Nesta quarta-feira (22), o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou um caso da doença da vaca louca em um animal macho de 9 anos na cidade de Marabá, no Pará. Então, aconteceu o que manda o protocolo sanitário oficial: o governo suspendeu temporariamente as exportações de carne para a China, por exemplo (nosso maior cliente lá fora). E aqui, como fica o consumo de carne bovina?
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, procurou tranquilizar os consumidores brasileiros, afirmando que não há motivo para preocupação. O animal identificado com a doença foi abatido, e sua carcaça incinerada no local – uma pequena propriedade em Marabá, que já foi isolada, inspecionada e interditada. Existem 60 animais por lá, mas nenhum deste rebanho chegou a ser abatido ou levado ao mercado.
Além disso, este pode ser um caso “atípico” da doença, que não apresenta risco de disseminação (você já vai entender o porquê). É uma hipótese a ser confirmada pelo ministério, depois que a Organização Mundial de Saúde Animal concluir os exames das amostras em um laboratório canadense – processo que deve levar cinco dias. Mas como acontece, afinal, a transmissão da doença e quais são suas causas?
Príons e vacas loucas
O nome técnico da doença da vaca louca é encefalopatia espongiforme bovina (EEB). O nome popular vem dos sintomas: a EEB ataca o sistema nervoso dos animais, que passam a se comportar de forma estranha. Os bovinos, búfalos, cabras ou ovelhas doentes ficam nervosos, agressivos ou depressivos. Mas não só: sofrem com a falta de coordenação motora; dificuldades de locomoção; hipersensibilidade a sons e toques; espasmos, tremores e perda de peso.
Tudo porque seus cérebros estão cheios de furos microscópicos, como se fossem esponjas. É que as células nervosas do animal doente não estão funcionando como deveriam. Conforme a EEB avança, tais células ficam cheias de proteínas defeituosas chamadas príons e acabam morrendo – o que eventualmente leva à morte do animal, visto que não há tratamento eficaz para a doença da vaca louca.
O nome comprido dos príons é proteinaceous infectious particle – ou partícula infecciosa proteica, em português. É a versão maligna de uma proteína normal que mantém os neurônios inteiros e funcionais, crescendo e se comunicando.
Uma vez presente no cérebro de um animal, um príon induz as proteínas benignas a se transformarem na versão defeituosa – por um mecanismo que ainda não é bem compreendido. À medida que os príons se multiplicam, os neurônios vão sendo destruídos.
De onde vêm (e para onde vão) os príons
As proteínas defeituosas podem aparecer no sistema nervoso central de duas maneiras: a partir de mutações raras no gene que codifica a proteína – é a EEB “atípica”, que se dá naturalmente em animais idosos – ou via infecção, na EEB clássica.
Para uma vaca adquirir a doença via infecção, ela precisa entrar em contato com os príons que apareceram, naturalmente, em outro animal. Segundo a Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, isso acontece a partir de uma transmissão direta, via oral, entre um animal saudável e um animal contaminado; ou pela ingestão de subprodutos contaminados.
Um exemplo é a farinha feita a partir dos restos de carne e ossos que serve para preparar rações nas fazendas – prática proibida, e considerada crime federal, no Brasil.
Se os restos de um animal doente viram ração, o rebanho que se alimenta desse subproduto pode ingerir os príons e contrair a EEB clássica. Foi o que aconteceu no Reino Unido, onde a doença da vaca louca foi diagnosticada pela primeira vez, em 1986.
Na época, rolou uma epidemia de EEB que atingiu seu pico em janeiro de 1993, com quase mil novos casos por semana na terra da rainha Elizabeth – e se espalhou para mais de 20 países, inclusive na América do Norte.
Na ocasião, também surgiu um surto da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), a versão humana do problema. Ela se manifesta depois que uma pessoa ingere carne ou subprodutos bovinos contaminados com a EEB. Os príons são resistentes a altas temperaturas – e o cozimento da carne não os elimina.
Os sintomas da doença incluem perda visual, de memória, da capacidade de comunicação e de coordenação motora. Segundo o Ministério da Saúde, “o deterioro das habilidades do paciente [com DCJ] é bem mais acelerado que na doença de Alzheimer ou outros tipos de demência”.
Casos no Brasil
Ainda segundo o Ministério da Saúde, foram notificados 603 casos suspeitos de DCJ no Brasil, entre os anos de 2005 a 2014; 55 destes foram confirmados. Tanto essa doença quanto sua forma bovina não são comuns no Brasil: a Organização Mundial de Saúde Animal considera “insignificante” o risco da EEB por aqui. É o menor grau de risco na classificação internacional.
A última vez que a EEB apareceu foi em setembro de 2021. Na época, duas vacas idosas foram identificadas com a forma atípica da doença (ou seja, que apareceu naturalmente a partir de mutações genéticas), uma em Minas Gerais; outra no Mato Grosso. Os animais foram abatidos – e sua carne não chegou aos mercados para consumo, claro. Dessa forma, encerrou-se o caso sem riscos para outros seres vivos.
É, provavelmente, o que vai acontecer desta vez. Ou seja, não precisa entrar em pânico.