém já teve essa ideia antes – quem atende pelo nome engraçadinho é o interminável 10100, batizado pelo sobrinho de nove anos de um matemático americano em 1920 (para entender melhor a história desse e de outros números tamanho jamanta, vale subir na máquina do tempo de H.G. Wells e visitar um artigo publicado na SUPER em 1988).

    Não quero ter problemas de copyright, então vamos ficar com nosso típico brasileiro – obrigado ao padrinho e repórter Guilherme Eler pela sugestão de nome. Não importa o quão grande seja Jairo na sua cabeça, ele ainda será um exercício inútil: você sempre poderá fazer Jairo + 1, ou Jairo + 2, ou Jairo + Jairo. Eleve Jairo ao quadrado e você não chegará nem perto de algo bem maior que ele: o infinito.

    É fácil explicar o adjetivo infinito. Ele denota algo sem início nem fim, inumerável. Difícil mesmo é pensar no conceito pra valer, na prática, e não na definição. A gente acaba pensando em algo muito grande, como Jairo, e não em algo em que o próprio Jairo caberia incontáveis vezes.

    Arquimedes foi o primeiro ser humano da história registrada a sacar que ninguém sacava o infinito. Filósofo, matemático, astrônomo, engenheiro etc. – um dos épicos currículos da Grécia Antiga –, o pensador provavelmente viveu entre 282 a.C. e 212 a.C. em Siracusa, na ilha da Sicília, na Itália.

    Ele era amigo do rei do pedaço na época, um tal Gelon. Mais do que isso, era um conselheiro de assuntos místicos e científicos, espécie de agregado (José Dias, alguém?) muito próximo da família real. Um dia, em um momento que renderia uma vaga na redação da SUPER, Arquimedes, meio puto com a banalização do conceito de “infinito”, mandou um textão para o rei.

    Intitulado O Contador de Areia, o documento indignado (que sobreviveu a mais de dois milênios e pode ser lido aqui) é um dos primeiros artigos científicos da história. Em outras palavras, foi uma das primeiras vezes em que um ser humano registrou de forma esquemática os resultados de atividade intelectual guiada pelo método científico. Ficou sério demais? Não se preocupe: na prática, o matemático apresenta suas queixas em tom de fofoca de comadres.

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    “Há alguns, Rei Gelon, que acham que o número da areia é infinito; e não me refiro só à areia que existe na Siracusa e no resto da Sicília, mas também à que é achada em qualquer região, habitada ou não. Novamente há alguns que, sem considerá-lo infinito, ainda pensam que nenhum número foi nomeado que seja grande o suficiente para exceder sua multiplicidade” (a tradução é o mais fiel possível à original).

    Já na introdução Arquimedes demonstra perceber algo bem surpreendente para os padrões da época: que infinito é algo bem diferente de um número finito, mas grande demais para ter um nome. Ele sabe que há muita areia na Terra. Mas sabe também que esse número, apesar de grande, precisa ter um fim.

    Hoje nós temos representações visuais dos números. Portanto, é fácil aceitar a existência de algo como 1.000.000.000.000.000.000.000.000, mesmo que ninguém saiba seu nome por extenso. Os gregos daquela época, por outro lado, não eram bons em associar sequências de símbolos a quantidades – os algarismos foram inventados pelos árabes muitos séculos depois. Nessa terra em que os zeros não tinham vez, a capacidade de dar nome a um gigante era muito admirada – e números grandes demais para serem nomeados (como o número de grãos de areia da Terra) acabavam igualados ao infinito por serem impalpáveis, inconcebíveis. É aí que vem a alfinetada.

    “Eu digo então que, mesmo se uma esfera fosse feita de areia, tão grande quanto Aristarco supõe ser a esfera das estrelas fixas, eu ainda hei de provar que, dos números nomeados nos Princípios, alguns excedem em multiplicidade o número de areia que é igual em magnitude à referida esfera.”

