As culturas mais antigas do Ocidente chamavam deus da mesma forma que as crianças chamam. O nome dele era “Papai do Céu”. Essas culturas não deixaram registros escritos. Os linguistas só sabem que eles chamavam deus de “Papai do Céu” porque comparam idiomas díspares, como o latim, da Europa mediterrânea, e o sânscrito, da Índia. Então pescam os sons que essas línguas têm em comum e tentam reproduzir como era o idioma ancestral que deu origem a elas lá atrás.
Essa língua-mãe, concluíram os especialistas, era falada há mais ou menos 6 mil anos. Hoje a chamamos por um nome técnico: “proto-indo-europeu”. E, nesse idioma, que daria origem a 439 línguas e dialetos modernos, o nome de deus soava como Dyeus Phater – sendo que Dyeus é “céu”, e Phater, como a grafia deixa claro, é “pai”.
Na Índia, o nome segue parecido até hoje: “Papai do Céu” em védico-sânscrito, um dos idiomas locais, é Dyaus Pita. O Papai do Céu hindu sempre foi só uma divindade de segundo escalão naquelas bandas. Na Grécia, porém, ele acabou mais bem-sucedido: a expressão Dyeus Phater evoluiu até virar Zeus Pater. Em latim, o Dyaus Pita acabou contraído para algo como que soa como “Iúpita – “Júpiter” na grafia de hoje.
Mas essa é só a origem da palavra mesmo. Júpiter está morto. Não resistiu ao fim da cultura greco-romana. No lugar dele assumiu uma divindade do Oriente Médio: Iahweh (Javé), o deus que tinha começado sua “carreira” como uma espécie de padroeiro de uma tribo de pastores, a dos israelitas, bem antes de as divindades da Grécia e de Roma terem nascido. Javé, no início, era apenas um entre muitos deuses da velha Canaã, mas, graças a um certo livro composto pelos israelitas, ganhou status de deus único. E, nas culturas ocidentais, assumiu a alcunha derivada de Dyeus, que já tinha nomeado deus-chefe da cultura greco-romana.
Bom, antes de Javé ascender ao cargo de grande entidade monoteísmo judaico, o deus-chefe da mitologia cananeia era outro: um certo El. O curioso é que o Deus da Bíblia aparece chamado como “El” em alguns trechos do livro sagrado – uma evidência de que a transição entre El e Javé no folclore de Canaã foi lenta e gradual; e de que a metamorfose do politeísmo para o monoteísmo também não foi um processo instantâneo.
O Salmo 82 talvez seja um vestígio arqueológico dessa época. Ali, Javé aparece no “conselho de El”, junto de outras divindade. E dirigi-se a eles dizendo “Vocês são deuses. São todos filhos do Altíssimo”. No original, em hebraico, “altíssimo” é “el elyon”. Mas só o “elyon” significa “altíssimo”, “maior de todos”. O “El” é um sinônimo para “Deus”, com “D” maiúsculo. Ou seja: para alguns dos autores da bíblia o deus máximo não era Javé. Era o cananeu El.
Mais tarde, o deus do judaísmo e do cristianismo se tornaria a entidade máxima de uma religião um pouco mais recente: o islamismo (findado no século 7). O deus dos muçulmanos, afinal, é o deus da Bíblia. E “Allah” nada mais é do que uma variação de “El”.
Um só Deus, que ao mesmo tempo é três.