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Nas eleições, desconfie da sua desconfiança

As fake news são um problema real, mas pior ainda é quem acha que tudo o que vai contra sua ideologia não passa de mentira.

Por Pedro Burgos
Atualizado em 27 nov 2020, 13h42 - Publicado em 24 jan 2018, 16h18
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  • O agente decisivo das eleições está no seu bolso, e não é o seu dinheiro, mas o seu celular. Mais especificamente as conversas de WhatsApp, postagens de Facebook e vídeos no Twitter que apitam nele o dia todo. Esse tipo de informação vai ter um papel cada vez mais importante na decisão de voto. Não apenas porque há mais gente do que nunca nas redes sociais (mais da metade da população brasileira está no Facebook), mas porque haverá menos dinheiro nas campanhas eleitorais. Com empresas proibidas de fazer doações e a Justiça vigiando o caixa dois, os partidos irão preferir centrar o fogo onde já têm milhões de “fãs”, em vez de criar propagandas caras para a TV ou organizar showmícios. Essa mudança não só faz sentido economicamente, mas parece uma consequência natural de como nos organizamos: conversamos mais na internet, inclusive sobre política – logicamente, os candidatos vão querer participar da discussão. A princípio, não há nada terrível ou surpreendente nisso.

    Mas converse com acadêmicos e estrategistas e o papo sobre política nas mídias sociais logo ganha contornos bélicos. Fala-se em “táticas de guerrilha”, “exército de robôs” e “campanha de desinformação”, como se o Facebook fosse um campo minado em que inocentes tentam navegar entre fotos de cachorros.

    Essa noção de que as discussões sobre política no Facebook são coordenadas por grupos mal-intencionados é incrivelmente superestimada. E só atrapalha na hora de entender por que eleitores escolhem um ou outro político. No fim, a crença de que essas estratégias estão presentes é a causa e a consequência da polarização em que vivemos. Para quem vê conspiração em tudo, há dois campos na internet: “eles”, os que espalham mentiras, inclusive usando complicadas tramas tecnológicas, e “nós”, pessoas bem-intencionadas, alvos das mentiras.

    Não que a paranoia tenha surgido do nada, claro. Uma reportagem da BBC Brasil revelou a existência de “fazendas de perfis falsos”: por R$ 1,2 mil por mês, uma pessoa controlava 18 personas no Facebook e no Twitter para elogiar um candidato ou compartilhar o que mandavam. Esses fakes atuaram em 2014 e seguem atuando. Nos EUA, houve um certo pânico sobre o alcance dos sites criados para espalhar notícias falsas. Descobriu-se que jovens na pequena Macedônia estavam lucrando ao espalhar fake news como a de que o papa Francisco apoiava Trump. Incontáveis artigos foram escritos pedindo que as grandes plataformas online tomassem alguma providência.

    Não sabemos quantos perfis fakes ou sites de fake news existem. Talvez isso não seja relevante. A questão é que o foco nessas novas modalidades de campanhas difamatórias ou claques compradas – que sempre existiram – desviam a nossa atenção para problemas mais profundos do debate político. E pior: viram escudo para candidatos e uma forma de aumentar a própria polarização. Não à toa o termo “fake news” foi rapidamente apropriado por políticos que de fato mentem. Donald Trump, o presidente da Síria Bashar al-Assad e o venezuelano Nicolás Maduro incorporaram o termo “fake news” em seus discursos para desmerecer qualquer acusação.

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    Ou seja, em um intervalo de um ano, o problema passou de “fazendas de fake news” para “políticos usando o termo fake news”. Isso dá uma mostra de que o real problema era outro: a total descrença de parte importante da população nas instituições. Notícia acusando o seu candidato? “Fake news”. Condenação na Justiça? “Dois pesos e duas medidas”.
    O Ibope, que analisa a confiança dos brasileiros em 18 instituições – dos bombeiros à presidência da República –, viu todas elas, sem nenhuma exceção, perderem credibilidade de 2009 para cá.

    É claro que nenhuma instituição é perfeita, especialmente no Brasil, longe disso. Mas quando passamos da desconfiança saudável para o cinismo tóxico, de desacreditar nas instituições por padrão, a sociedade inteira perde. Se o primeiro instinto é crer que a mídia mente, que a Justiça é injusta e que todos os políticos atuam primordialmente sobre seus interesses próprios, a visão cínica que se segue nas mídias sociais é mera consequência. Se temos uma visão extremamente negativa sobre um político, “faz sentido” crer que os seus defensores sejam perfis falsos. Se, por outro lado, acreditamos piamente na inocência de um candidato, a ideia de que os jornais estão mentindo sobre ele, e que há grandes interesses por trás, ganha mais força.

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    Essa desconfiança desproporcional, que ajuda a pintar adversários como inimigos e torna plausíveis teorias conspiratórias, é a raiz de todos os problemas de desinformação hoje. Robôs, perfis fake e os algoritmos do Facebook não causaram isso, nem contribuíram significativamente para a desinformação. O que deve ficar mais claro este ano é que precisamos tomar cuidado mesmo é com gente de carne e osso – elas são bem melhores (ou mais perigosas) em explorar essa paranoia das pessoas, como ficou claro em um bizarro ataque à imprensa americana no fim de 2017.

    O jornal Washington Post – um dos mais sérios do mundo – publicou uma série de relatos das vítimas sexuais de Roy Moore, o candidato republicano ao Senado pelo Alabama. As denúncias foram checadas com múltiplas testemunhas, apuradas por meses. Mesmo assim, um mês depois, 94% dos eleitores de Moore acreditavam que as denúncias eram falsas. Corria um boato nas mídias sociais dos conservadores que repórteres do Post estavam distribuindo dinheiro para quem quisesse fazer denúncias parecidas.

    A dificuldade em aceitar discurso negativo já seria suficiente. Mas aí veio o mais bizarro. Uma mulher procurou repórteres do Post para dizer que foi estuprada por Moore quando tinha 15 anos. O Post fez o que jornalistas devem fazer: pediu mais informações, identificou inconsistências. Por duas semanas, os jornalistas checaram e entrevistaram novamente a suposta vítima. Até que descobriram que ela estava inventando tudo, e gravaram a conversa. Pior: ela estava sendo paga por uma organização que tem como propósito desacreditar a mídia. Os farsantes queriam “provar” que a mídia iria engolir qualquer denúncia grave contra o senador por puro partidarismo. Quebraram a cara.

    Mas pode ter sido apenas sorte do Post. Outros ataques assim certamente acontecerão em um ano eleitoral. E políticos novamente irão desacreditar acusadores, com o objetivo de vacinar os seguidores contra denúncias reais. Não caia nessa.

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