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Pesos e Medidas: As dimensões do Metro

Uma das mais antigas criações humanas, os pesos e as medidas surgiram para facilitar o comércio primitivo. Depois, ajudaram a conhecer o mundo.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h09 - Publicado em 31 ago 1989, 22h00
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  • Paris, 25 de junho de 1792. Por ordem da Academia Francesa de Ciências, uma equipe de respeitáveis físicos, astrônomos e agrimensores deu início a uma tarefa nascida do mesmo espírito racionalista que iluminara a Revolução de 1789. Naquela manhã de verão, eles se puseram em campo para medir a distância entre Barcelona, no nordeste da Espanha, e Dunquerque, noroeste da França, correspondente a um arco do meridiano que passava por Paris. O que se pretendia era encontrar uma base objetiva para definir cientificamente uma unidade a partir da qual fosse possível estabelecer um conjunto de medidas aceito por todos. O novo sistema, fundamentado no metro surgiu para pôr fim à colossal confusão de pesos e medidas fixados com mais do que razoável margem de arbítrio e que representavam um estorvo de proporções crescentes para a vida de toda gente na Europa em expansão econômica.

    Essa confusão vinha de muito longe e a História do Ocidente registra mais de uma tentativa de pôr ordem na casa das dimensões utilizadas pelo homem para funcionar no mundo. O imperador Carlos Magno, no século VIII, e o rei inglês João Sem Terra, no século XIII, foram duas cabeças coroadas que se preocuparam com o assunto, baixaram decretos e instituíram medidas, cuja imprecisão, vista pelos olhos atuais, chegava a ser cômica. De fato, de tal maneira o homem incorporou à vida diária as unidades (de comprimento, massa, volume, principalmente), como parâmetros constantes e portanto confiáveis, que parece impossível conceber a civilização, e quem sabe a própria existência humana, dissociada do ato de medir e pesar. Quando as primeiras comunidades começaram a dispor de excedentes alimentares, nasceu o comércio primitivo, o sistema de trocas. Este exigia que se fizessem comparações – a forma básica de avaliar grandezas.

    Ora, para realizar essas comparações, era necessário naturalmente um ponto de referência estabelecido de comum acordo. O homem primitivo logo deve ter-se dado conta de que dispunha de uma referência capaz de ser aceita sem resmungos por seus semelhantes – o próprio corpo. Assim, a mão e o pé foram adotados como as unidades inaugurais de comprimento. Há 25 séculos, um filósofo grego de nome Protágoras afirmou que “o homem é a medida de todas as coisas”, querendo com isso coroar a importância absoluta que conferia aos humanos na ordem universal. A expressão, pelo visto, também ilustraria o antiqüíssimo costume humano de buscar em si mesmo os padrões para cotejar grandezas.

    A criação do sistema métrico consistiu precisamente em atirar essa tradição à lata do lixo da História, não porque os cientistas e filósofos franceses dos séculos XVII e XVIII repudiassem o humanismo – muito ao contrário -, mas porque se deram conta de que o humanismo seria melhor servido por um sistema de pesos e medidas que pudesse ser aceito com naturalidade por todos os homens, sem distinção.

    Não só as primeiríssimas unidades de comprimento mas também as de peso fundamentaram-se no corpo humano. No caso do peso, supõe-se que o homem comparava o que ele mesmo conseguia carregar com a capacidade de carga de um animal. Como o sistema não primava exatamente pelo conforto, foi descartado no devido tempo em favor de uma referência mais racional – um recipiente. O desdobramento lógico foi a balança, cuja invenção, 5 mil anos antes de Cristo, parece ter antecedido em dois milênios a das unidades de peso, originárias do Egito e da Mesopotâmia (parte do atual Iraque). O mais antigo padrão de medida linear – que originou medidas de área e volume – também foi concebido no Egito, por volta de 3000 a.C. Era o côvado, baseado no comprimento do braço, desde o cotovelo até a ponta do dedo médio. O submúltiplo básico era o dígito, como o nome sugere, da largura de um dedo. O côvado que os egípcios usavam como padrão era um bloco de granito negro de 52,4 centímetros de comprimento, subdividido em 28 dígitos.

    Estes, por sua vez, eram divididos em até dezesseis partes – cada uma dedicada a uma divindade. Conforme hieróglifos da época, a padronização do côvado se deve ao faraó Anemenés I, que reinou entre 1991 e 1962 a.C. A precisão das barras de um côvado como unidade de medida pode ser atestada até hoje: após 4 500 anos de sua construção, os lados da pirâmide de Quéops variam apenas 0,05 por cento da largura média de 230 metros. Devido à inundação anual do rio Nilo, os agricultores egípcios desenvolveram métodos e instrumentos específicos para medir suas terras, baseados nas cheias. Eram feitas marcas nas margens dos rios, provavelmente com pedras. Quando as águas recuavam, os limites das propriedades podiam ser prontamente restabelecidos. As medidas agrárias originaram também uma atividade curiosa: a dos esticadores de corda. Esses agrimensores primitivos mediam as plantações com cordas graduadas com nós, cada nó valendo 2 côvados. A Babilônia, que ficava no sul do atual Iraque, e cuja civilização alcançou o apogeu entre os séculos VI e VII a.C., também gerou um rol de medidas. A mais antiga unidade babilônica era a mina, padrão de peso, que variava entre 500 e 600 gramas.

