Conheça a trajetória do líder espiritual que protagoniza o documentário Wild Wild Country, sucesso de audiência na Netflix. Fundador de um movimento espiritual com todas as características de uma nova religião – inclusive uma obra escrita com mais de 600 volumes.
Texto: Bianca Nunes | Edição de Arte: Juliana Vidigal | Design: Andy Faria | Ilustrações: Índio San | Imagens: Creative Commons
o fim dos anos 50, um professor de filosofia chamava atenção na Universidade de Jabalpur, na Índia. As aulas do barbudo de gorro e óculos escuros, sempre lotadas, eram as únicas em que homens e mulheres podiam sentar-se juntos e debater livremente – apenas mais uma das controvérsias do homem que se definiu como “um místico espiritualmente incorreto”. Chandra Mohan Jain, ou simplesmente Osho, causava polêmica principalmente com seus ataques às religiões tradicionais.
Pregando a busca da liberdade através da meditação, ele conquistou uma geração de pessoas que buscava a espiritualidade sem ter de se comprometer com antigas crenças. Mas o movimento que ele criou assumiu todos os contornos de uma nova religião, como a busca pelo divino, seguidores, rituais, doutrinas e até mesmo escrituras – mais de 600 livros que são best sellers internacionais, traduzidos em 55 idiomas.
“Não existe homem mais cabeça-dura que o papa, o Polaco”, disse sobre João Paulo 2º durante uma entrevista de 1985, publicada em 6 volumes no livro O Último Testamento. O Polaco, como sempre chamava o então chefe da Igreja Católica, era um dos alvos favoritos de Osho: “O mundo está superpovoado e ele continua pregando contra o controle de natalidade, a pílula e o aborto”.
Seus livros, editados a partir de palestras e entrevistas, oferecem novas interpretações de livros sagrados, líderes religiosos e sistemas políticos. O objetivo era discutir a importância da liberdade, do autoconhecimento e da relação do homem com ele mesmo e com o planeta – a busca por um novo homem.
“A abordagem de Osho traz elementos religiosos, especialmente no sentido de que o ser humano tem a capacidade de se iluminar e pode desenvolver seu potencial inerente”, explica o professor de teologia da PUC-SP Frank Usarski. Esse potencial seria desenvolvido pela meditação, mas não com os métodos desenvolvidos há séculos pelos orientais, que segundo ele não surtem efeito no homem moderno e num mundo extremamente consumista e dinâmico.
Seria preciso algo mais agressivo para nos tirar do estado “vicioso” em que estamos. Para isso, Osho desenvolveu técnicas, como a meditação dinâmica, e reformulou outras. “O objetivo é a libertação do ser humano por práticas diversas das quais Osho se apropriou, de tradições religiosas como o zen-budismo, o tantrismo e o sufismo”, diz Usarski.
Segundo a autobiografia de Osho, sua trajetória espiritual começou de maneira semelhante à de antigos profetas, aos 21 anos, com uma revelação. Ele conta que numa noite de março de 1953 foi acordado por uma energia forte em seu quarto, correu para o jardim onde meditava e viu tudo iluminado.
Ficou 3 horas em estado contemplativo – “chapadão”, como definiu – e 7 dias sem falar. “Dias se passavam e eu não sentia fome, não sentia sede. Desde aquela noite, nunca mais estive em meu corpo.” A luz trouxe a percepção de que não há nada a ser obtido, pois o ser humano já é perfeito.
Da filosofia à religião
Formado em filosofia, Osho passou a dar aulas e a reunir nas universidades seus primeiros discípulos. A quantidade de pessoas que o buscavam era tão grande que em 1962 ele abriu um centro de meditação e começou a fazer inúmeras viagens para palestras ao redor da Índia.
Em 1964, suas palavras foram publicadas pela primeira vez em livro, sob o título O Caminho Perfeito. Foi a primeira das muitas obras que fizeram o sucesso do movimento. Dois anos depois, Osho abandonaria sua atividade acadêmica para dedicar-se exclusivamente à vocação de guru e passou a organizar acampamentos de meditação na zona rural do país.
Nos anos 70, Osho já tinha uma pequena multidão de seguidores e o movimento começou a ganhar as feições de uma religião. Em 1970, num campo de meditação, ele fez a iniciação formal do primeiro de seus discípulos – ou neosanias. Em 1971, ele mesmo mudaria seu nome para Bhagwan Shree Rajneesh – ou “Rajneesh, o senhor abençoado”, em sânscrito – deixando clara sua ligação divina.
Os neosanias adotaram rituais como vestir roupas vermelho-alaranjadas, um colar de 108 contas e um medalhão com a imagem do líder. Além disso, cada novo discípulo era rebatizado pelo mestre para caracterizar a adesão.
Afinal, Osho e seus seguidores mudaram-se para uma comunidade no parque Koregaon, em Puna, Índia, que se tornou um resort de meditação. Segundo Usarski, mais uma característica de um movimento religioso. “Religiões integram socialmente, já que membros de uma comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, têm valores comuns e praticam sua fé em grupo.”
Em Puna, Osho aplicava métodos terapêuticos em workshops e dava palestras diariamente. De manhã, comentava os ensinamentos de tradições religiosas, como o budismo, o sufismo e o cristianismo. À tarde, respondia perguntas sobre temas como amor, ciúme e meditação. Num mês, falava em hindi, no outro, em inglês.
