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Como os Vikings conquistaram a Inglaterra

Como os vikings conquistaram a Inglaterra

Os nórdicos acabariam dominando boa parte da Inglaterra. E seu legado ainda vive nas ilhas britânicas

Texto: Agência Fronteira | Edição de Arte: Rafael Quick | Design: Andy Faria | Ilustrações: Patrick Melgaço


A melhor maneira de evitar um saque viking era o suborno. Os ingleses sabiam que violência, destruição e mortes poderiam ser evitadas com o pagamento de uma grande quantidade de ouro e prata, além de alimentos, vinho e cerveja. Essa era a intenção dos governantes de Kent, no sudeste inglês, quando recolheram impostos da população em 865. Porém, o sucesso do acordo não era garantido. Naquele ano, os vikings que aportaram na região aceitaram de bom grado o tributo, mas não deixaram de pilhar e assassinar como de costume.

Esse grupo foi um dos vários que, naquele inverno, seguiu para a Ânglia Oriental, no leste da Inglaterra. Depois de um verão de pilhagens pela Europa, esse foi o ponto de encontro entre os vikings da Dinamarca e aqueles que já se encontravam em assentamentos na Irlanda e na Escócia. A reunião dos bandos formou o que os pesquisadores chamam de Grande Exército, hoje estimado em cerca de 3 mil pessoas. Um contingente formado não apenas por guerreiros, mas também por suas famílias e escravos.

Os anglos também pagaram tributos e forneceram cavalos e mantimentos para os nórdicos que acamparam por lá durante a estação fria. Dessa vez, o acordo foi respeitado, já que os vikings tinham outro alvo em mente, o reino da Nortúmbria. Mas o plano de longo prazo era mais audacioso: a conquista da Inglaterra. Entre os líderes do Grande Exército estavam Ivar, o Sem Ossos, e seus irmãos Ubba e Halfdan, também filhos do mítico Ragnar Lodbrok. Aqui, história e lenda se confundem. Segundo as sagas, Ragnar foi morto pelo rei da Nortúmbria, Aella, provocando o desejo de vingança de seus filhos.

Entretanto, os filhos de Ragnar teriam uma razão mais prática para começar a conquista pelo Norte: a Nortúmbria estava em guerra civil, com Aella e Osbert, que também se autoproclamava rei, lutando pelo controle do reino. Além de ser a região mais fragilizada, tinha a geografia mais propícia para o início da conquista. De fato, os pretendentes estavam tão ocupados lutando um contra o outro que foram pegos de surpresa em 866, quando o exército entrou em movimento e chegou até York, a principal cidade do Norte. O ataque a York ocorreu na manhã de 1° de novembro, seguindo a estratégia padrão dos vikings: invadir durante um feriado religioso. Era Dia de Todos os Santos, e a população celebrava a data nas diversas igrejas. Os vikings superaram os muros erguidos 600 anos antes pelos romanos e devastaram a cidade antes de seguir a marcha. Aella e Osbert acabaram por unir forças contra a ameaça comum, ainda que por pouco tempo.

As lendas contam que Ivar vingou o pai ao capturar Aella e executá-lo no ritual da Águia Sangrenta. Apesar de controverso, o fato é que os vikings derrotaram os reis do Norte em combate em 867, e nem Aella nem Osbert sobreviveram ao combate. A Nortúmbria acabou por reconhecer o domínio nórdico, e o Grande Exército passou os anos seguintes percorrendo a Inglaterra, expandindo seus domínios durante o verão e acampando durante o inverno.

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A Ânglia, que havia colaborado no início da invasão, teve seu monarca usado como alvo de arquearia antes de ser decapitado — anos mais tarde ele foi canonizado como São Edmundo Mártir. Depois foi a vez de Mércia, com os vikings empossando reis fantoches no lugar dos que não se submetiam ao seu controle. Nesse meio tempo, o exército havia crescido com a chegada de novas levas de nórdicos e a adesão de grupos nativos das ilhas britânicas. Cronistas da época registraram que as forças vikings tinham grande capacidade de reposição dos guerreiros mortos em combate. Em menos de dez anos, os escandinavos controlavam dois terços da Inglaterra, do leste ao norte da ilha, chegando à costa noroeste e ao mar da Irlanda, onde tinham ligação direta com a colônia viking de Dublin.

Após a morte de Ivar em 873, o Grande Exército se dividiu. Os Ragnarssons voltaram para York, onde reinaram por anos. Outra parte, liderada por Guthrum, voltou-se contra o último reino independente: Wessex. Comandada pelo rei Alfred, coroado com pouco mais de 20 anos, Wessex era o reino mais rico e poderoso da Inglaterra. Durante cinco anos, os vikings lutaram contra os saxões no sul da ilha.

