Como é o seu trabalho?
Funciona assim: antes de a água sair da capital em direção ao interior, ela passa por uma barragem com uma grade que segura o lixo. e quando essa grade entope, a turbina da barragem começa a trepidar, porque não tem água chegando. É quando fazemos a limpeza. É tudo pelo tato, porque não dá para enxergar nada dentro do rio. Descemos sempre com uma guia, que pode ser a parede. e se você perder essa referência não vai saber onde está, se é em frente à barragem, para esquerda, ou direita. Aí precisa voltar para a superfície.
Quais as coisas mais bizarras que você tirou do rio?
Tem de tudo lá, fogão, geladeira, gente morta. sabe aquelas bolhas que saem do Tietê? É material orgânico em decomposição: cadáver, animal, porco. Numa das vezes em que amarrei a grade e subiram para limpeza, apareceu junto uma bolsa. E quando abriram, encontraram us$ 2 mil. Aí, depois disso, qualquer mala que puxavam do rio, o pessoal pulava para ver se era dinheiro. E numa dessas tinha uma mulher toda recortada, esquartejada lá dentro. Você identifica pelo cheiro: quando sai da água e bate o sol, fica um fedor incrível. E aí tivemos de ir até a delegacia. Há uns 8, 10 anos, quase todo dia tirávamos um corpo de lá. Agora melhorou, é mais raro.
Já mergulhou em algum lugar pior que o Tietê?
Uma vez mergulhamos numa estação de tratamento de esgoto. Esgoto mesmo. E até hoje não sei qual é pior, se isso ou alguns pontos do Tietê e Pinheiros, porque tem coisa demais lá dentro: cadáver, feto, tudo. Desculpe pela palavra, mas literalmente você fica na m*** nesses rios.
Quanto você recebe pelo serviço?
O salário é cerca de R$ 1 000, mais 30% de periculosidade e adicionais. E tem mais R$ 40 e poucos pelo desgaste orgânico. Antigamente acho que um trabalho desses rendia mensalmente em torno de R$ 5 mil. Hoje varia de r$ 2 a 4 mil. Isso se eu passar o mês todo mergulhando no Tietê, né?
Como é a sua roupa?
É americana, de PVC, com espessura de 1 a 2 milímetros e não pesa quase nada. Ela se molda ao punho e pescoço. Daria para entrar no rio até de smoking e sair do mesmo jeito, de tão impermeável. O problema é quando fura, quando pega um caco de vidro ou arame, aí temos de pedir logo para o pessoal puxar de volta para a superfície, ou então você fica em contato direto com a água do Tietê. Antigamente a gente descia com uma roupa comum de surfista, que molha. E nem sempre eu usei capacete, às vezes era uma válvula de mergulho comum. Naquela época tinha de ser cangaceiro, combatente mesmo. Mas era muito difícil, só trabalhava quem precisava mesmo, e o salário era maior. Até porque naquela época não tinha tanta gente disposta a fazer isso. Às vezes, alguém raspava o braço na grade e se machucava: muita gente tinha a mão ou pé necrosados até.