Na última quinta (21), a diretora de fotografia Halyna Hutchins morreu após um disparo acidental dentro do set do filme Rust, no estado do Novo México, nos EUA. O autor do tiro foi o ator Alec Baldwin, que usava uma arma cenográfica durante a filmagem. O diretor do longa, Joel Souza, também se feriu.
Nascida na Ucrânia, Hutchins se formou em jornalismo e, depois, mudou-se para Los Angeles, onde começou a trabalhar com cinema. A diretora de 42 anos chegou a ser atendida em um hospital na cidade de Albuquerque, mas não sobreviveu.
Rust é um faroeste que se passa no estado do Kansas no final do século 19. Conta a história de um menino de 13 anos que, após a morte dos pais, foge junto ao irmão mais novo e seu avô (Baldwin), um homem sentenciado à morte pelo assassinato acidental de um fazendeiro local.
A morte de Hutchins paralisou a gravação do filme, que ainda não tem data para reiniciar. No momento, a polícia do condado de Santa Fe investiga as circunstâncias do acidente: qual tipo de munição foi utilizada, se houve uma falha no equipamento – ou se algo se alojou no cano.
Balas de mentira, armas de verdade
Antes de tudo, é importante frisar: na maior parte das vezes, as armas cenográficas usadas em sets de filmagens são, na verdade, armas de verdade. O que muda é a munição.
As balas de festim (ou em inglês, “blanks”, que significa “vazio” ou “espaço em branco”) são como balas normais, a não ser por um detalhe decisivo: elas não possuem projétil, a parte da munição que atinge o alvo. É por isso que elas são usadas em filmes, séries de TV e novelas, já que reproduzem o barulho de um disparo real.
Uma bala é composta por quatro partes. A primeira é o estojo, um recipiente tubular cheio de pólvora e que funciona como suporte para as outras partes. A segunda é a espoleta, que fica na base do estojo. Ela solta uma fagulha quando é atingida pelo percussor – o martelinho acionado pelo gatilho da arma. Essa fagulha queima a pólvora guardada dentro do estojo.
Os gases liberados pela queima empurram a quarta e mais importante parte da munição: o projétil. Ele fica fixado na outra extremidade do estojo. E o tiro sai. Mas na ponta da bala de festim não há um projétil, e sim um pequeno orifício. A pólvora queima quando é atingida pelo percussor, mas não há o que empurrar. Por isso, a bala de festim faz o barulho e dá a sensação de que está disparando algo, mas nada sai do cano.
Isso não quer dizer que elas sejam inofensivas. Se o tiro for à queima-roupa, o gás quente que sai do cano pode causar ferimentos graves – especialmente se o cano da arma estiver colado ao crânio ou nos olhos de alguém.
Em 1984, algo similar aconteceu com o ator americano Jon-Erik Hexum, que morreu após um acidente o set de um programa de televisão. Frustrado com o atraso das filmagens, Hexum resolveu brincar com um revólver. Ele o carregou com uma bala de festim, apontou para a sua têmpora e atirou. A força da explosão foi tão forte que acabou fraturando o seu crânio.
No universo dos efeitos especiais, existem ainda as dummy bullets (“balas fictícias). Elas são ainda mais similares às balas de verdade, mas com uma diferença: não possuem pólvora para explosão. São geralmente usadas em cenas em que os personagens aparecem recarregando uma arma.
Em 1993, Brandon Lee, filho de Bruce Lee, tinha apenas 28 anos quando morreu durante as filmagens do filme O Corvo, no qual era protagonista. Em uma cena de tiroteio, Brandon foi alvejado por uma arma carregada com balas de festim. O problema foi que, no cano dela, ainda havia parte de uma dummy bullet, que foi impulsionada pela explosão – e atingiu o ator.
Rígido protocolo
Apesar do caso de Hutchins e dos relatados acima, acidentes com armas de fogo em sets de filmagens são raros. Isso porque são bastante burocráticos e envolvem diversas medidas de segurança.
Cada lugar possui as suas diretrizes para filmagens do tipo. No Reino Unido, cenas com armas, mesmo que sejam réplicas, podem exigir a presença da polícia. No estado americano do Texas, a produção precisa de licenças específicas para o uso de armas no set – além de contratar profissionais especializados em manuseá-las e garantir o seguro dos trabalhadores no caso de algum acidente.
Em um set, a figura responsável pelo objetos e adereços que aparecerão em cena é o aderecista (“prop master”, em inglês). Os armeiros (“armorers”) se encarregam especialmente das armas de fogo. Junto ao coordenador de dublês, esses profissionais lidam com o transporte e o manuseio das armas, além de instruir os atores que entrarão em contato com elas.
Em entrevista à CNN, Marcus Cooley, que trabalha com armas em Hollywood, disse que o recomendado é ficar a pelo menos 6 metros das armas que irão disparar. Além disso, só fica no set os profissionais realmente essenciais para a cena. O restante vai embora.
“Você nunca aponta uma arma para uma pessoa, mesmo que não seja uma arma de verdade” contou à BBC Mike Tristano, um armeiro que já trabalhou com Alec Baldwin no passado. Existem, contudo, situações em que a câmera precisa ficar na linha de tiro (como em uma cena em que a arma é apontada diretamente para a tela). Nesse caso, o ideal é que o equipamento fique parado, com nenhuma pessoa operando atrás.
Se isso não for possível, são necessárias outras medidas de segurança. Os profissionais devem usar escudos faciais, óculos de proteção e ficar atrás de uma barreira de acrílico à prova de bala.
Alternativas mais seguras
Para além das armas de fogo, produções cinematográficas também usam réplicas, que sequer disparam. Elas podem ser feitas a partir de qualquer material. As mais baratas, por exemplo, são de borracha – que não ficam muito realistas olhando de perto, mas convencem se filmadas de longe.
O recente acidente nas filmagens de Rust movimentou uma série de discussões sobre o uso de armas de fogo na indústria cinematográfica. O principal argumento é que os efeitos visuais, aliados à edição de som, já são suficientes para simular disparos de verdade. Com isso, as balas de festim e as armas reais poderiam, simplesmente, serem proibidas.
No Twitter, o cineasta Ben Rockula sugeriu outra alternativa: armas de airsoft. São equipamentos que funcionam com pressão, tem uma ponta laranja (para diferenciar as armas reais) e que disparam bolinhas de plástico. São usados em treinamentos militares ou como passatempo.
“Balas de festim são péssimas”, escreveu Rockula. “São extremamente perigosas e, mesmo no melhor dos cenários, ainda consomem muito tempo de produção.” E como daria para simular o lampejo de luz que acontece graças à explosão dos gases dentro do cano? Simples: computação gráfica. Se esse for o caminho para garantir ainda mais segurança às pessoas, vale a pena considerar.