A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem sido uma das grandes líderes nacionais na mobilização para exigir que o governo federal cumpra as leis. O problema é que agora é a própria Fiesp que está sendo acusada de ter quebrado uma lei – o que pode lhe custar uma multa de 3 milhões de reais.
Trata-se da Lei Cidade Limpa, marca registrada do ex-prefeito Gilberto Kassab, que proibiu a poluição visual no espaço público de São Paulo. Kassab é o fundador do Partido Social Democrático, que, embora tenha participado do governo Dilma, votou em massa a favor do impeachment (80% de “sim”).
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A lei municipal, criada para garantir “uma paisagem mais ordenada” e para defender “o direito de viver em uma cidade que respeita o espaço urbano, o patrimônio histórico e a integridade da arquitetura das edificações”, é tida com um grande avanço urbanístico em São Paulo e elogiada por vários especialistas internacionais. Ela estabelece limites bem rígidos à publicidade na rua: mesmo placas privadas em pontos comerciais precisam obedecer a restrições severas de tamanho. Também define que cabe à Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), um órgão composto por representantes da prefeitura e por oito pessoas da sociedade civil, o trabalho de definir o que pode e o que não pode ser feito.
A Fiesp solicitou à CPPU a autorização para usar seu gigantesco painel eletrônico na Avenida Paulista, que tem uma área de 3 mil metros quadrados, como uma gigantesca galeria de arte a céu aberto, exibindo conteúdos não publicitários. “Em 2016, eles propuseram que o painel mostraria um pacote de obras de arte, além de imagens ligadas a datas comemorativas e alguns outros ‘conteúdos randômicos'”, diz a urbanista Laura Sobral, que é membro voluntário da CPPU. “Nós decidimos que, para os conteúdos randômicos, eles teriam que nos enviar a imagem com antecedência e só poderiam publicar com nossa autorização.”
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Acontece que a Fiesp resolveu usar o painel em sua campanha contra a corrupção e pela queda do governo – sem autorização da CPPU. Por exemplo, divulgou a frase “renúncia já” em palavras gigantescas. “A cidade é pública. As pessoas que passam em frente ao prédio não são obrigadas a olhar”, diz Laura.
Para Laura, não é uma infração banal. “Essa é uma questão muito séria, que tem a ver com o respeito à democracia e à representatividade da sociedade civil”, disse. “Eu gasto um tempão estudando a legislação para entender os critérios, participando de reuniões, sem receber nada. Não se pode desrespeitar assim a cidadania voluntária. Além disso, trata-se de uma reincidência: a Fiesp já desrespeitou a lei antes. Passa uma sensação de desafio, de que eles acham que a lei não vale para eles.”
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A Lei Cidade Limpa determina multas de 10 mil reais por metro quadrado para quem divulga uma campanha publicitária sem autorização da CPPU. Dado o tamanho descomunal do painel, o valor total seria de 3 milhões de reais. A Fiesp declinou de comentar sobre um possível desrespeito a lei. Por meio de sua assessoria de imprensa, declarou apenas que “estamos em entendimentos com a Prefeitura e o assunto está sendo tratado pelo Jurídico. Não recebemos qualquer penalidade e ser multado sem qualquer direito de defesa seria arbitrário”. Laura acredita que não cabe à Prefeitura decidir se a multa cabe ou não. “A CPPU não é um órgão consultivo – é deliberativo. Já foi decidido que eles não poderiam fazer o que fizeram.”
Vários membros da CPPU esperam que a decisão não seja política, mas técnica. “Que se dane a briga da Fiesp com o PT. Se não respeitarmos a lei, eu me sentirei pessoalmente ofendida como cidadã que faz trabalho político voluntário”, diz Laura.
Mais um exemplo de como o debate político no Brasil tende a ficar muito mais complexo, com o aumento do nível de exigência da sociedade civil.
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