    Um milênio havia transcorrido quando Carlos Magno, além de unificar as terras cristãs da Europa Ocidental, tentou uniformizar as medidas. Instituiu, entre outras coisas, a libra esterlina (350 gramas) para distingui-la dos padrões não-oficiais. A palavra esterlina vem do inglês medieval steorra, estrela. Por isso, a libra padrão de Carlos Magno trazia a gravura de uma estrela em alto-relevo. Não consta, porém, que tais padrões gozassem de popularidade comparável a uma medida da Antiguidade, campeã absoluta a seu tempo – por motivos óbvios. Era o velho pé, pous em grego. O matemático Pitágoras, que viveu no século VI a.C., observou que os estádios de várias cidades da Grécia eram todos divididos em 600 pés. Dai surgiu outra medida – o estádio, equivalente a 600 pés, como se os brasileiros adotassem o Maracanã, igual a 110 metros. Os romanos, que conquistaram a Grécia em 146 a.C., dividiram o pé grego em 12 onças (unciae) ou polegadas (polex), usando a mesma subdivisão para o peso – cuja unidade era a libra (cerca de 325 gramas).

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    Depois dos ensaios unificadores de Carlos Magno com sua libra estelar, quatro séculos se passaram até que um monarca europeu fizesse algo para disciplinar a balbúrdia das dimensões utilizadas pelos mortais comuns. O rei inglês João Sem Terra, o mesmo que em 1215 assinou a Magna Carta – a primeira declaração de direitos e deveres surgida na Europa -, anos mais tarde baixou um decreto chamado Padrão de Pesos e Medidas. O decreto foi tão bem aceito que vigorou quase seiscentos anos; seu problema era a imprecisão das medidas. A jarda real, por exemplo, unidade de comprimento, media três pés, “nem mais nem menos”, como dizia o decreto. Interpretar a lei devia ser uma dor de cabeça, pois, é óbvio, os pés variam de pessoa para pessoa. Naqueles tempos, o pé real era, evidentemente, o pé do rei. Assim, a cada novo soberano, mudava o pé padrão e, conseqüentemente, todas as outras unidades derivadas.

    No século XVII, cientistas europeus tentaram desenvolver um sistema racional e uniforme de pesos e medidas, para acabar com a desordem medieval – que atrapalhava, entre outras coisas, a incipiente comunicação científica. Em 1670, Gabriel Mouton (1618-1694), matemático e vigário da paróquia de São Paulo,em Lyon, na França, propôs um sistema baseado num padrão universal e invariável: a própria Terra. Era a primeira vez que alguém deixava de lado o homem no mundo das medições. A idéia era simples: medir a distância do equador ao pólo norte, através do meridiano que passa por Paris; um décimo de milionésimo daquela distância seria o metro (do grego metron, medida), com múltiplos e submúltiplos decimais. Esses múltiplos seriam criados a partir dos prefixos numéricos gregos, como kilo, mil, e centi, cem.

    A proposta de Mouton, embora revolucionária, serviu apenas para mais de um século de discussões acadêmicas, porque o absolutismo político reinante na Europa não acolhia de bom grado novas idéias. Somente a Revolução Francesa de 1789 possibilitaria o ambiente político propício para um modelo que rompesse com os padrões da Idade Média. Em 1790, o influente pensador Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838) recomendou que a Academia Francesa de Ciências reformulasse os padrões de medida vigentes no país.

    Para tanto, a Academia criou um comitê com as melhores cabeças da época, entre as quais o pai da Química moderna, Antoine-Laurent Lavoisier (SI nº 8, ano 3). Ele foi incumbido de calcular o peso de um volume conhecido de água, para determinar a unidade de massa. Em 1792, a Academia ressuscitou as idéias de Gabriel Mouton e mandou medir o meridiano de Paris. Nesse mesmo ano, uma equipe de físicos, astrônomos e geodesistas iniciou os trabalhos. Eles mediram a distância entre Barcelona e Dunquerque. Isso porque, para medir o segmento de meridiano era preciso escolher um arco, ou seja, um pedaço do quadrante. O arco entre Dunquerque e Barcelona ocupa 9,5 graus do quadrante. Como um quarto de circunferência tem 90 graus, calcula-se por extrapolação astronômica o comprimento total. Os pontos extremos desse arco básico não foram escolhidos ao acaso: Dunquerque e Barcelona ficam ao nível do mar, o que facilitou a medição.

