As Olimpíadas são uma oportunidade de homenagear os atletas mais fortes e mais rápidos do mundo, mas raramente ouvimos falar dos mais fracos ou mais lentos. Shizo Kanakuri é uma exceção. Ele detém o recorde mundial de tempo mais lento na maratona olímpica. Ele terminou a corrida depois de 54 anos, oito meses, seis dias, 5 horas, 32 minutos e 20,3 segundos.
Kanakuri não era um corredor lento. Pelo contrário, ele tinha acabado de quebrar um recorde mundial (2 horas, 32 minutos e 45 segundos) e era o favorito para vencer a maratona nas Olimpíadas de Estocolmo.
Foi a primeira vez que o seu país, o Japão, foi classificado para participar dos Jogos Olímpicos. O atleta tinha apenas um outro companheiro, e os dois sofreram muita pressão para que tivessem um bom desempenho.
Para chegar em Estocolmo, na Suécia, os atletas tiveram que encarar 18 dias de viagem de navio e trem. Quando chegaram, fracos e sem preparação, ainda tiveram dificuldades para dormir durante as noites curtas nórdicas e tiveram problemas com a comida local.
Na época, ele acreditava na ideia equivocada de que suar enfraquece o corpo e, por isso mesmo, bebia menos água nos dias anteriores às provas. Para piorar, a corrida ocorreu em meio a uma onda de calor, sob um solão de 32ºC.
Kanakuri não foi o único que sofreu. Dos 68 corredores, apenas 36 chegaram ao final, com o restante desistindo horas antes da largada. Na verdade, foi nesse mesmo evento que ocorreu a primeira morte de um atleta durante os Jogos Olímpicos: o corredor português Francisco Lázaro não resistiu à temperatura.
Acontece que Kanakuri não desistiu nem morreu: ele simplesmente desapareceu. Por volta da marca de 25 km, o atleta caiu, exausto, no jardim de uma casa próxima. Os moradores ofereceram uma bebida, e ele ficou ali até a manhã do dia seguinte. Envergonhado de seu desempenho, ele não notificou a organização do evento e voltou para o Japão sem finalizar a prova.
O suposto desaparecimento de Kanakuri virou uma lenda engraçada na Suécia: o atleta passou cinco décadas na lista de pessoas desaparecidas do país.
Em 1967, uma rede televisão sueca reencontrou o homem, que trabalhava como professor de geografia no sul do Japão, e o convidou para terminar sua corrida em um evento filantrópico e apoiar a presença da delegação sueca nas Olimpíadas de 1968.
Segundo registros da época, aos 76 anos, Kanakuri demonstrou grande vigor ao correr pela pista e completar sua prova diante do Comitê Olímpico Sueco e da imprensa. Levou apenas 54 anos, 8 meses, 6 dias, 5 horas, 32 minutos e 20,3 segundos.
Perguntaram a Kanakuri se ele gostaria de dizer algumas palavras sobre a quebra do recorde mundial de maratona mais lenta já percorrida. Pensando por um momento, o atleta idoso se dirigiu ao microfone e disse:
“Foi uma longa corrida, mas consegui uma esposa, seis filhos e dez netos durante a corrida, e isso leva tempo, você sabe como é.”
Durante a visita ao país, Kanakuri reencontrou a família que o hidratou durante a prova e foi presenteado com outro copo de suco por Bengt Petre, filho de seu anfitrião original.
Kanakuri também esclareceu um outro mistério. Durante 54 anos, os Petres guardaram como lembrança poética das Olimpíadas um pergaminho com escrita japonesa, que encontraram dentro de uma caixa decorativa que Kanakuri lhes havia enviado em agradecimento pela hospitalidade. Quando deu uma olhada nele, Kanakuri informou aos Petres: “É apenas um antigo formulário da alfândega”.
Kanakuri faleceu em 1983, aos 92 anos de idade. Apesar da situação engraçada em 1912, ele ainda foi um importante treinador e figura esportiva em seu país. Em homenagem à sua contribuição para o esporte de corrida de longa distância no Japão, o grande prêmio do revezamento que ele iniciou foi batizado em sua homenagem.