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Inteligência: Coisas de gênio

Associação de idéias é imediata: a criança capaz de enfrentar complicados problemas matemáticos tem algo de diferente — é um ser superdotado. Mas o que será que os superdotados têm de diferente? A resposta definitiva ainda não foi encontrada, mas os cientistas trabalham com uma suspeita: qualquer pessoa pode ser genial

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 jan 1989, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Diante dos olhares de espanto da imperatriz Maria Teresa, da Áustria, aos 6 anos de idade Wolfgang Amadeus Mozart fazia brotar do piano os acordes inspirados de suas primeiras sonatas. Três anos mais tarde, tomado por uma irremediável aversão ao estudo convencional, decidiu que dali em diante só leria partituras. Ninguém pode lamentar ter perdido em Mozart um químico apenas medíocre ou um escriturário esforçado. Pior seria se a humanidade tivesse inibido a floração de um dos seus mais talentosos compositores – o que poderia perfeitamente bem acontecer se Mozart não vivesse na Salzburgo do século XVIII, uma cidade voltada para as artes. Hoje em dia Mozart talvez já tivesse sido induzido pela família ou pelos professores a esquecer o fascínio pela música em troca de um dez no boletim. Lamentável, pois Mozart é um exemplo de pessoa superdotada.

O conceito de superdotado, até há pouco tempo, servia de legenda para a imagem caricatural do garoto franzino, craque não no futebol e sim em complicadas questões de Química, Matemática ou Física, entre outros saberes que costumam driblar a meninada dita normal. Hoje se sabe que nem todo superdotado tem o perfil de primeiro da classe. Além das pessoas com inteligência acima da média, superdotados também são aqueles com capacidade excepcional para realizar tarefas, muitas vezes à distância de salas de aula e laboratórios. É certo que em algumas pessoas existe algo diferente que as faz geniais.

Sem dúvida, os fatores culturais impõem seus limites à genialidade. Ao esboçar um helicóptero em pleno século XV, quando o homem nem sequer podia imaginar o automóvel, o florentino Leonardo da Vinci só poderia ser tachado de visionário. Da mesma forma, se Isaac Newton tivesse nascido numa tribo da Nova Guiné, e não na Inglaterra do século XVII, não teria chegado a formular a lei da gravitação, porque para os guinéus, ser inteligente é saber de cor e salteado o nome de 10 mil clãs. Entre os limites erguidos pelos valores culturais, porém, nascem três superdotados em cada cem pessoas, independentemente de raça, sexo ou classe social, segundo as estatísticas.

Isso significa que, dos cerca de 4 milhões de brasileiros que devem nascer este ano, 120 mil merecem estar nessa categoria – o equivalente à população inteira de uma cidade como Teresópolis, no Estado do Rio. Significa também que o Brasil, com seus mais de 140 milhões de cidadãos, teria uma formidável legião de 4 milhões de gênios em potencial, como se toda a população de Santa Catarina, por exemplo, fosse constituída de superdotados. Não é preciso que alguém os ensine a ser brilhantes. Em geral, eles desenvolvem espontaneamente o seu talento – daí fenômenos como os de crianças que até aprendem a ler sozinhas ou que desmontam e montam o rádio do pai sem causar danos.

“A.habilidade do superdotado costuma aparecer cedo. Mas isso não significa que não possa haver um superdotado adulto perdido na multidão”, esclarece o psicólogo paulista Oswaldo Barros Santos, que há dez anos observa o comportamento dessa gente tão especial, na condição de um dos fundadores da Associação Brasileira para Superdotados, com sede no Rio de Janeiro.

Oswaldo aponta como característica marcante no superdotado o amor intrínseco pelo trabalho. “Eles costumam fazer as coisas para si e muitas vezes nem divulgam o que criam ou descobrem, dispensando a platéia.”

