Recentemente, pesquisadores da Universidade Penn State, nos Estados Unidos, apresentaram um estudo propondo um curioso tratamento para a Covid-19: uma terapia antiviral que utiliza o próprio Sars-Cov-2, em uma versão modificada e defeituosa, para combater a doença.
Antes de explicar a pesquisa, é preciso deixar claro que ela ainda é algo extremamente experimental. Os cientistas não testaram o método em células humanas, e não há nenhuma previsão de testes clínicos.
Vírus atacam células ao se ligarem à superfície delas para, assim, injetarem o seu material genético – no caso do Sars-CoV-2, isso acontece através da famosa proteína spike (aqueles “espetos” que recobrem o vírus). A célula, então, passa a replicar o material genético do vírus, que logo se espalha para o resto do corpo ao ser empacotado e despachado como um vírion – nome dado a uma partícula de vírus que se encontra fora de uma célula hospedeira.
É aqui que entraria o Sars-CoV-2 defeituoso, criado em laboratório. Se ele conseguir invadir uma célula já infectada pelo coronavírus normal, consegue atrapalhar a produção de material genético do outro. Em vez de reproduzir o vírus normal, infectante, a célula passaria a replicar o Sars-CoV-2 defeituoso, que não causa a Covid-19. Pelo menos a ideia é essa.
O estudo foi publicado no dia 1º de julho na revista científica PeerJ. Nele, os pesquisadores desenvolveram uma versão sintética de um genoma defeituoso de Sars-CoV-2 e o introduziram em células de macaco verde africano, previamente infectadas com a forma normal do vírus. A partir daí, eles observaram como a quantidade relativa das duas formas do vírus evoluia ao longo do tempo. O objetivo era analisar como a presença da versão defeituosa interferia na produção de material genético da outra.
Após 24 horas, eles perceberam que o genoma defeituoso, mais curto, foi replicado até 3,3 vezes mais rápido que o outro. Isso fez com que, nesse mesmo intervalo, a carga viral do Sars-CoV-2 normal caísse pela metade. Agora, os cientistas pretendem fazer testes com células de pulmão humano. “Com ajustes e pesquisas adicionais, uma versão deste genoma defeituoso sintético poderia ser usada como terapia para a Covid-19”, acredita Marco Archetti, professor de biologia da Penn State que participou do estudo.
É pouco provável que a técnica venha a ser efetivamente usada contra o coronavírus. Além de demonstrar eficácia em células humanas, o que ainda não ocorreu, os cientistas precisariam provar sua segurança, o que não é simples (seria necessário garantir, por exemplo, que a coexistência entre os dois Sars-CoV-2 não geraria híbridos, dando origem a novas cepas do vírus).