A explicação tradicional diz que o Piauí foi o único estado ocupado do interior para o litoral porque o povoamento de seu território começou nas fazendas de gado que se instalaram no sul da região. No resto do Nordeste, por outro lado, predominavam as plantações de cana-de-açúcar junto à costa, onde o clima era mais favorável para a agricultura e a proximidade com o mar facilitava a exportação. “Mas a tese de que o território piauiense foi desbravado do interior para o litoral é apenas uma afirmação que alguém escreveu um dia e que, de tanto ser comodamente repetida, tornou-se aceita”, afirma o historiador Antonio Fonseca dos Santos Neto, da Universidade Federal do Piauí.
Para reforçar essa ideia, o especialista aponta registros de expedições militares e religiosas que percorreram o litoral do estado antes que os criadores de gado estabelecessem seus rebanhos no interior. Entretanto, o pesquisador faz coro com quem não considera que esses fluxos tenham, de fato, colonizado o litoral. “Povoar não significa apenas passar por um lugar, mas estabelecer-se permanentemente. Por isso, pensamos que a colonização começou com as fazendas de gado que ocuparam o sul do atual estado do Piauí”, dizem os historiadores Alcebíades Costa Filho e Sérgio Brandim, do Arquivo Público do Piauí.
Por causa dessa trajetória incomum, o Piauí é um dos poucos estados brasileiros banhados pelo oceano que não tem uma capital litorânea. No século 18, a tendência de consolidar o desenvolvimento no interior concretizou-se quando a vila de Oeiras, situada no centro do estado, tornou-se capital. Essa tradição continua até hoje: Teresina, a atual capital, é a única do Nordeste que não fica junto ao mar.
Na contramão da história
Antes de o gado ocupar o sertão, jesuítas já desbravavam a costa
1. Antes do descobrimento, tribos indígenas habitavam a região do atual Piauí. A partir do século 17, tremembés e acroás foram expulsos ou mortos com a colonização. As principais ameaças eram os currais de gado, que roubavam espaço das aldeias, os bandeirantes, que dizimavam as tribos com a escravidão, e as missões jesuítas, que renegavam a cultura dos índios ao convertê-los ao catolicismo.
2. Em 1607, grupos de padres jesuítas começam a viajar de Pernambuco rumo ao Maranhão. No caminho, atravessam o Ceará e chegam ao Piauí, fixando-se na região do delta do atual rio Parnaíba, o maior do estado. Durante todo o século 17, é intensa a presença de missões de catequização de índios nessa área próxima ao mar.
3. Em meados do século 17, uma leva de migrantes saídos da costa do Maranhão também ocupa o litoral do Piauí. Reunia jesuítas e agricultores à procura de novas terras para plantar e criar gado. Como essa corrente enfrenta intensa resistência dos índios tremembés, não há registro de sua instalação definitiva na região.
4. Nas décadas de 1660 e 1670, grupos de bandeirantes paulistas se embrenham pelo Piauí para caçar índios. Uma dessas expedições teria sido chefiada por Domingos Jorge Velho, que teria batizado o rio Parnaíba em homenagem à Santana do Parnaíba, sua cidade natal
5. Criadores de gado baianos sobem o rio São Francisco e instalam fazendas de gado no sul do estado a partir de 1671. Os índios resistem à chegada dos brancos, mas a tendência de desenvolver o interior se confirma com a fundação da sede do governo em Oeiras, no centro do estado, em 1712.