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Essa atitude, em certas ocasiões, é interpretada com timidez. Contudo, dificilmente a timidez impede o superdotado de chamar a atenção. Isso porque, embora possa desenvolver bem mais certas habilidades do que outras, o superdotado não costuma ser muito ruim em nada. Seu desempenho, em geral, é sempre superior ao da média das pessoas.

O psicólogo nega que tamanho talento lhes cause problemas. “A não ser na infância”, admite Oswaldo, “pois o superdotado amadurece mais cedo.” É o caso da menina que, com 8 anos de idade, quer ir a uma festa à noite com uma garota de 12. Os pais podem proibi-la; as crianças mais velhas podem rejeitar sua companhia. Surgem, então, conflitos superados na vida adulta, quando ela terá liberdade para fazer o que quiser. Se os pesquisadores do comportamento, como os psicólogos, podem comparar certo número de casos de superdotação e daí tirar conclusões, o mesmo não acontece com os médicos.

O interesse pelo assunto é recente e ainda não existem amplos estudos do cérebro de superdotados que permitam o entendimento dessa condição”, justifica o neurologista infantil Saul Cypel, da Universidade de São Paulo. Cauteloso como seus colegas diante do fenômeno, Cypel não encontra explicações na Medicina para o fato de os superdotados amadurecerem mais cedo, muito menos para a simples existência de pessoas excepcionalmente talentosas. Só há hipóteses e mesmo assim ainda à espera de comprovação no exame de cérebros.

Quando morreu Albert Einstein – um gênio acima de qualquer suspeita -, seu crânio foi aberto em busca de indícios físicos para sua genialidade. Mas o estudo do cérebro einsteiniano não levou a nada – talvez por falta de comparações. Uma hipótese, em todo caso, é a de que as células cerebrais no superdotado têm um número maior de conexões entre si do que numa pessoa comum. “Teoricamente, quanto mais conexões nessas células, melhores os recursos intelectuais de alguém”, explica Cypel. Ampliadas pelo microscópio, essas conexões formadas no decorrer da vida parecem finas ramificações das células nervosas. É como se cada célula ou grupo de células guardasse certa quantidade de informações e essas conexões permitissem toda sorte de associação entre elas.

“Mais conexões ajudam a buscar na memória pistas para criar soluções adequadas a qualquer problema”, suspeita Cypel. Segundo ele, também é possível que os neurotransmissores – substâncias responsáveis pelos estímulos nervosos – funcionem de maneira peculiar nos superdotados.

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Outros cientistas desconfiam que a superdotação possa ser causada por pequenas lesões ocorridas antes ainda do nascimento. A estranha idéia surgiu da observação dos idiots savants (idiotas sábios), pessoas retardadas devido a lesões cerebrais e, não obstante, capazes de exercer alguma atividade extremamente bem. Assim, os médicos citam casos de retardados capazes de realizar de cabeça complexos cálculos matemáticos. A superdotação não teria a mesma origem? “É apenas uma teoria”, acautela Cypel.

Para a bióloga gaúcha Eni Peinado Viñolo, da Universidade Católica de Porto Alegre, qualquer explicação isolada para o fenômeno é incompleta. “Todo o organismo do superdotado parece funcionar de forma mais harmônica do que na maioria das pessoas”, frisa ela. Uma das razões estaria nos hormônios, produzidos em doses ideais no superdotado. Como os hormônios mexem com as emoções, o superdotado nem é muito lento para decidir, nem explode de impaciência. “Também demora mais para alcançar o estado de estresse, o que o deixa mais apto ao estudo ou ao trabalho”, diz Eni. Hormônios bem sintonizados não fabricam superdotados, mas seriam parte da resposta para o enigma.

A bióloga aponta ainda um fator, insuspeitado para os leigos, que após anos de estudo ela considera “importantíssimo”: a capacidade do organismo de absorver proteínas, substâncias essenciais para o sistema nervoso. Essa característica, transmitida geneticamente, faz com que certas pessoas consigam assimilar mais nutrientes até do que outras, beneficiadas por uma quantidade maior de alimento. “Isso ajuda a explicar por que a mesma proporção de superdotados aparece nas pessoas, seja qual for a sua condição social e econômica”, nota Eni.

