A cena todo mundo aprendeu na escola – e seus detalhes constrangedores, um pouco depois. Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim – D. Pedro para resumir – está de saída de São Paulo e com um desarranjo intestinal que o faz parar várias vezes no caminho.
Numa dessas paradas, ao lado do riacho Ipiranga, recebe duas cartas: uma contém mais um ultimato da coroa para voltar a Portugal. A outra, assinada por sua esposa, Maria Leopoldina, e pelo ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, aconselha-o a decretar a independência. E assim ele faz, de forma dramática, com um breve discurso dizendo que não há mais vínculo com Portugal. Ordena, então, que os soldados tirem suas braçadeiras com insígnias lusitanas. E termina com: “Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a liberdade. Independência ou morte!”
Por mais que a cena não fosse como a dos quadros – o cavalo era só uma mula e o rio, um riacho estreito –, não dá para negar a força do gesto. E como seria a história do Brasil sem ele?
Para começar, as opções do príncipe herdeiro da coroa portuguesa eram poucas ali. Porque a independência já havia sido declarada e assinada, sem drama, por José Bonifácio e Dona Maria Leopoldina. Era o que dizia a tal carta. D. Pedro teria de retornar ao Rio e trair sua esposa e seu mentor da vida inteira, prendendo-os, para manter a união com Portugal (após a vinda da Família Real para cá o país deixou de ser mera colônia e passou a fazer parte de uma entidade chamada Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves).
Bom, em 7 de setembro de 1822 a independência era favas contadas devido a outro episódio, de dois anos antes: a Revolução Liberal do Porto, de 24 de agosto de 1820. Foi um levante militar e civil que criou um governo provisório, exigindo uma Constituição (algo que o país não tinha). A ideia era acabar com a monarquia absolutista.
Para o Brasil, não queriam liberdade nenhuma: a exigência principal era o retorno da corte para Portugal, depois de 12 anos com Portugal sendo administrado a partir do Rio de Janeiro. A Revolução também exigia o fim da liberdade comercial do Brasil, reduzindo o país novamente ao status de colônia. Esse foi o maior gatilho da independência.
A liberdade do Brasil dependia de Portugal continuar sendo uma monarquia absolutista. E manter uma situação absolutamente única na história: um país colonizador europeu ter capital em uma ex-colônia em outro continente.
A própria Revolução Liberal de Portugal demonstra que um país assim seria politicamente inviável. Seria, em mais uma inversão histórica, Portugal o território a declarar independência. Possivelmente se tornando uma república. E aconteceria uma Guerra de Independência às avessas, com a corte, no Rio de Janeiro, enviando tropas à Europa, e contando com o auxílio de seu grande aliado, a Inglaterra. Ou seja: dava para ganhar.
E o Reino Unido se manteria unido século 19 adentro. Nessa situação, talvez tivesse um futuro melhor do que Brasil e Portugal tiveram na forma de países distintos. Com a separação, Portugal perdeu sua maior fonte de riqueza e terminou ficando para trás no desenvolvimento europeu que veio da Revolução Industrial. Já o Brasil insistiu em seu papel colonial como exportador de commodities movido à mão de obra escrava.
Com o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves devendo sua estabilidade à Inglaterra, algumas coisas poderiam ser diferentes. Por essa época, a grande pressão que os britânicos tentavam impor a outros países era o fim da escravidão. Os navios ingleses confiscavam navios negreiros no Atlântico – por questões ideológicas internas e interesse em produzir mercados consumidores nas Américas. No mundo real, o Brasil fez as leis antitráfico de pessoas “para inglês ver”, mantendo a chegada de escravizados de forma clandestina.
Se, com essa dependência, não ficasse no “para inglês ver”, e tivéssemos o fim da escravidão antes da metade do século 19, seria um bom passo rumo à industrialização.
Para Portugal também. O lado europeu desse reino unido intercontinental continuaria contando com o ouro do Brasil para investir. Nisso, poderia não ficar tão para trás como ficou. O Brasil sem escravidão ainda serviria como mercado consumidor para a produção industrial de lá.
Esse país dividido por um oceano teria uma movimentada rota comercial pelo Atlântico. O reino teria tecnologia e força para estabelecer um domínio marítimo e proteger seus interesses: se as rotas do Atlântico parassem, afinal, o país pararia – seria como um bloqueio na sua principal estrada. Não é só isso: o fim do século 19 foi a segunda grande onda do colonialismo, e um país duplo, com força naval crescente, não ficaria de fora.
Mais hora, menos hora o reino deixaria de ser reino, e se tornaria uma república. Na vida real, afinal de contas, foi o que aconteceu por aqui em 1889, e por lá em 1910. Não seria trivial a República Luso-Brasileira manter-se unida após a Primeira Guerra Mundial, que insuflou nacionalismos, e poderia trazê-lo de volta ao pedaço europeu do país.
Se chegássemos a 2022 unidos, o que dá para cravar é: o país transoceânico provavelmente teria Copas do Mundo mais felizes de 2006 para cá do que teve disputando o mundial como países distintos: Cristiano Ronaldo teria feito história ao lado dos outros dois Ronaldos (Fenômeno e Gaúcho). E estaria prestes a se despedir das Copas, no Qatar, de camisa amarela – cor que representa a dinastia Habsburgo, de Dona Maria Leopoldina, e que provavelmente estaria na bandeira da República Luso-Brasileira.
Sem a independência, afinal, precisaríamos de uma guerra para não voltar a ser colônia. E, na realidade paralela que tecemos aqui, o vencedor foi o time deste lado do Atlântico.