Cada série de 10 dias foi publicada em forma de livro, compondo mais de 240 obras em 7 anos. Na época, Osho já tinha cerca de 400 livros publicados, somando um volume de texto maior que o da Bíblia ou do Alcorão. Em 1976, o complexo de Puna ganhou um edifício dedicado exclusivamente à produção editorial do guru.
Os livros levavam a palavra de Osho para o mundo inteiro e atraíam cada vez mais gente para conhecer de perto seu movimento. No fim dos anos 70, o centro recebia cerca de 100 mil pessoas por ano. E cada vez mais ocidentais eram conquistados pela ideia de renunciar às repressões impostas por religiões, educação, governos e outras tradições, sem ter de abrir mão do mundo material.
A conquista da América
O interesse de estrangeiros fez o movimento buscar uma base fora da Índia e em 1981 Osho e seus seguidores mais próximos mudaram-se para um terreno 150 vezes maior que o Parque do Ibirapuera, no deserto de Oregon, nos EUA, dando um passo importante para internacionalizar o movimento. “Queríamos construir um lugar para vivermos o novo homem. Um centro terapêutico, um resort, uma comunidade, um clube de meditação enorme”, conta A. Racily, brasileira membro da Osho International, que morou com o guru em Rajneeshpuram, como foi chamada a comunidade.
Por não condenar a riqueza, o movimento atraiu a atenção de milionários. E começaram as polêmicas que marcariam aquela temporada. Osho ficou famoso por sua coleção de 93 Rolls-Royces. Segundo Racily, os carros foram doados por discípulos ricos para ajudar a construir a cidade. “Sem bens, não podíamos pegar empréstimos. Os carros foram hipotecados para comprarmos material de construção.” Seu liberalismo em relação ao sexo (veja abaixo) também criou repúdio. Ainda havia uma agravante: “Nós andávamos de vermelho.
E naquela época vermelho era coisa de comunista”, diz Racily. Rajneeshpuram começou a sofrer boicotes da comunidade local. Alvarás foram negados e o visto de residente de Osho foi negado. Em 1985, acusado de violar a lei de imigração, passou 6 dias preso e foi libertado sob fiança de US$ 400 mil e a promessa de deixar o País.
Pessoalmente, a temporada americana foi ruim para Osho, que em seguida teve visto negado em 21 países e foi obrigado a voltar à Índia. A perseguição, no entanto, teve muita repercussão na mídia. O que, de forma contemporânea, teve um efeito semelhante às perseguições sofridas por profetas da Antiguidade, como Moisés, Jesus e Maomé, ajudando a fortalecer a adesão dos fiéis ao movimento e a popularizá-lo entre os demais.
Antes de morrer, em 1990, o guru mudaria de nome uma última vez, para o definitivo Osho – sinônimo de “oceânico”. Aliás, a placa sobre suas cinzas diz que ele “nunca nasceu, nunca morreu. Apenas habitou este planeta Terra entre 1931 e 1990”. Sua palavra, com certeza, está bastante viva.
Segundo Klaus Steege, presidente da Osho International em Nova York, ainda há palestras não traduzidas do híndi para o inglês – o que significa que mais livros serão publicados. E como era de esperar de um guru moderno, os livros não são mais o principal veículo da palavra de Osho. “O grande projeto agora são os DVDs com técnicas de meditação e os livros com CDs.”
Guru do sexo
Na busca pelo novo homem, é preciso acabar com as repressões. Inclusive as sexuais
Em 1968, Osho foi convidado para palestrar sobre o amor. Seu discurso incentivou a libertação sexual, causando furor entre audiência e crítica. O conteúdo da palestra está no livro Do Sexo à Supraconsciência, um dos títulos mais populares do autor.
Ao dizer, por exemplo, que “o orgasmo sexual oferece o primeiro vislumbre da meditação, porque nele a mente pára, o tempo pára”, a mídia o apelidou de “guru do sexo”. Quando se descobriu a causa da aids, Osho determinou que seus discípulos fizessem o teste de HIV. Pioneiro, recomendou usar camisinha e luvas de látex na hora do sexo, coisas ridicularizadas na época.
Para A. Racily, que conviveu com Osho, o guru queria apenas que o sexo não fosse renegado. Ela diz que nunca houve orgias na comunidade e que esses boatos vinham de quem queria se aproveitar da liberdade sexual para “aprontar”. Mas até hoje o exame de aids é obrigatório para ir ao resort de meditação da Osho International, em Puna – e soropositivos não entram.
Os novos mestres
• Matthieu Ricard
PhD em genética molecular, Ricard trocou os laboratórios pelas montanhas do Himalaia. Percorre o mundo dando palestras sobre meditação e busca da felicidade, assunto no qual é perito – ele foi considerado o Homem mais Feliz do Mundo. É intérprete francês do Dalai Lama. Sua palestra no TED foi vista por mais de 7 milhões.
• Thich Nhat Hanh
Com 91 anos, é autor de mais de cem livros sobre meditação e budismo engajado e um dos responsáveis por popularizar a prática no Ocidente. Martin Luther King o chamava de “o apóstolo da paz e da não violência”. A imprensa o batizou de “o outro Dalai Lama” ou o “mestre zen que lota estádios”.
• Yongey Mingyur Rinpoche
É a estrela da nova geração de mestres tibetanos. Passou por retiros rigorosos e fundou uma faculdade monástica, na Índia. É autor do best-seller A Alegria de Viver, traduzido para mais de 20 idiomas com prefácio de Daniel Goleman, pai da inteligência emocional.