Chega a espantar, mas as doenças de pele representam hoje a quarta maior causa de incapacitação no planeta. O dado, inédito, vem de uma robusta revisão englobando registros hospitalares e mais de 4 mil pesquisas publicadas entre 1980 e 2013 ao redor do mundo.
“Consideramos nessa conta qualquer efeito negativo na vida e na saúde. No caso dos problemas dermatológicos, isso incluía dor, deformidade, impacto psicológico e, embora a estatística não considere esse ponto, até morte”, explica a médica Chante Karimkhani, uma das autoras da investigação liderada pela Universidade do Colorado, nos Estados Unidos.
Os perrengues que podem atormentar a pele, longe de serem só estéticos, têm a ver com uma peculiaridade e tanto: falamos do maior e mais exposto órgão do corpo humano. Ele está sujeito a vírus, fungos, raios solares, elementos alergênicos e irritantes… É vasto o rol de agressores externos, sem contar que às vezes a discórdia se inicia dentro do próprio organismo.
A grande questão, porém, é que os danos à derme não têm consequências apenas frente ao espelho. “Doenças dermatológicas podem prejudicar as relações sociais e a capacidade produtiva”, alerta o médico Hélio Miot, diretor da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
“Dermatite, acne, urticária e psoríase, transtornos inflamatórios comuns na população, foram as condições com maior impacto no dia a dia em nossa análise”, revela o dermatologista Robert Dellavalle, coordenador do trabalho americano.
Alguns males, por outro lado, se aproveitam da aparência inicialmente discreta para crescer durante anos e tornar-se uma ameaça ao corpo todo, caso dos tumores de pele, com alta incidência no Brasil. A partir de agora, destrinchamos os distúrbios que encabeçam esse ranking e as táticas para vencê-los ou ao menos controlá-los. Dando valor às necessidades da pele e estreitando a parceria com o dermato, o risco de sofrer será bem menor – por fora e por dentro.
Dermatites
“Tecnicamente, chamamos de dermatite qualquer inflamação na pele”, adianta a dermatologista Caroline Mourão, de São Paulo. Três tipos, porém, são mais recorrentes nos consultórios. Começamos com a dermatite atópica, que surge sem motivo aparente e costuma estar ligada a crises de rinite e asma. “Ela é mais prevalente e preocupante nas crianças, chegando a exigir internação em alguns casos”, afirma Caroline.
Para contrapor a vermelhidão e as lesões em algumas áreas, o tratamento recorre a cremes específicos e remédios que controlam a inflamação – há situações em que a melhora pra valer só vem com os anos. Nos adultos é mais frequente deparar com a dermatite de contato, uma irritação que aparece depois da exposição a uma substância ou tecido – pode ser perfume, lã… O local agredido fica vermelho, arde, descasca e chega até a formar bolhas.
Há casos em que o sujeito precisa inclusive se afastar do trabalho. “Cerca de 20% dos funcionários do setor industrial têm sensibilidade a algum componente que manuseiam”, estima Miot. O essencial aqui é justamente decifrar a causa das lesões. Por fim, tem a dermatite seborreica, a famosa caspa, que na maioria das vezes só gera a descamação do couro cabeludo e das sobrancelhas, e seus consequentes pontinhos brancos nas roupas. Nos casos menos severos, xampus especiais tendem a resolver a vida.
Acne
Oito em cada dez pessoas já tiveram espinhas alguma vez na vida, calcula o professor Miot. Quando o quadro avança, deixa de ser um incômodo estético, podendo resultar em dor, baque emocional e entraves sociais. Quanto mais cedo o tratamento começa, menor a probabilidade de penar com essas consequências.
“Casos mais leves são manejados com remédios de uso tópico. Nos mais sérios, não raro é preciso recorrer a medicamentos orais e antibióticos”, esclarece a dermatologista Ana Maria Quinteiro Ribeiro, professora da Universidade Federal de Goiás.
Convém derrubar um mito: o de que a acne está diretamente relacionada à alimentação. Na verdade, o grande patrocinador de espinhas é a atividade hormonal – daí a maior incidência do problema em adolescentes.
Mas não pense que ele é coisa exclusiva de jovenzinhos. “Na mulher adulta, a condição começa a aparecer a partir dos 25 anos e exige investigação dos níveis de hormônios e do uso de cosméticos”, exemplifica Ana Maria. Enquanto as lesões pipocam, vale resistir à tentação de cutucá-las ou estourá-las, assim como aplicar soluções caseiras. Isso pode agravar a situação. Exposição solar, contato com produtos oleosos e estresse constante também são acusados de instigar o círculo vicioso da acne.
Urticária
Marcada por vermelhidão, inchaço e uma tremenda coceira, ela é desencadeada por vários fatores, de frio a exercício físico. Embora os vergões sumam em coisa de 24 horas, a crise toda demora semanas para ir embora, com focos de coça-coça e ardência desaparecendo e retornando.
Se esses sintomas forem familiares, procure um dermato, que ajudará a investigar a raiz da chateação – por volta de 20% dos acometidos terão novos episódios pelas próximas duas décadas. Outra boa razão para não deixar passar batido: a presença de urticária está ligada a um maior risco de anafilaxia, sufoco potencialmente fatal.