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    OK, agora complicou para valer. Mas vamos lá. Princípios é o título de uma obra da época que foi muito respeitada por dar nomes como Jairo a números ridiculamente grandes – colaborando com sua identificação. Aristarco foi outro gênio de seu tempo: ele foi o primeiro heliocentrista, e seus cálculos, quase dois mil anos antes de Giordano Bruno, já levavam em consideração o Sol como centro do Universo conhecido.

    Hoje, o que entendemos por Universo é um espaço imenso, talvez infinito, que contém bilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas. Na época, porém, a palavra universo remetia a uma esfera com a Terra no centro, uma porção de astros em sua órbita e, “pintado” na parede interna desse globo, o céu estrelado (as tais “estrelas fixas). Fica mais fácil de entender vendo esta ilustração – nada exata do ponto de vista histórico, mas que segue o mesmo princípio.

    O que Arquimedes faz, portanto, é uma aposta: tendo em mãos suas próprias estimativas das distâncias entre a Terra, o Sol e o firmamento, ele afirma ser capaz de calcular quantos grãos de areia seriam necessários para preencher o Universo conhecido todinho. E, veja só que ousadia, dar nome a esse número. Em outras palavras: não bastou provar que o número de grãos de areia da Terra é finito. Ele também quis provar que o número de grãos de areia do próprio Universo, fosse ele todo feito de areia, também teria um fim.

    É claro que o grego não teria entrado para a história se não fosse capaz da façanha. Primeiro, para dar bases sólidas a seu argumento, fez estimativas assustadoramente precisas considerando o equipamento tecnológico disponível na época (no caso, seu cérebro). Uma delas é a de que o diâmetro do Sol é pelo menos 30 vezes maior que o da Lua. Se imagine na posição de um astrônomo que só podia confiar em seus olhos, e você perceberá que, vistos daqui, Sol e Lua têm discos de tamanhos similares – a verdade, nesse caso, é contraintuitiva.

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    Arquimedes também cometeu seus deslizes, alguns homéricos: calculou que o perímetro da Terra teria cerca de 3 milhões de estádios. O estádio é uma unidade de medida arcaica sem equivalência fixa com o sistema métrico. É possível arredondá-lo para 180 m, o que daria ao planeta 540 mil quilômetros de perímetro. Nossa bola azul, na verdade, tem “só” 40 mil quilômetros de perímetro.

    É claro que a precisão desses valores importa pouco ou nada para nós: a própria concepção do que era Universo na época (a esfera mencionada anteriormente) correspondia a uma região menor do que a que hoje chamamos de Sistema Solar. Encher esse trecho de areia, portanto, não seria lá muito vantagem para a ciência contemporânea.

    Também vale lembrar que ele estava em contato com as ideias de outros gênios, como o Aristarco mencionado acima. Muitas de suas ideias são diretamente baseadas nas desses pensadores, que recebem os devidos créditos.

    Estabelecida a estrutura e volume do Universo, chegou a hora de calcular o tamanho de um grão de areia e fazer as multiplicações. Ele chegou a um valor devidamente astronômico – e também finito: 1051. Para lidar com essa cacetada de zeros, criou um método de cálculo baseado em potências que lembrará, a estudantes de Ensino Médio, os logaritmos atuais. Haja neurônios! No link para o texto original, que vou deixar aqui de novo, adeptos das Exatas poderão acompanhar o raciocínio em linguagem matemática.

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    Essa é uma ideia avançada – as consequências de um número grande, porém limitado, de combinações entre átomos são uma questão central nas especulações da astrofísica contemporânea. Não darei spoilers, mas há uma matéria incrível sobre esse assunto na SUPER de julho, que logo estará nas bancas.

    Este post foi inspirado pelo livro Infinity: The Quest to Think the Unthinkable (“Infinito: A Busca para Pensar o Impensável”), de Brian Clegg. A obra não tem tradução em português, mas quem lê inglês está convidado a apreciá-la: a história acima é só a ponta de um iceberg sem fim.

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