Casos de esporotricose estão ficando mais comuns em alguns estados do Brasil, o que levou o infectologista Flávio Telles, coordenador do Comitê de Micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) a classificar a zoonose como “descontrolada” à Folha.
Faz aproximadamente uma década que as ocorrências estão em alta, mas como a doença não é de notificação compulsória – como a covid-19, por exemplo – muitos dos casos não são informados ao Ministério da Saúde, o que significa que qualquer pico recente de casos da doença pode ser disfarçado por subnotificação.
A esporotricose humana é um tipo de micose subcutânea (ou seja, que se espalha por debaixo da pele). Ela dá as caras quando um fungo do gênero Sporothrix entra no organismo – geralmente depois do paciente ser perfurado pelos espinhos de um vegetal que contêm o fungo em sua superfície, ou pelas garras de um animal infectado.
O aumento de casos atual está fortemente relacionado à transmissão de animais para humanos – os vetores mais comuns são gatos domésticos. Os costumes exploratórios dos bichanos podem expô-los ao fungo nas ruas e na natureza. Uma vez infectados, eles podem repassá-lo a nós de muitas formas: arranhões, mordidas ou o contato acidental com uma ferida na pele do tutor.
Em gatos, a doença é contagiosa e letal. Em humanos, porém, é benigna. Não causa complicações graves, não é transmissível de pessoa para pessoa e o SUS oferece antifúngicos. A maior preocupação é com quem tem problemas no sistema imunológico, já que aí o organismo não consegue combater o fungo por conta própria.
O principal responsável pela esporotricose atualmente é o Sporothrix brasiliensis – 90% dos casos são gerados por essa espécie. Ele foi inicialmente descrito no Sul e Sudeste do Brasil, mas rapidamente se espalhou para os outros estados e países da América do Sul.
O fungo tem duas fases em seu ciclo de vida. Durante o período conhecido como micelial, ele usa suas hifas – uma rede de filamentos finíssimos que absorvem nutrientes – para se fixar na natureza. Geralmente as hifas se ramificam e prosperam em solo rico em matéria orgânica, e assim acabam se esgueirando em arbustos e árvores (daí o risco de infecção quando alguém se corta em uma planta espinhenta).
![1018_Esporotricose1_layout_site Imagem do fungo Sporothrix schenckii, causador da esporotricose.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/10/1018_Esporotricose1_layout_site.jpg?quality=90&strip=info&w=1024)
A forma micelial ocorre em temperatura ambiente, ao redor dos 25 °C. Quando ela sobe para uns 37 °C, o fungo pode se desenvolver para a forma leveduriforme, em que é o estágio de vida em que ele é capaz de parasitar seres humanos e animais.
Ao nos cortarmos com espinhos ou lascas contaminados, o Sporothrix acessa o nosso corpo ainda no estágio micelial. Mas é justamente nosso calorzinho natural (e o calor dos gatos também, é claro) que engatilha sua passagem para a fase levedura e o torna perigoso.
![1018_Esporotricose3_layout_site Organismos fúngicos Sporotrichum schenckii, em fase de levedura, também conhecidos como Sporothrix schenckii.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/10/1018_Esporotricose3_layout_site.jpg?quality=90&strip=info&w=1024)
Sintomas
Os sintomas costumam ser feridas na pele. Inicialmente similares a picadas de insetos, elas não cicatrizam rápido e aumentam de tamanho. Também são comuns bolinhas vermelhas, parecidas com espinhas, com um pontinho de pus no centro. Elas formam uma úlcera que pode aumentar.
![1018_Esporotricose2_layout_site Feridas de esporotricose linfocutânea no braço.](https://gutenberg.super.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/10/1018_Esporotricose2_layout_site.jpg?quality=90&strip=info&w=1024)
As feridas aparecem na região em que rolou a contaminação. No caso da transmissão por via felina, naturalmente, mãos, pés e rosto estão mais suscetíveis a lambidas, mordidas e arranhões dos bichanos.
Em gatos, as feridas podem ser confundidas com machucados normais. Por causa disso, o diagnóstico correto pode vir tarde. São aberturas profundas, que não cicatrizam, e é fácil confundi-las com simples ferimentos de briga com outros gatos.
É importantíssimo levar seu Frajola ao veterinário se um problema assim se manifestar – principalmente quando o dito-cujo passa muito tempo na rua (e nem precisa dizer o óbvio: o ideal mesmo é evitar que o pet saia para passear desacompanhado).
Existe tratamento. Como a doença, para eles, é letal, o ideal é começar o mais rápido possível. O fungo pode afetar o sistema linfático e comprometer os olhos e vias respiratórias. A doença evolui especialmente rápido se o bichano já tiver histórico de problemas de saúde, então fique atento.
Prevenção
A principal forma de se prevenir é evitar contato com o fungo. Se for mexer com plantas ou com o solo em trabalhos rurais, use luvas e calçados. Evite contato com gatos de rua, e, se possível, cuide para que seu bichano não saia de casa.
Indivíduos (humanos e felinos) com suspeita de esporotricose devem procurar atendimento médico para diagnóstico e tratamento.
Os donos e veterinários devem cuidar dos animais doentes usando equipamentos de proteção individual (EPI). Também é recomendado que os bichos fiquem isolados em um local seguro, separados do convívio das pessoas da residência.
Os bichanos são tão vítimas da esporotricose quanto nós. Existe cura para a doença, então não abandone seu animal em hipótese alguma. Eles merecem todos os cuidados possíveis, assim como você. E claro: é comum que animais que são vetores de doenças sofram violência. Se um caso desses chegar a seu conhecimento, denuncie.