Micose
O inimigo aqui são os fungos. E saiba que mesmo micoses aparentemente simples chegam a estorvar a rotina se não enfrentadas. “As de unha, por exemplo, provocam dor, atrapalham o uso de calçados e até o trabalho”, afirma o microbiologista Flávio de Queiroz Telles Filho, da Universidade Federal do Paraná. A maior dificuldade é que o tratamento é lento e exige paciência – às vezes as pomadas antifúngicas sozinhas não dão conta. “Há ainda micoses menos comuns e mais perigosas, como a esporotricose, transmitida por gatos e capaz de causar até danos internos”, alerta Filho.
Celulite
Não estamos nos referindo àquele incômodo estético com aspecto de casca de laranja que costuma aparecer nas coxas e nas nádegas, mas de uma infecção cutânea aguda, por trás de vermelhidão, inchaço, dor e febre. Sim, falamos do ataque de uma bactéria, que precisa ser combatida com antibióticos. Uma condição da mesma laia e até mais incidente no Brasil é a erisipela. Essa infecção atinge camadas mais superficiais, mas pode evoluir terrivelmente se não for suprimida. Idosos, diabéticos, obesos e outros indivíduos com a circulação comprometida estão mais suscetíveis a ela.
Doenças virais
Os vírus que azucrinam a pele podem ser passageiros, como os da catapora e do molusco contagioso, ou recorrentes, como o da herpes e alguns tipos de HPV causadores de verrugas. Mas qualquer estrago que cometam significa que o sistema imune não foi capaz de defender a derme. E olha que às vezes o problema é penoso. “Em idosos, o vírus da catapora pode se reativar e gerar o herpes-zóster“, dá um exemplo Miot. Trata-se de uma agressão à pele e a nervos periféricos que gera dores lancinantes. Ainda bem que, tanto nesse caso, como no do HPV e no do sarampo, vacinas existem para prevenir as complicações.
Psoríase
Alvo de campanhas de conscientização nos últimos anos – justamente pelas suas repercussões físicas e emocionais -, essa inflamação crônica em alguns pontos da pele é acionada pelas próprias células de defesa do organismo. Na maioria das vezes, as placas vermelhas que descascam e causam coceira e dor aparecem em cotovelos, joelhos, costas… Mas há casos em que o tormento afeta as unhas e até os genitais.
Embora dê as caras em qualquer faixa etária, o pico de incidência ocorre aos 40 anos. Isso porque, além da influência genética, outros fatores conspiram para o despertar do distúrbio. “Estresse, infecções, alterações metabólicas como as promovidas pelo diabete e traumas na pele podem ser gatilhos em pessoas com tendência à doença”, explica Ana Maria. “Cerca de 70% dos portadores apresentam a forma mais leve, capaz de ser controlada com cremes e hidratantes, mas 30% dos casos são mais graves e demandam medicações orais e injeções”, diferencia a professora.
Existem situações em que a psoríase passa a atacar inclusive as articulações das mãos, levando a dor e rigidez. Para os graus mais brandos, a sugestão é abusar da hidratação e evitar banhos quentes e demorados, que contribuem para o ressecamento da pele. Embora psoríase não tenha cura, com a nova geração de medicamentos até os quadros mais tensos estão conseguindo ser bem administrados.
Câncer de pele
Quando se pede para ficarmos de olho em sinais estranhos na pele, isso se deve ao fato de que podem acusar um tumor em fase inicial. Os carcinomas, versão mais prevalente, costumam ser limados em um pequeno procedimento cirúrgico. Já o melanoma, mais agressivo, muitas vezes precisa do apoio de quimio ou imunoterapia. Embora sejam diferentes, ambos dividem os mesmos fatores de risco: a exposição aos raios solares e a falta de diagnóstico precoce. “Pintas diferentes, de cores e bordas irregulares, merecem análise médica”, orienta o oncologista Artur Malzyner, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Escaras
Também chamadas de úlceras de decúbito ou pressão, essas feridas brotam e crescem em pessoas que ficam acamadas ou em cadeiras de rodas por longos períodos. O estrago decorre da fricção entre a pele e a superfície externa. Sem receber sangue a contento, as células epiteliais vão morrendo até a lesão dominar o pedaço. Daí por que em clínicas e hospitais hoje se toma tanto cuidado para evitar sua formação – mudança contínua de posição, colchões especiais e uso de óleos e loções ajudam nesse sentido. O arsenal terapêutico contra escaras cresceu nos últimos anos, e hoje até casos críticos conseguem ser domados.
Sarna
Ela não é problema só de bicho, não. São bolinhas vermelhas e uma coceira danada, especialmente à noite, que denunciam o início da escabiose (seu nome técnico), mal provocado por um ácaro que se espalha rapidinho por lugares muito povoados. “O peso dela é mais significativo em regiões como a área tropical da América Latina”, conta Dellavalle. Isso é triste porque o simples acesso a água potável e saneamento básico seria suficiente para baixar os índices de transmissão nos humanos. Entre as atitudes recomendadas para a prevenção, estão os banhos diários e uma higiene adequada das mãos.
Alopecia
A queda de cabelo também sabota a autoestima e a qualidade de vida. Mas a calvície que entrou no ranking americano não é resultado do avançar da idade. A encrenca aqui é a alopecia areata, tipo mais comum em gente jovem e que deixa verdadeiras clareiras na cabeça. “Os fios saem em tufos, principalmente em períodos de estresse intenso”, detalha Caroline. Em geral, há um histórico familiar da condição, muitas vezes associada a doenças autoimunes. A maioria dos casos, felizmente, melhora de forma espontânea. Se isso não ocorrer, o dermato pode receitar remédios para dar uma força.
Conteúdo publicado originalmente em SAÚDE