Nesta segunda-feira (5), foram anunciados os vencedores do Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina de 2020. O britânico Michael Houghton e os americanos Harvey Alter e Charles Rice foram os laureados devido a estudos que contribuíram para o descobrimento do vírus causador da hepatite C.
A hepatite C é uma infecção considerada comum que causa a inflamação do fígado. Ela pode evoluir para complicações graves, causando cirrose ou câncer no órgão, que podem precisar de transplante. Hoje, há cerca de 700 milhões de pessoas convivendo com o vírus causador da doença no mundo, com uma média de 400 mil mortes por ano.
Graças aos esforços dos pesquisadores premiados, hoje é possível evitar a disseminação da doença e até mesmo tratá-la com antivirais.
A descoberta
Na década de 1940, o vírus da hepatite A (VHA) já era conhecido. Ele é transmitido através de água ou alimentos contaminados, podendo causar problemas de saúde à longo prazo, mas geralmente não evolui para casos graves. No mesmo período, era consenso que havia um outro vírus causando inflamação do fígado, o qual poderia ser transmitido por meio do sangue ou fluidos corporais – e causava danos bem mais severos.
O micróbio misterioso era motivo de preocupação tanto para os médicos quanto para pacientes que precisavam realizar transfusões sanguíneas. Um procedimento destinado a salvar vidas poderia acabar transmitindo um patógeno relacionado a doenças graves no fígado. Mas na década de 1960, o cientista Baruch Blumberg finalmente descobriu o culpado: o vírus da hepatite B (VHB). Após a descoberta, seria possível identificá-lo por meio de exames, e as pessoas poderiam doar e receber sangue sem grandes preocupações. Além disso, os esforços do pesquisador levaram à fabricação de uma vacina. A descoberta rendeu à Blumberg o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina no ano de 1976.
Parecia estar tudo sob controle. Acontece que algumas pessoas continuavam a desenvolver doenças hepáticas após transfusões sanguíneas mesmo sem apresentar nenhum dos dois vírus no corpo. Foi Harvey Alter (um dos laureados de 2020) que documentou o fenômeno enquanto estudava casos de hepatite em pacientes de transfusão no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, em 1972.
Alter e sua equipe também mostraram que o vírus era capaz de infectar chimpanzés, o único animal suscetível à doença além dos humanos. A infecção, cujo vírus ainda não estava descrito, ficou conhecida como hepatite “não A, não B” – não muito original.
Se Alter bateu a massa do bolo, foi Michael Houghton que o colocou para assar. O vencedor britânico foi quem conseguiu isolar o material genético do vírus e, finalmente, descobrir o vírus da hepatite C (VHC). Em 1989, ele trabalhava na empresa farmacêutica Chiron e, junto de seus colegas Qui-Lim Choo e George Kuo, descobriu este vírus de RNA pertencente à família dos flavivírus. Com isso, foi possível criar testes de detecção do patógeno e rastreá-lo nos doadores de sangue, tornando o processo bem mais seguro.
Mas faltava a cereja do bolo. Os pesquisadores precisavam confirmar se o vírus era capaz de se replicar e causar complicações por si só. Então, em 1997, Charles Rice, professor da Universidade Washington em St. Louis, decidiu clonar o vírus para ver se a nova versão seria capaz de se replicar e causar doenças. Ele injetou o patógeno geneticamente modificado no fígado de chimpanzés e comprovou a infecção.
Hoje, graças à ciência, as hepatites A e B possuem vacina, enquanto a hepatite C pode ser tratada com antivirais. Cientistas ao redor do globo já estão trabalhando em um imunizante para o último vírus descrito. Em nota, o comitê do Prêmio Nobel escreveu: “Pela primeira vez na história, a doença agora pode ser curada, aumentando as esperanças de erradicar o vírus da hepatite C da população mundial”.
Os outros prêmios serão entregues ao longo da semana. Na terça-feira será anunciado o Nobel de física, e o de química na quarta-feira. O Prêmio de Literatura, Paz e Ciências Econômicas serão anunciados, respectivamente, na quinta, sexta e próxima segunda-feira (12).