Cleveland é uma cidade de 370 mil habitantes no estado de Ohio, nos EUA. Fica no norte do país, ali na região dos Grandes Lagos, fronteira com o Canadá.
Após a Segunda Guerra Mundial, a cidade passou por um rápido crescimento econômico. O parque industrial aumentou – e a população também. Em 1950, a região metropolitana chegou a 918 mil pessoas (hoje, tem 1,7 milhão). Empresários diziam que Cleveland era a melhor cidade dos EUA, e ela ganhou o apelido de “All-American City” – uma maneira de dizer que ela reunia a essência do espírito americano.
A bonança estava por toda parte, mesmo. Os times de futebol americano, de hóquei e de beisebol viviam grande fase. Por conta disso, Cleveland ganhou outro apelido: a “Cidade dos Campeões”. E, no começo dos anos 1950, um radialista local cunhou o termo “rock n`roll“ – e seu trabalho foi importante para popularizar o gênero que, até então, era novidade.
(Essa história, aliás, fez com que Cleveland fosse considerada um dos berços desse estilo musical. Não à toa, a cidade abriga o Hall da Fama do Rock.)
Nos anos 1960, o crescimento desacelerou. Muitas pessoas foram morar no subúrbio (um fenômeno que aconteceu em todo os EUA, diga-se). Mas as que ficaram enfrentaram desemprego, sobretudo graças a reestruturações no setor do aço e no de construção de rodovias, nacos importantes da economia local.
Em 1969, uma mancha de óleo pegou fogo no meio do rio Cuyahoga, que corta a cidade. Não foi a primeira vez: era o 13º incêndio no Cuyahoga desde 1868. Cortesia do acúmulo de lixo tóxico (um desses fogaréus rolou em 1952 e foi capa da revista Time).
O incêndio de 1969 levou à criação de agências ambientais e de leis sobre a conservação de águas. Mas era tarde: o fogo virou piada nacional e serviu de símbolo para a má fase de Cleveland, que ganhou o infame apelido de “The Mistake of the Lake” (“o erro do lago”).
Nos anos seguintes, a situação não melhorou. A cidade entrou na década de 1980 com uma taxa de desemprego de 13,8% (muito por conta do fechamento de várias fábricas de aço). Uma taxa mais alta do que a nacional (8,1%). Vale lembrar que os EUA passavam por uma forte recessão, com inflação e desemprego elevados. Estava difícil ser um clevelandense.
A volta por cima – e os tais balões
A situação melhorou com o prefeito George Voinovich, que governou a cidade entre 1980 e 1989. Voinovich promoveu uma série de obras, como a construção de arranha céus, centros esportivos e culturais (o Hall da Fama do Rock abriu em 1983). A economia de Cleveland voltou nos eixos, e ela voltou a ser chamada de All-American City.
Com bons ventos soprando novamente, não faltaram iniciativas para celebrar a boa fase. Em 1986, uma delas partiu da United Way, uma ONG internacional que arrecada fundos para um sem-fim de causas. Na época, era a maior organização não-governamental nos EUA.
Nascia aí o Balloonfest 86‘, um festival em homenagem a Cleveland – com 1,5 milhão de balões. A ideia não veio do nada: um ano antes, em 1985, a Disney havia batido o recorde mundial de lançamento simultâneo de bexigas na comemoração do 30º aniversário de seu parque na Califórnia.
O plano, então, era ultrapassá-la.
O Balloonfest envolveu seis meses de planejamento. Cada US$ 1 doado para a United adicionava dois balões para a contagem. O objetivo era juntar dois milhões de bexigas – mas a organização o evento reuniu no final exatos 1.429.643.
Levou seis horas até que os 2,5 mil voluntários (na sua maioria, adolescentes) enchessem as bexigas – o que rendeu a eles muitas bolhas nas mãos. O trabalho rolou na Public Square, praça no centro de Cleveland. Uma vez prontos, os balões de hélio subiam e ficavam presos numa rede de 3,5 mil metros quadrados – feita pela mesma empresa que criou as redes de carga dos ônibus espaciais da Nasa.
Um estouro – no mau sentido
Em 27 de setembro, mais de 100 mil pessoas se reuniram na praça para acompanhar o lançamento dos balões, que também recebeu extensa cobertura da mídia. Uma tempestade na noite anterior, aliada ao clima incerto, fez a organização antecipar o evento em algumas horas.
As bexigas foram soltas às 13h50. Logo de cara, elas engoliram a Terminal Tower, um prédio de 235 metros. A viagem dos balões seria longa. Eles poderiam alcançar até 10 quilômetros de altitude antes de explodirem (a pressão atmosférica diminui lá em cima, o que permite ao hélio dentro da bexiga se expandir). Ou continuariam voando baixo até murcharem (as moléculas de hélio conseguem atravessar o plástico).
Nada disso aconteceu. O enxame de balões deu de cara com uma massa de ar frio – e mais chuva. As bexigas, então, acabaram descendo antes do previsto, no perímetro urbano de Cleveland. E isso causou uma série de problemas.
O aeroporto da cidade precisou fechar uma de suas pistas, e houve batidas em rodovias de motoristas que tentavam desviar dos balões – e foi preciso uma escavadeira para limpar as vias.
60% das bexigas foram parar no Lago Erie (fronteira entre EUA e Canadá). O acúmulo de plástico, claro, colocou em risco a vida marinha. Mas não só: os balões coloridos atrapalharam uma tentativa de resgate da guarda costeira.
Na noite anterior ao Balloonfest, dois pescadores, Raymond Broderick e Bernard Sulzer, desapareceram devido à forte chuva que caiu sob Cleveland. Na manhã seguinte, as autoridades encontraram o barco e alguns equipamentos da dupla. E organizaram uma missão para tentar encontrá-los.
“Você pode imaginar tentar encontrar alguém flutuando por aqui, ou mesmo avistar um colete salva-vidas, com todos esses balões na água?”, descreveu um repórter que acompanhou o caso. Dois dias depois, os guardas encerraram as buscas; os corpos dos pescadores foram encontrados após duas semanas, na margem do rio.
O Balloonfest rendeu à Union Way várias indenizações. Um fazendeiro, por exemplo, pediu US$ 100 mil: os balões teriam assustado os seus cavalos, que acabaram sofrendo ferimentos permanentes. A esposa de um dos pescadores mortos processou a United em US$ 3,2 milhões. O valor final do acordo não foi revelado.
O festival de Cleveland se tornou o maior lançamento simultâneo de balões. Mas por pouco tempo: o Guinness deixou de avaliar esse recorde. Que bom: como vimos, lançar milhares de toneladas de plástico no céu definitivamente não é uma boa ideia.