A prestação do carro está vencendo, a crise roeu suas economias, o computador travou de vez e o mala do chefe insiste em pegar no seu pé. O resultado disso é clássico: estresse. Ninguém gosta de ter fumaça saindo pelas orelhas – mas, acredite, essa pressão faz muito bem para você. Pelo menos é o que diz Bruce McEwen, neurocientista e professor da Universidade Rockefeller, em Nova York. Segundo McEwen, o estresse é fundamental para a nossa sobrevivência. Quando sentimos o mundo cair sobre a cabeça, o cérebro nos prepara para reagir ao desastre. Ficamos prontos para tomar decisões com mais rapidez, guardar informações que podem ser decisivas e encarar desafios e perigos. Ou seja: pessoas estressadas potencializam sua capacidade de superar um problema, na visão do professor (funciona quase como o espinafre para o Popeye). Mas há um porém: se nos estressamos demais, os efeitos benéficos acabam revertidos. Nosso cérebro falha, e funções como a memória acabam prejudicadas. É por isso que precisamos aprender a apreciar o estresse com moderação. O segredo estaria em levar uma vida saudável e buscar atividades que deem prazer, como diz McEwen – autor do livro O Fim do Estresse Como Nós o Conhecemos – na entrevista que concedeu à SUPER.
O estresse costuma ser encarado como vilão. Por que você defende a tese de que ele faz bem?
Porque o estresse representa um sinal de que estamos saudáveis. Ele é uma carga de ansiedade que todos recebemos para evoluir na vida. E estamos falando de situações que vão desde trazer comida para alimentar a família até conseguir um cargo mais alto na empresa.
Como assim?
Ficamos estressados sempre que nos sentimos ameaçados, como em situações de perigo ou de desafio. A resposta do cérebro a esse estado é uma dose de preocupação e agitação, que nos ajuda a resolver as tarefas em que estamos focados. Ou seja, ficamos mais competitivos e alertas. A chave desse processo é o cortisol, conhecido como hormônio do estresse e liberado pelo cérebro em situações de pressão. Como o cortisol está relacionado ao hipocampo, uma parte do cérebro importante para a memória e para o aprendizado, sabemos que o disparo desse hormônio faz com que fiquemos mais vigilantes.
Como sentimos essa reação no dia-a-dia?
Por meio das respostas que o cérebro ativa quando detecta uma situação de estresse: ansiedade, coração acelerado, liberação de adrenalina, aumento das funções da memória. São recursos do corpo que nos ajudam a identificar um perigo. Na vida moderna, essa ameaça pode ser uma briga com o namorado ou o esforço para cumprir os prazos impostos pelo chefe no trabalho. É por isso que sabemos que o estresse existe – e aqui está a boa notícia – para auxiliar a nossa sobrevivência, e não para nos matar, como muita gente acredita.
Mas a resposta do corpo não parece nada positiva quando nos estressamos. Será que os benefícios do estresse não ficam só na teoria?
Há críticos que dizem isso. Mas não há dúvida de que os mecanismos que causam o estresse existem para nos proteger e nos manter vivos. Também não há dúvida de que esses mesmos mecanismos, quando desregulados, causam doenças comuns nos dias de hoje, como depressão, obesidade, diabetes, artrite. O que falta no discurso dos críticos é dizer que o problema está em como o corpo reage a situações estressantes – uma resposta exagerada pode nos levar à exaustão e exigir uma reposição das nossas energias.
Então você acha que o estresse pode, sim, passar de mocinho a bandido?
Sim. Há 3 níveis de estresse: o bom, o tolerável e o tóxico. No nível extremo de estresse, as células do hipocampo perdem conexões com outras áreas do cérebro e se encolhem. Isso prejudica, por exemplo, o armazenamento da memória. Por isso sentimos que ficamos meio estúpidos quando passamos por muito estresse. É como se o cérebro parasse de funcionar e não processasse mais informação. Não há dúvida sobre os malefícios do estresse quando esse ponto é atingido. Entretanto, se o nível de cortisol no organismo funciona como deve, o cérebro é capaz de processar as respostas ao estresse.
É possível saber quão estressados estamos?
Sim. Uma forma é a escala do estresse desenvolvida na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh. Ela é formada a partir de 10 perguntas, para as quais há uma pontuação. São questões básicas, como “Você se sente capaz de resolver seus problemas pessoais?”, “Você tem conseguido controlar sua irritação?” ou “Você sente que as dificuldades têm sido tão grandes que não poderá vencê-las?” O resultado mostra se você está sob um estresse bom, tolerável ou tóxico. Também é possível descobrir isso por meio de exames com amostras de sangue, saliva ou urina – eles medem o nível de cortisol e adrenalina no sangue. Mas esses testes têm de ser feitos constantemente.
Por quê?
Não se pode simplesmente avaliar o nível de hormônios no corpo e cravar que alguém está sob estresse tóxico. Cortisol, por exemplo, também é liberado sob o estresse bom. Mas o nível dele voltará ao normal assim que a situação estressante acabar, se estivermos bem. No nível tóxico de estresse, o cortisol é liberado dia e noite, sem parar, e ficamos sem suporte psicológico ou físico para lidar com os desafios que aparecem no nosso caminho. Por isso os testes têm de ser feitos continuamente – se o nível de cortisol estiver sempre alto, a pessoa estará com problemas.
E como nos mantemos sob o estresse bom?