Tampouco há sinais de grandes diferenças entre homens e mulheres nesse terreno. Mas testes realizados por psicólogos americanos na década de 70 produziram um curioso resultado: em Matemática, os homens superdotados são, inexplicavelmente, melhores do que as mulheres superdotadas – e nas outras áreas testadas os resultados se equivalem. De acordo com outro estudo, entre crianças superdotadas a incidência de miopia é quatro vezes maior do que nas demais crianças da mesma idade. Em compensação, as crianças superdotadas tendem a ser mais altas e mais robustas. Além disso, uma terceira pesquisa indica que em cada três canhotos, dois são superdotados.

Mas não se tem a menor idéia da relação – se é que existe – entre genialidade, de um lado, e miopia ou robustez, ou ainda canhotismo, de outro. Por enquanto, os cientistas estão mais preocupados em verificar o papel da genética na superdotação. A crença de que filho de gênio é gênio difundiu-se muito, embora a ciência não assine embaixo. Nos Estados Unidos, por exemplo, centenas de mulheres se candidataram a uma doação de um certo Instituto de Seleção Germinal, fundado por um magnata americano em 1980, com o expresso objetivo de “aperfeiçoar a espécie humana”.

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Seria, talvez, mais um banco de esperma, não tivesse entre os seus doadores prêmios Nobel como o físico William Shockley, que na década de 50 inventou o transístor. No entanto, para a decepção das candidatas as mães de superdotados (mulheres geralmente casadas com homens estéreis) filhos de pais ilustres, até hoje não nasceu nenhum gênio. Outra linha de pesquisa sustenta que qualquer um pode ser gênio, independentemente da bagagem genética desde que seja estimulado nos primeiros anos de vida. Pesquisadores soviéticos acreditam que o terceiro ano de vida é o limite máximo para se aumentar a capacidade intelectual de alguém.

Por isso, os pais são exortados a proporcionar aos bebês todo tipo de estímulo sensorial: jogos de luzes, audição de ruídos diversos, massagens, além de muita ginástica, porque o desenvolvimento do sistema nervoso acompanharia o desenvolvimento físico geral. Nos Estados Unidos, métodos muito parecidos estão sendo usados, e o treinamento pode começar na barriga da mãe. Através de aparelhos ligados ao ventre da gestante, o feto ouviria de sinfonias a concertos de rock, além das vozes dos pais. Os adeptos dessa prática asseguram que os bebês, após esse aprendizado intra-uterino, nascem mais fortes e desenvolvem reflexos precocemente.

Na pior das hipóteses, mal não há de fazer. O psicólogo americano Glenn Doman, citado até no filme Presente de grego, estrelado pela atriz Diane Keaton, é um dos pioneiros na educação de superbebês. No seu instituto, em Filadélfia, Doman alega que consegue ensinar crianças de 3 anos a ler, falar uma língua estrangeira e ainda dominar as quatro operações com números de até dois algarismos. Essas proezas costumam ser divulgadas com boa dose de sensacionalismo, mas as explicações são relativamente simples. Uma criança tem facilidade natural para aprender mais de um idioma, como qualquer filho de emigrante sabe. Em relação a saber ler e calcular, Doman admite que seus superpacientes não entendem nada do que fazem, apenas decoram o que lhes é mostrado em desenhos e fotos. Esse tipo de treinamento é visto com extrema reserva pela maioria dos pedagogos. Eles acham que decorar coisas demais nos primeiros anos de vida pode até inibir a criatividade. Mas Doman insiste que a criatividade pode ficar para depois: o importante, segundo ele, é armazenar o máximo de informações num primeiro momento. O cérebro seria programável como a memória de um computador, diz ele.

