Fábio Peixoto
“Procure ver o lado bom das coisas ruins.” Essa frase poderia estar em qualquer livro de auto-ajuda ou parecer um conselho bobo de um mestre de artes marciais saído de algum filme ruim. Mas, segundo os especialistas que estudam o humor a sério, trata-se do maior segredo para viver bem. Não é difícil encontrar exemplos que comprovam que eles têm razão. Como um palmeirense poderia manter o alto-astral depois que seu time perdeu a final da Taça Libertadores da América, em 2000? Fácil. É só lembrar que o Palmeiras eliminou o arqui-rival Corinthians nas semifinais da competição. Inversamente, a mesma situação pode servir para manter o bom humor do corinthiano. Afinal, embora seu time tenha sido eliminado, o Palmeiras acabou morrendo na praia. Não se trata de ver o mundo com os olhos róseos de Pollyanna. Esse tipo de flexibilidade para encarar os acontecimentos ruins não garante apenas algumas risadas: pode fazer bem para a saúde.
O bom humor é, antes de tudo, a expressão de que o corpo está bem. Ele depende de fatores físicos e culturais e varia de acordo com a personalidade e a formação de cada um. Mas, mesmo sendo o resultado de uma combinação de ingredientes, pode ser ajudado com uma visão otimista do mundo. “Um indivíduo bem-humorado sofre menos porque produz mais endorfina, um hormônio que relaxa”, diz o clínico geral Antônio Carlos Lopes, da Universidade Federal de São Paulo. Mais do que isso: a endorfina aumenta a tendência de ter bom humor. Ou seja, quanto mais bem-humorado você está, maior o seu bem-estar e, consequentemente, mais bem-humorado você fica. Eis aqui um círculo virtuoso, que Lopes prefere chamar de “feedback positivo”. A endorfina também controla a pressão sanguínea, melhora o sono e o desempenho sexual. (Agora você se interessou, né?)
Mas, mesmo que não houvesse tantos benefícios no bom humor, os efeitos do mau humor sobre o corpo já seriam suficientes para justificar uma busca incessante de motivos para ficar feliz. Novamente Lopes explica por quê: “O indivíduo mal-humorado fica angustiado, o que provoca a liberação no corpo de hormônios como a adrenalina. Isso causa palpitação, arritmia cardíaca, mãos frias, dor de cabeça, dificuldades na digestão e irritabilidade”. A vítima acaba maltratando os outros porque não está bem, sente-se culpada e fica com um humor pior ainda. Essa situação pode ser desencadeada por pequenas tragédias cotidianas – como um trabalho inacabado ou uma conta para pagar –, que só são trágicas porque as encaramos desse modo.
Evidentemente, nem sempre dá para achar graça em tudo. Há situações em que a tristeza é inevitável – e é bom que seja assim. “Você precisa de tristeza e de alegria para ter um convívio social adequado”, diz o psiquiatra Teng Chei Tung, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “A alegria favorece a integração e a tristeza propicia a introspecção e o amadurecimento.” Temos de saber lidar com a flutuação entre esses estágios, que é necessária e faz parte da natureza humana. O humor pode variar da depressão (o extremo da tristeza) até a mania (o máximo da euforia). Esses dois estados são manifestações de doenças e devem ser tratados com a ajuda de psiquiatras e remédios que regulam a produção de substâncias no cérebro. Uma em cada quatro pessoas tem, durante a vida, pelo menos um caso de depressão que mereceria tratamento psiquiátrico.
Enquanto as consequências deletérias do mau humor são estudadas há décadas, não faz muito tempo que a comunidade científica passou a pesquisar os efeitos benéficos do bom humor. O interesse no assunto surgiu há vinte anos, quando o editor norte-americano Norman Cousins publicou o livro Anatomia de uma Doença, contando um impressionante caso de cura pelo riso. Nos anos 60, ele contraiu uma doença degenerativa que ataca a coluna vertebral, chamada espondilite ancilosa, e sua chance de sobreviver era de apenas uma em quinhentas. Em vez de ficar no hospital esperando para virar estatística, ele resolveu sair e se hospedar num hotel das redondezas, com autorização dos médicos. Sob os atentos olhos de uma enfermeira, com quase todo o corpo paralisado, Cousins reunia os amigos para assistir a programas de “pegadinhas” e seriados cômicos na TV. Gradualmente foi se recuperando até poder voltar a viver e a trabalhar normalmente. Cousins morreu em 1990, aos 75 anos.