Viver em um turbilhão de situações estressantes nos põe sob um estado de alerta constante, que leva o corpo ao desgaste e desencadeia doenças. Portanto, valem conselhos antigos: ter um estilo de vida saudável, alimentação balanceada, fazer exercícios físicos, dormir bem, não exagerar no consumo de álcool, não fumar, ter boas relações com as pessoas. Se o corpo funcionar bem, viveremos sob o bom estresse. Discutir os problemas também pode ajudar. Já reparou como falamos sobre o estresse como se estivéssemos falando do clima? Virou uma forma de quebrar o gelo e começar uma conversa com um desconhecido. Esse desabafo pode ser o primeiro passo para aliviar as sensações de estresse.
Homens e mulheres são afetados de formas diferentes pelo estresse?
Sim. As mulheres tendem a ser mais suscetíveis a mudanças em seu ambiente social, por serem consideradas mais sensíveis. Elas também tentam alcançar seus objetivos ao mesmo tempo em que se preocupam em manter um bom ambiente de convívio. E mais frequentemente precisam definir prioridades entre família e carreira, pois cedem com mais facilidade aos instintos maternais. Já os homens são capazes de passar por cima disso tudo para cumprir uma meta. Eles se deixam guiar mais fortemente por seus objetivos. E, quando pressionados, tornam-se mais competitivos e agressivos.
Isso afeta nossos relacionamentos?
Sim. No ambiente de trabalho, por exemplo. Quando o estresse é ativado, a competitividade masculina pode levar um homem a se destacar mais por querer cumprir seus objetivos com sucesso. A mulher, por sua vez, fica mais preocupada em manter boas relações interpessoais, e acaba sendo alvo de preconceito por não parecer durona. A tendência do homem de preterir as relações sociais pode ter algo a ver com o fato de existirem mais homens em cargos de chefia e com salários mais altos, inclusive.
Estamos no meio de uma crise econômica. Isso piora o estresse da população mundial?
O que podemos dizer é que investidores perderam dinheiro. Mas alguém que coloca as economias na bolsa dificilmente enfrenta os mesmos tipos de problema que uma pessoa que não tem recursos sequer para comer. Questões financeiras podem influenciar, sim, o nível de estresse – mas a crise não afetou a exposição ao estresse por classe social que já víamos.
Que exposição é essa?
Num país desenvolvido, são as pessoas na base da pirâmide – em termos de renda e escolaridade – que tendem a ser mais afetadas por doenças relativas ao estresse. Eles vivem em más condições, sem segurança e certeza sobre o futuro, enquanto os com maior renda e escolaridade têm mais condições de cuidar da saúde. Já em economias em desenvolvimento, quem está mais exposto a doenças relativas ao estresse são as pessoas no topo da sociedade. E a explicação disso é a alimentação. Nesses países, os mais ricos abusam de alimentos industrializados. Eles comem muito! E têm de viver em uma estrutura social menos estável, em que ainda precisam fazer esforço para vencer desafios. Essa combinação torna o corpo frágil, e portanto uma presa mais fácil para os males que vêm com o estresse.
Como é no Brasil?
Acredito que ricos e pobres estão ambos suscetíveis aos males do estresse no Brasil. No topo, temos tanto pessoas que cuidam bem da saúde quanto gente que ainda come demais. Na base da pirâmide social, as situações estressantes são outras: falta de segurança, recursos escassos e incertezas sobre o futuro.
É possível nos livrarmos do estresse?
Sempre sentimos e sentiremos o estresse de alguma forma. E, quanto mais organizada e complexa for uma sociedade, mais o estresse tóxico aparecerá. O motivo é que as ameaças em uma sociedade complexa são mais numerosas e sutis do que em uma sociedade de organização mais simples. Não existe um grande predador – como a falta de comida -, e sim diversas ameaças, que podem ser a competitividade no trabalho ou a performance em um encontro romântico. E nem sempre conseguimos descansar depois de uma situação estressante, o que prejudica a recuperação do corpo e nos expõe ao pior tipo de estresse.
O estresse nosso de cada dia
Entenda como nos intoxicamos com algo que supostamente existe para nos manter vivos
Surge o inesperado
O cérebro percebe que uma situação ameaçadora está prestes a acontecer e se prepara para tomar decisões com rapidez. É a clássica resposta ao estresse, conhecida como “encare ou corra” – ela serve para nos ajudar a resolver um problema ou fugir dele, se assim preferirmos.
O corpo fica alerta
Enquanto calcula se devemos encarar o inimigo ou correr dele o mais rápido possível, o cérebro dispara cargas de cortisol e adrenalina – hormônios responsáveis por acelerar nosso coração, armazenar mais energia, mantê-la guardada e nos deixar mais vigilantes.
O bom estresse
Essa dose extra de atenção funciona como uma vantagem em situações desafiadoras e nos dá mais chances de realizar uma tarefa. Os níveis de cortisol e adrenalina devem voltar ao normal assim que a situação estressante terminar. Do contrário, temos um problema.
…Passa a tóxico
Quando o nível de cortisol, conhecido como hormônio do estresse, se mantém alto e constante durante todo o dia, o cérebro começa a falhar. A memória fica prejudicada, e nos sentimos “burros”. Tudo porque ficar sob estado de alerta constante deixa o nosso corpo exausto e desgastado.
Bruce McEwen
– Nasceu no Colorado. Seu interesse por ciências começou no ensino médio.
– É formado em química e biologia celular.
– Tem 71 anos, 40 de carreira, e está casado pela 2ª vez. Possui 4 filhos e 7 netos.
– Mora em um apartamento em Manhattan e foge da cidade sempre que pode para uma casa em Nova Jersey.
– Diz ser workaholic, mas não se considera estressado – afirma que tem controle sobre sua vida e gosta muito do que faz.
– Quando não está trabalhando, faz esculturas em madeira e toca violão.