Outros centros de estudos surgem não propriamente para criar gênios, e sim para desenvolver os superdotados identificados em escolas comuns. Japão, Estados Unidos, Israel e União Soviética são os países que mais investem em centros de estudos especiais para superdotados e têm, juntos, cerca de 2 mil desses centros. Entre os educadores, porém, há uma polêmica. Muitos, como a pedagoga Therezinha Fram, presidente da Associação Brasileira para Superdotados, em São Paulo, acham que “os superdotados não devem ser separados. As escolas comuns é que devem enriquecer seus currículos, prevendo que terão alunos com um nível de exigência maior do que a média”.

Propostas nessa direção foram apresentadas no I Encontro de Brasília sobre Superdotados, em novembro último. Após três dias de debates, 180 especialistas entregaram ao Ministério da Educação um documento no qual solicitam que as empresas e as escolas criem projetos para os superdotados aperfeiçoarem seus talentos. Serve de modelo o projeto da Universidade de Campinas, onde, ainda este ano, haverá cursos para crianças com grande habilidade para a Informática. Na reunião de Brasília, também se apontou a necessidade de ensinar as professoras a identificar alunos superdotados. Muitos educadores, por exemplo, parecem achar que estudante com nota baixa não pode ser superdotado em hipótese alguma. Mas nem sempre o boletim é o melhor atestado de superdotação – o contrário pode ser verdade. “É relativamente comum o superdotado ir mal na escola”, conta Therezinha. “Por exemplo, alguém com muito talento em Matemática pode se fechar num mundo de cálculos e se esquecer das demais matérias.” Outra característica comum é a indisciplina, porque o superdotado aprende em cinco minutos aquilo que seus colegas levam uma hora. “E daí o resto do tempo é consumido em atitudes que muitas vezes irritam o professor mal preparado”, comenta a pedagoga. Os famosos testes de Q.I.(quociente de inteligência) também já foram aposentados enquanto instrumentos para avaliar a superdotação. Entre outros motivos, porque em testes desse tipo a rapidez com que as respostas são dadas conta pontos – e o superdotado não é necessariamente o mais rápido, mas aquele que analisa o problema de maneira mais profunda e original.

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Além disso, os cientistas sabem que a inteligência não é um atributo que se define exclusivamente como uma rua de mão única. Observando os superdotados, eles descobriram que existem pessoas com um incrível poder de síntese e que são apenas medíocres na capacidade de analisar um problema; outras são criativas, mas não usam a lógica. Enfim, como diria Einstein, ser inteligente é muito relativo. Na maneira convencional de ver as coisas, só é gênio quem sabe usar a cabeça de modo excepcional. Na verdade, qualquer aptidão humana exercida com soberba mestria é coisa de superdotado. Como a música de Mozart. Ou o futebol de Pelé.

 

Para saber mais:

O endereço da inteligência

(SUPER número 12, ano 3)

 

Mozart, a flauta mágica

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(SUPER número6, ano 5)

 

 

 

As melhores notas

Eram oitenta vagas para candidatos do mundo inteiro, despertando o interesse de músicos que sonhavam estudar com o francês Pierre Boulez, um dos maiores regentes e compositores da atualidade. O cartaz sobre o curso – realizado na França em julho passado – chamou a atenção de um violinista curitibano de 17 anos, que começou a compor com apenas 7. Rodolfo Richter mandou uma fita a Boulez e este, depois de ouvi-la, garantiu-lhe a vaga no curso, na certeza de que o jovem é um dos grandes talentos artísticos atuais.

“Nem sei por que me envolvi tão cedo com a música”, diz Rodolfo, que por sinal também tem dois irmãos músicos e fica sem jeito ao ouvir a palavra superdotado.

O último ano do curso colegial ele “vai tocando”, enquanto lamenta não ter oito horas (mas apenas cinco) para o violino. A vontade de se aperfeiçoar o leva a viajar duas vezes por mês a São Paulo para tomar aulas. Este ano pretende conseguir uma bolsa para o exterior – o que, a julgar pela opinião de Boulez, não lhe será difícil.