<strong>Danelaw: a região da colônia viking ocupou metade da ilha e deixou marcas profundas na cultura britânica.</strong>
Danelaw: a região da colônia viking ocupou metade da ilha e deixou marcas profundas na cultura britânica. (Redação/Superinteressante)

Em um período de derrotas, Alfred precisou se disfarçar de camponês para não ser capturado. Mais tarde, com as forças reorganizadas, Wessex iniciou uma nova campanha que culminaria na Batalha de Edington. Nesse combate, Gothrum e seu exército foram sitiados em seu acampamento. Sem que nenhuma das forças tivesse certeza da vitória, um novo acordo foi firmado e, dessa vez, cumprido. O Grande Exército deixou Wessex, e Guthrum foi obrigado a se converter, recebendo o nome cristão de Aethelstan. Alfred foi seu padrinho de batizado. Eventualmente, os dois acertariam um partilha da Inglaterra entre anglo-saxões e escandinavos.

Na prática, o tratado era apenas o reconhecimento, por parte de Wessex, da existência de uma área do solo inglês sob domínio dos nórdicos, que séculos depois seria chamada de Danelaw (lei dinamarquesa). A região não era diretamente submetida aos reinos escandinavos, nem era uma área unificada. Diferentes reis vikings, surgidos entre os conquistadores, governaram a Ânglia Oriental, o Reino de York e territórios menores. Mas Danelaw não foi uma simples troca de lideranças, na qual vikings tomaram o poder e governaram populações inglesas.

Ao longo de dois séculos, houve uma imigração intensa de escandinavos. Fazendeiros, artesãos e comerciantes colonizaram o norte e o oeste da Inglaterra, junto com guerreiros que decidiram se estabelecer por lá. Motivos não faltavam: além de uma elite nórdica que estimulava esse fluxo, o solo inglês era mais fértil que o escandinavo, e o clima, naturalmente mais ameno, passava por um período mais quente que o atual.

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Estima-se que a Inglaterra, que tinha cerca de 1 milhão de habitantes no início dos ataques vikings, tenha duplicado sua população dois séculos depois. Aos poucos, os imigrantes nórdicos se integraram aos anglo-saxões. Se muitas famílias atravessaram o mar do norte, outras se formaram na ilha. O sucesso dos escandinavos com mulheres anglo-saxãs foi creditado por um cronista aos cabelos penteados ou raspados na nuca, roupas mais finas e pela higiene — os nórdicos tomavam banho todos os sábados, os ingleses com frequência muito menor.

Mistura étnica

O visual dos vikings entrou na moda, assim como os nomes próprios. Meninas chamadas Thora e Grunnhild e meninos com nomes Halfdan ou Harald tornaram-se comuns entre ingleses, mesmo entre aqueles que não viviam no Danelaw. Centenas de cidades como Selby, Whitby, Derby e Rugby têm o sufixo by, que em nórdico antigo significa aldeia. Os colonos rapidamente adotaram a língua inglesa, mas introduziram diversas palavras nórdicas que sobrevivem até hoje. Sky (céu), window (janela), earl (conde, uma herança do nórdico jarl) e happy (feliz) são contribuições escandinavas, assim como termos que lembram a atividade viking como anger (ira), die (morrer) e slaughter (massacre), mas também lei, law. A conversão do politeísmo nórdico para o cristianismo foi questão de tempo, processo que gerou um sincretismo temporário: lápides e monumentos misturavam crucifixos cristãos com runas e figuras mitológicas escandinavas.

No centro de uma cultura urbana revivida pela imigração escandinava estava Jorvik, como eles chamavam York. Com fácil acesso ao Mar do Norte pelos rios Ouse e Humber, a cidade se tornou um fervilhante centro comercial, com peles, marfim e âmbar do norte da Europa e também temperos, tecidos e pedras preciosas do Oriente Médio e do Mediterrâneo. Igrejas foram fundadas, e moedas cunhadas com o nome dos reis vikings em latim. Logo, York se tornaria a segunda maior cidade da Inglaterra, posto que só perderia com a Revolução Industrial.

York foi também o último domínio viking em território inglês. Alfred, governando o único reino independente do domínio nórdico, emergiu como um símbolo de uma identidade nacional que não existia antes da invasão do Grande Exército. Ele iniciou um política de construção de fortificações e de alianças que, continuadas por seus descendentes ao longo do século seguinte, resultou na retomada gradual dos territórios perdidos pela nobreza anglo-saxã. Mas, àquela altura, os nórdicos já tinham ajudado a formar aquilo que se tornaria o povo britânico.

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