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Morte invisível: a tragédia de Chernobyl

Em um desastre de proporções até então inimagináveis, a radiação de Chernobyl matou milhares e transformou uma área no centro da Europa em um deserto.

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 31 Maio 2019, 19h39 - Publicado em 2 fev 2013, 22h00

Uma pessoa contaminada por radiação sente o gosto de metal na boca. Parece que a pele do rosto está cravada de agulhas. A cabeça doi e as crises de vômito são intensas. Com frequência, os sobreviventes precisam lidar com leucemia, câncer de pulmão e de pele, esterilidade e problemas na tireoide.

Nos meses que se seguiram a 26 de abril de 1986, 56 moradores dos arredores da usina de Chernobyl e funcionários do governo soviético experimentaram os sintomas de envenenamento e morreram. A Organização Mundial da Saúde calcula que outras 4 mil morreram depois e 27 mil desenvolveram câncer. O mais grave acidente nuclear já visto ocorreu há 33 anos, mas suas consequências ainda estão muito presentes.

O acidente elevou o nível de radiação em boa parte da Europa Ocidental, mas a região mais atingida foi uma área de 100 mil km² na divisa entre as repúblicas soviéticas (hoje países independentes) da Ucrânia, da Rússia e da Bielorrússia.

Uma floresta inteira morreu e deixou no lugar um cemitério de troncos avermelhados. O impacto para a economia local é estimado em US$ 400 bilhões – ainda hoje, 6% do Produto Interno Bruto ucraniano é voltado para lidar com os efeitos da tragédia, em especial o pagamento de indenização para as vítimas.

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Chernobyl também deixou como legado várias cidades fantasmas. A maior é Prypiat, a cidade onde a usina foi instalada. Construída a partir de 1970, a 100 km de Kiev, para sediar os trabalhadores que iriam construir a usina, ela chegou a abrigar 50 mil habitantes. Tinha um rio navegável, com canteiros de flores às margens, e o maior porto da região.

Ao fundo, era possível avistar um símbolo do avanço tecnológico da URSS: uma usina nuclear considerada pelo governo como a mais moderna do país. “A União Soviética dominou essa tecnologia na base da tentativa e do erro, mas naquele momento já tinha adquirido um controle razoável”, afirma o historiador Christopher Simons, professor da Universidade de Tóquio. “Chernobyl tinha sérios problemas de projeto, mas até o acidente ninguém sabia disso.”

A confiança de Moscou no projeto era tamanha que o plano original para a usina previa que ela fosse construída a apenas 25 km de Kiev – ela acabou ficando mais longe, a cerca de 1h30 de viagem por carro.

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Apesar de toda a propaganda, desde a inauguração foi preciso fazer ajustes frequentes. O teste que desencadeou a explosão do reator número 4 era o 5º em 6 anos. Para realizar o procedimento que deveria ajustar o sistema elétrico de controle, foi preciso desligar mecanismos de segurança. Uma oscilação na fonte de energia rompeu o reator e provocou uma detonação. As explosões que se seguiram lançaram na atmosfera 70 toneladas de urânio e 900 toneladas de grafite, que queimaram por 10 dias.

Antes da tragédia, a vida em Prypiat girava em torno da usina e dos visitantes que ela atraía. O local contava com hotel, centro comercial e parque de diversões. Seus habitantes tinham, em média, 26 anos e desenvolviam uma vida cultural agitada em torno da escola de artes. Na manhã do acidente, as crianças foram para as 15 escolas da cidade e um casamento foi celebrado às margens do rio. Tudo isso acabou em 40 minutos – esse foi o tempo que todos tiveram para pegar suas coisas e deixar a cidade, em 27 de abril de 1986. Não foi permitido levar nenhum animal de estimação. Os cachorros das famílias seguiram os ônibus enquanto puderam e depois se dispersaram pela região. Começaram a se tornar selvagens e acabaram caçados pelos soldados soviéticos.

O socorro demorou demais. “O governo soviético teve consciência do tamanho da tragédia, apesar de não ter sido transparente para com os outros países”, diz Simons. “Mas não havia um plano de evacuação, e esse processo demorou tempo demais para começar.”

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Cidade radioativa

“Fomos informados de que voltaríamos para casa logo, por isso só juntamos o essencial”, diria depois o piloto de helicópteros Valeri Sluckij, que vivia na cidade com a mulher e os dois filhos. Oficialmente, a evacuação duraria 3 dias, mas Pripyat foi abandonada em definitivo e ganhou, no Ocidente, o apelido de “cidade mais radioativa do planeta”. A maioria dos desabrigados seria reinstalada em vilas de casas nos arredores de Kiev. Ainda hoje, vivem com medo do fantasma da contaminação radioativa. E sofrem preconceito: quem se mudou para a França, que criou um programa de apoio às vítimas, tem dificuldade para conseguir emprego.

Atualmente, é possível visitar os arredores de Chernobyl. Agências de turismo fazem viagens monitoradas e instalam os clientes em um hotel instalado a 40 km da usina. Enquanto isso, a fauna local se adaptou ao acidente. O gado que se alimentava da vegetação contaminada pelo solo morreu, mas animais que têm ciclos migratórios, como lobos, veados, gaviões e cavalos selvagens, voltaram a ocupar a região em maior número do que nos anos 1970. Por outro lado, a diversidade de insetos diminuiu e as aves nativas da região têm cérebro 5% menor do que o normal. O nível de contaminação é irregular, mas em várias áreas ainda alcança 20 cm abaixo do solo, o suficiente para afetar as raízes das plantas.

 

 

Os seres humanos também tentam lidar com a tragédia da melhor maneira possível. Nas áreas rurais do nordeste da Ucrânia, fazendeiros ainda vivem em áreas atingidas. Ganham seu sustento colhendo cogumelos contaminados e alimentando suas vacas com feno radioativo da região. Ainda que o reator 4 tenha se transformado em uma pasta de urânio derretido, a usina continuou em operação até 2000.

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Depois de 1986, os funcionários faziam turnos mais curtos e sempre usavam roupas de proteção. A usina ainda sofreria outros dois acidentes, princípios de incêndio em 1991 e 1996 que eliminaram outros dois reatores. Em abril de 2011, o presidente bielorrusso Alexander Lukachenko anunciou que pretende construir uma nova usina nuclear na região, com apoio financeiro da corporação russa Atom Stroy Export. “A nova usina será construída”, ele declarou. “É apenas uma questão de tempo.”

Radiação no ar

As mais impactantes tragédias nucleares*

1. Kyshtym – União Soviética, 1957 nuvem de gás radioativo
2. Windscale – Inglaterra, 1957 explosão na usina
3. Three Mile Island – Estados Unidos, 1979 vazamento de radiação
4. Tokaimura – Japão, 1999 vazamento de radiação
5. Goiânia – Brasil, 1987 distribuição de uma cápsula de cloreto de césio

* Sem considerar incidentes causados por guerras ou tragédias naturais

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Para saber mais
Voices from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear Disaster, Svetlana Alexievich, 2006
Life Exposed: Biological Citizens after Chernobyl, Adriana Petryna, Princeton University Press, 2002
www.chornobylmuseum.kiev.ua/

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