 

 

 

Os gostos de um autor

Como a grande maioria dos garotos de sua idade, Leandro de Campos Gomes, 14 anos, não sabe direito o que vai fazer quando crescer: “Pode ser Astrofísica ou Engenharia”, responde despreocupadamente. Mas, como raríssimos de sua idade, ele tem sérios projetos para este ano: terminar dois livros, um de contos e outro, técnico, sobre programação de computadores. Leandro bem pode ser chamado de superdotado. Sua estréia como autor foi há um ano, quando publicou uma breve história do computador, após ler mais de duzentos textos sobre o assunto.

O micro e as prateleiras cheias disputam o espaço de seu pequeno quarto, numa casa de classe média em Campinas, no interior paulista. É ali que Leandro, filho de pai jornalista e mãe dona de casa, passa horas entregue à sua diversão predileta: os livros de ficção científica de lsaac Asimov. “O garoto entende de computador como poucos e ainda consegue transmitir suas idéias como quem está habituado à literatura, define Jaime Pinsky, editor de Leandro. Menino de poucas palavras, ele parece não se entusiasmar com elogios desse tipo: “Se tenho mais facilidade com algumas coisas, isso não me torna diferente dos meus amigos.

 

 

 

Inteligências em jogo

O único brasileiro a ser finalista em um campeonato mundial de xadrez é um gaúcho de 8 anos. Giovani Portilho Vescovi, menino com ar de adolescente, mal havia completado 2 anos quando, de tanto observar o pai, aprendeu sozinho a montar o tabuleiro. Aos 6 começou a treinar o jogo num clube de São Paulo, para onde a família se mudou. No ano seguinte, obteve em Porto Rico a taça de vice-campeão do torneio mundial na categoria infantil. “ Foram seis horas de jogo”, lembra Giovani com displicência, como se fosse natural alguém de sua idade ficar tanto tempo debruçado sobre um tabuleiro.

Mas Giovani não é o único campeão da família nem o único dos Vescovi a candidatar-se ao título de superdotado: o irmão Giuliano, dois anos mais novo, também treina xadrez diariamente desde os 4 anos, quando estudava os movimentos do jogo pelas ilustrações de um livro, já que então não sabia ler. “É divertido”, resume Giuliano com o ar travesso que falta ao irmão. Campeão paulista na categoria dente-de-leite no ano passado, Giuliano quer enfrentar novos adversários por um motivo muito especial: “Ganhar uma taça desse tamanho”, diz abrindo os braços. Já Giovani treina para participar, daqui a dois meses, no Open Americano de Nova York. O treino só é interrompido na hora de brincar. Mas brincar, para ele, muitas vezes significa resolver problemas de livros de Matemática da sexta série – um verdadeiro desafio, para quem ainda está na terceira.

 

 

 

Prêmio ao texto

Avisada à última hora do concurso, a estudante Arlene Corigliano correu contra o relógio para traçar em poucas páginas um paralelo entre a sociedade brasileira atual e a do fim do século passado, como esta aparece no livro O cortiço, de Aluísio Azevedo, que havia lido dois anos antes, aos 15. A professora da Escola Municipal Caetano de Campos, onde Arlene estuda em São Paulo, mandou o texto para a XIII Bienal Internacional do Livro, no ano passado, e aconteceu o que ela previa: a moça ficou com o primeiro lugar, entre milhares de redações de estudantes paulistas.

“Ela não é talentosa por ter simplesmente vencido um concurso”, esclarece a professora Yauko Shiguematsu, “ mas sim porque, não importa o tema, seus textos prendem até a última linha.” Arlene tem uma característica típica dos superdotados – o talento manifestou-se espontaneamente. Sempre gesticulando, ela não se intimida em revelar que só conheceu o primeiro romance na adolescência, por obrigação escolar. Mesmo assim vinha escrevendo desde menina “uma redação por dia”. A diferença é que agora Arlene se habituou a ler, embora nem sempre lhe sobre dinheiro para comprar romances. Por isso, trocou a viagem a que tinha direito, graças ao primeiro lugar na Bienal, por cinqüenta livros.

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