Agora é oficial: o mundo tem um problema crônico de falta de educação. Gravações feitas em residências e locais públicos de oito países revelam que pessoas que pedem favores cotidianos a amigos e familiares só agradecem em 5% dos casos.
Microfones escondidos registraram 1057 conversas espontâneas – do tipo “você pode passar o sal?” – em países tão variados quanto Peru, Laos, Polônia e Inglaterra. Uma equipe internacional formada por oito antropólogos e linguistas se esforçou para selecionar voluntários que falassem línguas radicalmente diferentes. Por exemplo: em Gana, na África, foram escolhidos habitantes de vilarejos Siwu, um idioma nigero-congolês que sofreu pouca influência externa.
Se os brasileiros de plantão acharam a estatística preocupante, é porque de fato as línguas da oeste da Europa, como o português, estão entre as que mais expressam gratidão no mundo. Falantes de inglês britânico agradeceram favores em 14,5% dos casos – os de italiano, em 13,5%. Pode ser pouco, mas ainda é bem mais que os poloneses (2,2%) e os indígenas equatorianos Chachi (um incrível 0%).
Para garantir que não houvesse distorções, qualquer expressão verbal de agradecimento, por mais exótica que fosse, entrou na conta. Por exemplo: em uma conversa entre dois adolescentes britânicos (relatada no artigo científico), um pediu ao outro uma batata frita. Ao receber a positiva, disse “da hora”. Em outra situação, um aborígene australiano falante da língua Murrinhpatha reconhece o favor prestado por um familiar usando uma expressão que, ao pé da letra, se traduz por “você é bonito”.
A escassez de “obrigados” e afins, por incrível que pareça, não torna ninguém menos propenso a ajudar. De 1057 favores pedidos, 928 foram atendidos, mas só 51 “obrigados” foram ouvidos. Segundo os pesquisadores, a gratidão provavelmente é um conceito compartilhado entre pessoas de quaisquer culturas – é só que é mais comum expressá-la na prática, retribuindo o favor no futuro. Os Chachi, por exemplo, sequer têm uma palavra para agradecimentos cotidianos em sua língua.
“Não devemos confundir o sentimento de gratidão com o desejo de expressá-la. Nas interações do dia a dia, cooperação é a regra”, afirmou à imprensa Nick Enfield, pesquisador da Universidade de Sidney envolvido no estudo. “A vida social prospera porque é da nossa natureza pedir ajuda e retribuir com ações, em vez de meras palavras. Os acordos de cooperação são literalmente silenciosos.”