Se Cousins saiu do hospital em busca do humor, hoje há muitos profissionais de saúde que defendem a entrada das risadas no dia-a-dia dos pacientes internados. O mais radical deles é Patch Adams, um médico americano que começou no mês passado a construir o primeiro “hospital bobo” do mundo. Adams quer que os doentes dêem risadas enquanto se recuperam. Uma boa gargalhada é um método ótimo de relaxamento muscular. Isso ocorre porque os músculos não envolvidos no riso tendem a se soltar – está aí a explicação para quando as pernas ficam bambas de tanto rir ou para quando a bexiga se esvazia inadvertidamente depois daquela piada genial. Quando a risada acaba, o que surge é uma calmaria geral. Além disso, se é certo que a tristeza abala o sistema imunológico, sabe-se também que a endorfina, liberada durante o riso, melhora a circulação e a eficácia das defesas do organismo.
A alegria também aumenta a capacidade de resistir à dor, graças também à endorfina. Vários estudos já comprovaram isso, alguns deles bem engraçados. Uma dessas pesquisas colocou um grupo com as mãos dentro de um balde de água gelada enquanto passava um filme humorístico. Essas pessoas ficavam com as mãos na água mais tempo que outros sem estímulo divertido.
Evidências como essa fundamentam o trabalho dos Doutores da Alegria, que já visitaram 170 000 crianças em hospitais. As invasões de quartos e UTIs feitas por 25 atores vestidos de “palhaços-médicos” não apenas aceleram a recuperação das crianças, mas motivam os médicos e os pais. A psicóloga Morgana Masetti acompanha os Doutores há sete anos. “É evidente que a trabalho diminui a medicação para os pacientes”, diz ela.
O princípio que torna os Doutores da Alegria engraçados tem a ver com a flexibilidade de pensamento defendida pelos especialistas em humor – aquela idéia de ver as coisas pelo lado bom. “O clown não segue a lógica à qual estamos acostumados”, diz Morgana. “Ele pode passar por um balcão de enfermagem e pedir uma pizza ou multar as macas por excesso de velocidade.” Para se tornar um membro dos Doutores da Alegria, o ator passa num curioso teste de autoconhecimento: reconhece o que há de ridículo em si mesmo e ri disso. “Um clown não tem medo de errar – pelo contrário, ele se diverte com isso”, diz Morgana. Nem é preciso mencionar quanto mais de saúde haveria no mundo se todos aprendêssemos a fazer o mesmo.
Para saber mais
Na livraria: Soluções de Palhaços: Transformações na Realidade Hospitalar, Morgana Masetti, Editora Palas Athena, São Paulo, 1997.
Na TV:
Patch Adams, o Amor É Contagioso, de Tom Shadyack, 1998. Destaque do mês no canal por assinatura Telecine 1.
Termômetro do ânimo
O humor é como a temperatura do corpo: não deve atingir limites extremos
Mania
O bom humor exagerado pode ser acompanhado por tagarelice e megalomania, que tornam o convívio social insuportável.
Hipomania
Uma forma mais leve de mania, em que a euforia é menor. Quem tem hipomania é otimista demais e tende a querer desafiar os outros.
Hipertimia
O indivíduo fica alegre e agitado, com muita disposição e pouca necessidade de descanso. Em geral, seu comportamento não causa prejuízos.
Neutro
O humor de uma pessoa saudável varia muito durante o dia, mas sempre entre as fronteiras da hipertimia e da hipotimia.
Hipotimia
Lembra-se daquele cara que se vestia de preto e curtia um som melancólico? O hipotímico não sente tanto prazer nas coisas, mas fica confortável na sua “tristeza”.
Distimia
É uma depressão leve. O distímico costuma ser rabugento, irritável e pessimista. Não gosta de nada e afasta amigos e pretendentes.
Depressão
A tristeza profunda é acompanhada de uma sensação de vazio. Um deprimido não sente prazer e se irrita fácil. O pessimismo toma conta de tudo.
Hospital ou circo?
Trocando remédios por brincadeiras, os Doutores da Alegria ajudam as crianças a suportar o hospital – e a sair de lá
Imagine um hospital em que há um salão de dança, um teatro e até espaço para meditação. A entrada fica no meio de dois pés gigantes, a sala de exames oculares parece um enorme olho de vidro e a de exames auriculares – adivinhe – tem a forma de um imenso ouvido. Tudo num edifício tão colorido que parece mais um parque de diversões. Esse é o sonho que Patch Adams vem acalentando nos últimos trinta anos, desde a época em que chocava os colegas e professores da faculdade de Medicina vestindo-se de palhaço para fazer os pacientes rir. O projeto é ousado: trocar a sisudez dos médicos e os planos de saúde por atendimento afetuoso e gratuito. O nome do hospital? “Gesundheit!” – a palavra maluca que os alemães dizem quando alguém espirra. Significa “saúde”. O local? A cidade de Pocahontas, nos Estados Unidos – isso não é uma piada, a cidade tem mesmo o nome da personagem do filme da Disney.
A SUPER procurou o médico, que foi encarnado por Robin Williams no filme Patch Adams, o Amor É Contagioso. Comprovamos que até ele tem seus dias de mau humor. Por telefone, Adams disse, com rispidez, que estava sem tempo para entrevistas.