    Além disso, como a Terra não é perfeitamente esférica, os meridianos têm forma de elipse. A maior curvatura encontra-se no equador; a menor, nos pólos. Por essa razão, os graus da subdivisão dos meridianos aumentam do equador para os pólos. Escolhendo-se uma parte da Europa, entre a França e a Espanha, próxima ao paralelo 45 – que indica a distância ao equador -, fica-se num meio termo. Dessa forma, tornava-se mais fácil calcular o valor médio de um dos noventa graus que dividem o quadrante todo. Com esse método, os cientistas chegaram a 5 130 740 toesas, unidade dos tempos de Carlos Magno, ou aproximadamente 10 mil quilômetros – com uma margem de erro de 0,023 por cento, segundo medições recentes. Dividindo esse valor por 10 milhões, como sugerira o bom vigário Mouton, chegou-se ao metro, um padrão constante como o tamanho do planeta que lhe deu origem.

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    Em junho de 1799, finalmente, o metro padrão, uma barra de platina, foi apresentado à Assembléia Nacional, que oficializou o chamado sistema métrico na França. Os outros padrões foram calculados a partir do metro. O grama, unidade básica de massa, era igual à massa de 1 decímetro cúbico de água pura, à temperatura de sua maior densidade (4º C). Depois, um cilindro de platina, conhecido como Quilograma dos Arquivos, foi declarado padrão para 1000 gramas. O litro foi definido como o volume equivalente ao de um cubo com 10 centímetros de lado – um decímetro cúbico. Também foi definida a unidade de área, o are, igual a um quadrado com 10 metros de comprimento.

    O sistema métrico acabou conquistando toda a Europa, não só por ser mais prático e lógico mas na esteira das vitórias militares de Napoleão Bonaparte. Napoleão ainda permitiu o uso do sistema antigo na França. Mas as vantagens do sistema métrico prevaleceram e, em 1840, ele foi declarado o único sistema legal do país – o que de novo ajudou a espalhar o metro pelo mundo. Trinta e cinco anos depois, tornou-se oficial também no Brasil. Os países anglo-saxões resistiram muito mais à inovação gaulesa. A Inglaterra só em 1963 decidiu abandonar legalmente o sistema antigo de polegadas, libras e galões – mas ainda hoje a libra-moeda, decimalizada, compra não 1 quilo de carne, mas 2,2 libras-peso.

    A unificação da Europa, prevista para 1992, deverá apressar o fim dessa dualidade. Em conseqüência, até os renitentes americanos terão de aceitara hegemonia do metro, em última análise, para não perder dinheiro. O engenheiro José Carlos de Castro Waeny, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, vai mais longe:”Todo progresso científico e tecnológico está amarrado ao progresso dos sistemas de medidas”.

    Para saber mais:

    Fábrica de precisão

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    (SUPER número 8, ano 6)

    Metro, quilo e segundo, hoje

    Os padrões de medidas criados no século XVIII não tinham a precisão exigida pela ciência atual. Por isso, uma convenção formulou, em 1960, o novo Sistema Internacional de Medidas, conhecido como SI. (Mais tarde, em 1983, a 17ª Conferência Geral de Pesos e Medidas alterou a definição do metro padrão internacional.) Suas unidades básicas são:

    Comprimento: metro. Definido como o comprimento do trajeto percorrido pela luz, no vácuo, durante um intervalo de tempo de 1/299 792 458 de segundo.

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    Massa: quilograma. O padrão é um cilindro de platina iridiada, depositado no Escritório Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, na França.

    Tempo: segundo. A duração de 9 192 631 770 ciclos de uma determinada radiação de transição (mudança de nível energético) do átomo de césio.

    No Brasil varas, onças e jeiras.

    O Brasil, no tempo da colônia e mesmo no Império, tinha um sistema de medidas muito confuso e diversificado. O comprimento, por exemplo, era medido em palmos, côvados, varas, braças e léguas; o peso (ou a massa) em libras, onças e quintais; a área, em jeiras e alqueires. Em 1862, dom Pedro II determinou a adoção do sistema métrico decimal. Em 1875, o Brasil foi um dos vinte países que assinaram, em Paris, o Tratado do Metro, ratificando o uso oficial do novo sistema. Apesar do pioneirismo, o sistema métrico não é absoluto no país até hoje.

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    Tintas e solventes industriais, por exemplo, são geralmente vendidos não em litros, mas em latas de 1 galão (4,54 litros, padrão inglês, ou 3,78 litros, padrão americano); barras de ferro e tubulações para a construção civil são comercializados não em centímetros, mas em polegadas (2,54 cm); e, como todos sabem, os calibradores de pneus dos postos de gasolina expressam a pressão em libras-força por polegada quadrada – normalmente conhecida apenas por libras, quando a unidade oficial de pressão é o pascal. Se ela fosse usada, em vez de pedir ao frentista que deixasse os pneus com 26 libras, o motorista falaria em 169 quilopascals (kPa).

    Sérgio Ballerini, diretor do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), nota que “o problema está na estrutura educacional brasileira, pois até mesmo nas faculdades se ensina a medir em polegadas”. Embora o Inmetro possa aplicar pesadas multas aos que não usam o sistema métrico, Ballerini prefere, pessoalmente, investir na conscientização. Assim,diante de recentes anúncios de refrigerantes; que apregoavam as vantagens de seus “litrões” e “superlitros”, o Inmetro limitou-se a mandar cartas de advertência aos fabricantes.

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