Em 1990, o físico belga Francis Halzen recebeu uma ligação em seu escritório na Universidade de Wisconsin–Madison, nos EUA. Do outro lado da linha estava um dos diretores da Fundação Nacional de Ciências (NSF, na sigla em inglês). Gente importante. “Eu não sabia, na época, quem era o sujeito. Mas ele estava bem irritado”, contou Halzen à SUPER. “Ele me disse que dois jovens cientistas, que participavam de um experimento na Antártida, haviam sido flagrados construindo sensores de luz. Que eles pretendiam colocá-los em buracos no gelo. E que, quando perguntaram de quem era essa ideia absurda, todo mundo disse que era do tal Halzen – no caso, eu.”
Caso a dupla estivesse de fato a serviço de Halzen, ele estaria em apuros: a lista de coisas que você não pode fazer na Antártida é maior que a de um convento. Desde 1959, o continente gelado é protegido por seis tratados internacionais rígidos – que, entre outras coisas, impedem testes com finalidade militar e impõem condições bem severas para cientistas civis, de modo a evitar tragédias ambientais.
Acontece que Halzen não era o mandante. Pelo menos não de propósito. Os dois rapazes, chamados Doug Lowder e Andy Westphal, haviam assistido, em 1989, a uma palestra de Halzen sobre partículas infinitesimais, quase impossíveis de detectar, chamadas neutrinos. Ao final da fala, Halzen especulou que o gelo da Antártida seria um ótimo lugar para detectar os tais neutrinos: ali, por motivos que você entenderá a seguir, bastaria usar sensores de luz. Lowder e Westphal amaram a sugestão. Amaram tanto que aproveitaram uma viagem de pesquisa marcada para o continente gelado para testá-la na prática, sem pedir autorização a ninguém.
Vinte anos depois, o sonho clandestino se tornou realidade. Em 2010, após seis anos de construção, foi inaugurado no Polo Sul o IceCube. Ele é uma versão gigante e 100% autorizada do experimento que Lowder e Westphal tentaram improvisar. Um bloco de gelo de 2,5 km de profundidade dedicado exclusivamente a detectar neutrinos usando sensores de luz. Neutrinos são emitidos por todo tipo de fenômeno cósmico, e a observação deles ajuda a decifrar enigmas cósmicos. Vamos entender, então, o que são neutrinos, por que eles estão na vanguarda da ciência, e o que torna a Antártida ideal para estudá-los.