Múmias mais antigas do mundo são descobertas – e elas não são egípcias
Pesquisadores identificaram práticas de mumificação por defumação de 12 mil anos no Sudeste Asiático.

Muito antes de os egípcios desenvolverem as sofisticadas técnicas de embalsamamento que fascinam o mundo até hoje, povos caçadores-coletores do sul da China e do Sudeste Asiático já preservavam seus mortos.
Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) mostra que práticas de mumificação por defumação começaram há pelo menos 12 mil anos – cerca de 7 mil anos antes das múmias egípcias mais antigas.
Os pesquisadores analisaram restos humanos encontrados em 95 sítios arqueológicos na China, Vietnã, Laos, Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas. Em muitos sepultamentos, os esqueletos estavam em posição agachada, com os membros rigidamente dobrados em ângulos que não seriam possíveis após a decomposição natural. Além disso, ossos apresentavam manchas escuras e sinais de aquecimento prolongado, mas não de cremação.
Para confirmar a hipótese, a equipe utilizou duas técnicas de laboratório. A difração de raios X, um método não destrutivo que permite investigar a microestrutura interna de um material, e a espectroscopia de infravermelho, capaz de detectar alterações químicas nos ossos.
Em 54 indivíduos analisados em detalhe, cerca de 84% apresentaram mudanças moleculares compatíveis com exposição a calor de baixa intensidade por longos períodos.
“Os resultados revelam uma interação única de técnica, tradição, cultura e crença das culturas pré-neolíticas do sul da China e do Sudeste Asiático”, disse à CNN o arqueólogo Hsiao-chun Hung, da Universidade Nacional Australiana, que liderou o estudo.

Segundo os pesquisadores, os corpos eram amarrados em posição fetal e expostos à fumaça de fogueiras de baixa temperatura durante meses. O calor suave e a fumaça retiravam a umidade dos tecidos e retardavam a decomposição. Depois desse processo, que poderia durar até três meses, os corpos eram enterrados em cavernas, abrigos rochosos ou sambaquis.
Embora nesses achados só restem ossos, sem pele ou tecidos moles preservados, os cientistas consideram os indivíduos como múmias porque a intenção de preservação era clara.
“A principal diferença em relação às múmias que normalmente imaginamos é que esses corpos defumados antigos não eram selados em recipientes após o processo e, portanto, sua preservação geralmente durava apenas algumas décadas a algumas centenas de anos”, explicou Hung ao Live Science.
Esse tipo de ritual encontra paralelos em práticas observadas em povos indígenas australianos e ainda é realizado em algumas regiões da Papua, na Indonésia. Em 2019, a equipe acompanhou comunidades Dani e Pumo que continuam a produzir múmias de ancestrais com métodos muito semelhantes: corpos amarrados, colocados sobre fogueiras e lentamente enegrecidos pela fumaça.

Os pesquisadores afirmam que, além da defumação ter uma função prática de retardar a decomposição, também carregava significados espirituais, religiosos e culturais. “Acreditamos que a tradição reflete um impulso humano atemporal – a esperança duradoura, desde os tempos antigos até o presente, de que famílias e entes queridos possam permanecer ‘juntos’ para sempre”, acrescentou Hung à CNN.
As descobertas também dialogam com a chamada hipótese das “duas camadas” de migração para o Sudeste Asiático. Esse modelo propõe que os primeiros caçadores-coletores chegaram à região há cerca de 65 mil anos, enquanto os agricultores neolíticos – com práticas funerárias distintas – só apareceram por volta de 4 mil anos atrás.
Os povos mais antigos, que já utilizavam rituais de defumação dos mortos, podem ter dado origem a comunidades atuais, como os Dani e Pumo, que ainda hoje preservam ancestrais dessa forma.
Se os sepultamentos hiperflexionados encontrados em várias regiões da Ásia puderem ser confirmados como múmias defumadas, isso indica que a prática pode ter sido muito mais disseminada do que se pensava.
No artigo, os autores sugerem inclusive que esse tipo de mumificação poderia remontar às primeiras expansões do Homo sapiens para fora da África, há até 42 mil anos. Para eles, isso representaria uma “profunda e duradoura continuidade biológica e cultural”.
Agora, a equipe de Hung pretende investigar sepultamentos ainda mais antigos, datados de até 20 mil anos, para verificar se a defumação já era usada em períodos anteriores. Segundo o pesquisador, o estudo mostra não apenas a engenhosidade técnica desses povos, mas também seu vínculo emocional com os mortos.
“O que está claro é que a prática prolongava a presença visível do falecido, permitindo que os ancestrais permanecessem entre os vivos de forma tangível, um reflexo pungente do amor humano duradouro, da memória e da devoção”, concluiu Hung ao Live Science.